segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Prefácio

Rodney Collin Smith irradiava algo que impressionava a todos que encontrava. Até agora desconhecido dos leitores em língua portuguesa, a publicação deste livro preenche uma lacuna considerável para os interessados no conhecimento difundido pela tradição do Quarto Caminho. Rodney Collin foi discípulo de Piotr Damianovich Ouspensky, filósofo e matemático russo, autor da síntese do conhecimento difundido no ocidente por George Ivanovich Gurdjieff. As circunstâncias que cercaram a aproximação e o afastamento desses carismáticos líderes espirituais ainda hoje são objeto de especulação. Rodney Collin costumava dizer que o que divide e separa pertence ao passado e o que une e harmoniza pertence ao futuro. A publicação do seu primeiro livro em português é o momento para celebrar esse ensinamento de fundo tão humano e atual.

Há um momento certo para tudo, mas não há tempo a perder”, frase atribuída a Rodney Collin, parece mesmo algo proveniente deste discreto porém impressionante mestre, nascido em 26 de abril de 1909 em Brighton, Inglaterra. Ainda não há uma biografia publicada, e as informações existentes sobre a sua vida e trabalho são relatos breves de familiares e amigos. Sabemos que era filho de um comerciante bem sucedido, pelo menos vinte anos mais velho que a esposa, esta interessada em astrologia e teosofia. Rodney e seu irmão Richard, quatro anos mais novo, receberam em idade muito jovem a influência de um lar cristão, onde a literatura esotérica era aceita. Após graduar-se bacharel em comércio pela London School of Economics, Rodney iniciou uma série de viagens, durante as quais coletou material para as suas primeiras publicações. Tentou uma carreira jornalística, desde cedo escrevendo muito, tanto profissional quanto privadamente, mantendo uma considerável correspondência com amigos e discípulos. Trechos das suas cartas constituíram a base de The Theory of Conscious Harmony, publicada postumamente.

Seu casamento com Janet Buckley trouxe-lhe a companheira ideal para a continuidade das suas buscas. Por seu intermédio conheceu Ouspensky e juntos seguiram seu ensinamento, com breves momentos de separação, enquanto Janet apoiava, inclusive financeiramente, o início do trabalho de Madame Ouspensky na Fazenda Franklin, em New Jersey, Estados Unidos. Dessa união nasceu Chloe, educada para apoiar o trabalho dos pais. Em 1947, a pequena família estabeleceu-se na Cidade do México. Nessa época, Rodney Collin tinha um certo número de seguidores ingleses e mexicanos; foi quando seu trabalho desenvolveu uma nova forma, distinta daquela aprendida de Ouspensky. Foi quando se aproximou da prática religiosa católica, ponto de inflexão que atingiu todo o seu trabalho.

Rodney Collin continuou viajando muito, inclusive pela América do Sul, onde tinha seguidores em vários países de língua espanhola. Foi em Cuzco, Peru, que morreu de forma acidental, aos 48 anos de idade, em 3 de maio de 1956. Sua influência no Brasil é desconhecida até os anos 80, quando sua obra começou a ser difundida em grupos de estudos privados, culminando com a presente publicação. Outras publicações em português são desconhecidas ou permaneceram restritas a pequenos grupos ligados ao trabalho do Quarto Caminho.

A estrutura da Teoria da Influência Celestial foi concebida nos dois últimos meses que precederam a morte de Ouspensky, seu mestre e um dos seus melhores amigos. Segundo relatou à sua família, Ouspensky morreu segurando a sua mão. Tal foi o choque produzido pelo desenlace, que passou dias em um estranho e incomunicável isolamento, num estado de espírito alterado, no qual teve acesso à maior parte das idéias contidas neste volume. Este episódio da sua vida requeriria muita explicação e outra oportunidade para ser minimamente entendido.

Rodney Collin e sua família estavam vivendo num “trailer” dentro da propriedade conhecida como “Lyne Place”, residência de Ouspensky e de alguns membros do seu grupo. Logo após a morte de Ouspensky, encontrou uma casa na rua St. James em Londres e mudou-se para lá. Neste novo ambiente e imbuído da inspiração e criatividade que a forte experiência havia causado, lançou-se ao trabalho que levaria alguns anos para completar, apoiado em todo o esforço por Janet.

Ainda persiste uma dúvida sobre qual texto deste livro seria o original. Parece pouco provável que Rodney Collin tenha escrito a primeira versão em espanhol. Em 1947, quando se mudou para o México, ele e um grupo de amigos fundaram a “Ediciones Sol”, que distribuiu muitas das suas publicações pelos países latino-americanos. John Grepe seu braço direito à época, ainda hoje guarda parte dos manuscritos originais. Em 1952, Ediciones Sol publica um texto muito semelhante, sob o título em espanhol “Desarollo de la Luz”. Em abril de 1953, em Tlalpam, México, Rodney Collin apresenta uma versão em inglês, com um conteúdo maior, texto que então é publicado em Londres no ano seguinte. A presente tradução foi realizada tendo sempre os dois textos à frente, em espanhol e em inglês. No entanto, quando houve diferenças, foi privilegiado o texto em inglês.

É para a introdução deste volume que nossa atenção se volta, pois é o momento no qual o autor explica em certo detalhe os princípios que o motivaram. Poucas páginas de conhecimento condensado, que após leitura e releitura minuciosa, revelam muito das idéias e sentimentos subjacentes a este enorme e original trabalho. São idéias pouco comuns, algumas delas polêmicas, muitas inovadoras e bastante atuais; mas acima de tudo, idéias que tratam da humanidade e do cosmos da maneira mais ampla. Nas palavras do autor, em sua Introdução:

... aproximar nosso olhar do ser humano e sua vida interior, com a mesma perspectiva com a qual estudamos o universo. E olhar para o universo com a mesma perspectiva com a qual estudamos o ser humano e sua vida interior”.

O livro foi organizado em vinte e um capítulos e catorze apêndices, que ilustram aspectos específicos do texto. Uma rápida análise da sua estrutura mostra que o autor preocupou-se em iniciar com o princípio de tudo: “Filosoficamente, o homem pode supor a existência de um Absoluto”. Daí progride sistematicamente para o estudo do universo, do sistema solar, da Terra e da Lua, até chegar ao homem como um microcosmo. Nos seus apêndices são encontrados mapas, tabelas e esquemas, coletados durante o trabalho de produção deste volume e que documentam o tamanho do empreendimento do autor.

Apesar de estimular o intelecto pela riqueza simbólica que apresenta, o leitor é conquistado pelo estilo simples e direto do autor. É preciso lembrar que o livro foi escrito num determinado contexto. Com a evolução da ciência em geral, e em particular, a tecnologia de informação, a matemática e a biologia, algumas das afirmações do autor só muito recentemente foram verificadas ou modificadas. Na sua maior parte, no entanto, a Teoria continua a seduzir as mentes mais brilhantes. Rodney Collin alerta que apesar da sua aparência científica, não pretendeu com isto escrever um compêndio de fatos científicos, ou mesmo uma forma de apresentar teorias de difícil demonstração.

O texto torna-se mais rico quando entendemos que em seu sentido mais amplo faz parte da tradição do que é conhecido como o Quarto Caminho. Este é um método de crescimento e aperfeiçoamento individual que está firmado sobre o trabalho de desenvolvimento da atenção. Neste contexto, atenção é definida como um dos aspectos da consciência. Segundo o método, uma pessoa pode gradativamente aumentar a sua consciência a partir das práticas da divisão da atenção e a lembrança de si.

A todos os que buscam um conhecimento mais profundo do Quarto Caminho, este livro torna-se imediatamente uma referência. Da sua leitura e estudo poderão derivar aquilo que Rodney Collin tentou inspirar em cada uma das linhas que escreveu – a tentativa de “reconstrução” do sistema de Gurdjieff e Ouspensky, ou para usar já o seu próprio ensinamento, a tentativa de regenerar o conhecimento em si mesmo. Nesta época em que vivemos, com tantas possibilidades e aberturas, a leitura deste livro dará aos leitores uma sensação de alvorecer, de algo muito novo e fresco. Algo difícil de definir com palavras, mas que pode ser percebido por qualquer um que trabalha para atingir um nível de consciência superior.


Algumas poucas pessoas têm que seguir em frente. Quando Ouspensky morreu, senti que alguns de nós tinham que “romper o casulo”. Agora sinto o mesmo.

Fragmento de uma carta de Rodney Collin, 5 de março de 1956



Carlos Del Nero