segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo XIX - O Ciclo de Sexo

I Moda: As Fases Masculina e Feminina de Urano



O estudo do grande ciclo que afeta o sexo é de interesse especial porque ajuda-nos a compreender melhor o modo geral de atuação de todos os ciclos semelhantes. Com toda evidência o sexo está sempre presente como princípio dominante no homem e em todos os países e todas as épocas é a força motriz da maior parte de suas ocupações e propósitos.

Apesar disto, toma formas muito diferentes, cobrindo-se de modas bastante diferenciadas, ora aberto e despudorado, ora oculto e dissimulado. Além disso, essas fases alternam-se e sendo seu período a metade do ciclo completo de Urano, que é de 84 anos, temos o eterno espetáculo dos avós sérios constrangidos pelos netos indóceis ou das solteironas recatadas enrubescendo perante gafes irreverentes. Sempre foi assim e sempre será assim.

A atitude de uma época em relação ao sexo está indicada muito claramente por sua literatura, poesia, arte e acima de tudo por suas vestimentas. Exemplos inumeráveis de uma completa inversão de atitudes em relação ao sexo e às mudanças no transcurso de quarenta anos podem ser reunidos dessa forma. Um período assim separa a etérea mulher de Pinturicchio, irreparável atrás de camadas de veludo e brocado, da promiscuidade sensual de Bronzino em seu ‘Vênus, Cupido, Loucura e Tempo’ e a nudez da moda da escola de Fontainebleau. Quarenta anos separam estes dos austeros anjos e virgens de El Greco, enquanto que os quarenta anos subseqüentes trazem-nos de volta a nudez carnal de Rubens.

Esses exemplos referem-se à sexualidade das mulheres mas abrange apenas metade do assunto. E é interessante notar que nos períodos intermediários, quando as mulheres são representadas pálidas, recatadas e fartamente vestidas em tons neutros, os homens parecem florescer em cores alegres e roupas fantásticas ou no mínimo posam perante o artista em atitudes vigorosas e excessivamente viris.

Contemporânea das mulheres anêmicas de Pinturicchio, uma sexualidade quase cômica adorna a metade inferior da indumentária masculina. Na época dos anjos vestidos de El Greco, os cavalheiros da Inglaterra elizabetana vestem-se de ouro, rubis e safiras realçados com plissados, cortes, caleçons bordados e joalherias elaboradas. A coroação de George IV em 1821 acontecida dois anos após um ápice masculino foi marcada por deslumbrantes e fantásticos trajes que estabeleciam as vestes rituais da pomposidade britânica em vigor. Períodos em que as mulheres desnudam-se parecem alternar-se com períodos em que os homens vestem-se elegantemente. São essas certamente as tendências fundamentais da ostentação sexual tal como se aplicam aos diferentes sexos.


De tudo isso, parece mais correto considerar o ciclo de 84 anos de Urano, não tanto como uma alternativa entre a sexualidade aberta e a oculta, mas principalmente entre uma era feminina e outra masculina.78


Se voltarmos a um estudo do próprio planeta Urano, encontraremos um paralelo astronômico muito curioso para esse estado de coisas. À diferença de todos os demais planetas, cujos eixos estão mais ou menos em ângulos retos ao plano do Sistema Solar e que dessa forma apresentam principalmente seus equadores para o Sol e seus companheiros, o eixo de Urano está quase rente ao plano de sua órbita. Isso significa que – caso único entre os planetas – ele apresenta seus dois pólos diretamente para o Sol e para a Terra. A cada oitenta e quatro anos seu pólo positivo, iluminado por toda a radiação solar, brilha verticalmente sobre a Terra enquanto seu pólo negativo fica oculto e na escuridão. Nos períodos intermediários é o pólo negativo que reflete diretamente a luz do Sol em nossa direção e o pólo positivo o que permanece obscurecido na direção do espaço exterior.


Se os pólos negativo e positivo dos planetas têm alguma afinidade cósmica com a masculinidade e a feminilidade em geral, podemos então compreender porque Urano – em razão de seu movimento único – é o planeta que governa a função sexual do homem e também porque o estímulo alternante dos dois sexos na Terra segue o ritmo que vemos claramente na história de oitenta e quatro anos.


Ambos os sexos estão sempre presentes e com força exatamente igual como estão em qualquer um dos pólos; mas entre a humanidade, como com os pólos de Urano, a luz da moda brilha primeiro sobre um e em seguida sobre o outro, deixando em cada fase um dos companheiros eclipsados. Se hoje a feminilidade está iluminada, em quarenta e dois anos a masculinidade estará em seu zênite e em oitenta e quatro anos a feminilidade estará novamente. Enquanto isso, nos anos intermediários – quando os dois pólos de Urano compartilham da luz do Sol – os dois sexos devem brilhar durante um curto período com brilho igual.


Ilustramos nosso exemplo com a moda por ser este o espelho mais claro das idéias sexuais de um povo ou de um período. A vestimenta é como se fosse a expressão natural artística do sexo. E as roupas de cada época, e na verdade de cada indivíduo, são as marcas exatas de sua sexualidade, sentimentos e idéias a respeito de sexo. Desta forma, cada um, sem exceção, expressa publicamente sua própria sexualidade.


Ao mesmo tempo, a idéia de alternados períodos masculinos e femininos pode muito bem ser demonstrada em qualquer campo do esforço humano. A era elizabetana de pomposidade masculina é também a era dos lobos do mar, cuja estranha vida de piratas representa um aspecto muito definido de visibilidade. Certamente em cada época existem aventuras semelhantes mas nessa, de certa forma foram aceitas, estavam na moda e representavam um ideal social e sexual.


Novamente, os dois períodos podem ser vistos como alternâncias de conflito e languidez em relação ao sexo. Nos períodos masculinos toda idéia de sexo será permeada por questões de honra, rivalidade e moral, ele será visto como a grande recompensa pela qual se deve lutar e preservar, será aquilo que é mais difícil conseguir. Nos períodos femininos, pelo contrário, ele será pleno de facilidades e apelos, não será recompensa mas presente, aquela alegria terrestre na qual todos poderão encontrar conforto e bem-estar. Num caso é exemplificado por ‘Roman de la Rose’ para quem o puro e o melhor podem ser alcançados somente pelo sofrimento e por outro lado pela Fonte das Delícias de Bosh, na qual todos podem se banhar e serem vivificados. Essas duas grandes visões foram criadas, a primeira pouco antes de um ápice masculino (1225) e a segunda pouco antes de um ápice feminino (1510) e simbolizam os dois ideais complementares do sexo de uma forma muito vívida.


Como vimos anteriormente, o sexo pode combinar-se com cada uma das demais funções para produzir infindáveis variedades de expressão humana. Da mesma forma, essas duas fases do ciclo sexual de Urano podem coincidir com qualquer um dos outros ciclos planetários para produzirem toda idéia e atitudes concebíveis a esse respeito.


Algumas vezes os ciclos sexuais coincidirão com ciclos de guerra ou crime, com ondas resultantes de rapina e sadismo. Por outro lado, em alguns países onde o tipo racial é de uma casta sensual – como na Índia ou na Malásia – os ciclos sexuais combinar-se-iam criativamente com ciclos ‘espirituais’. Nesse caso o sexo torna-se um mistério, símbolo do poder criativo do universo e ‘caminho’ para experiências místicas de união com Deus. Ainda que a idéia seja estranha aos tipos raciais mais intelectuais e menos sensuais do Ocidente, a união física pode ser usada em certos períodos como um verdadeiro sacramento e as intensas energias então liberadas serem deliberadamente subordinadas ao desenvolvimento da consciência.


Encontramos traços claros de tal ensinamento na escultura da civilização Kushan no século II na Índia e novamente nos templos shivaítas do século VIII, os prazeres de jovens garotas, para cujo deleite o adorador, representado como um homenzinho, suspira à distância. Em outras épocas – entre os sufis persas, por exemplo – um aspecto mais emocional do sexo serviu como insinuação e alegoria da mais alta possibilidade do homem.


Tais desenvolvimentos parecem possíveis apenas nas fases femininas do ciclo de Urano e somente entre raças de tipo físico sensual. Em todo caso, essas possibilidades implicam evidentemente grande compreensão, uma emocionalidade muito especial e a purificação absoluta do sexo da mais leve mescla de vergonha ou violência. À parte o conhecimento secreto da alta fisiologia requerida por tais caminhos essas condições externas são praticamente impossíveis aos tipos ocidentais de educação ocidental e habituados aos costumes sociais do ocidente.


Apesar disso, muitos indivíduos como que por fortuito acidente, alcançam seus mais altos níveis de consciência no sexo, adquirindo através do sexo a primeira intuição de seu desenvolvimento em potencial.




II A Psicologia do Sexo




Um dos aspectos estranhos do ciclo de 84 anos do sexo governado por Urano é sua quase que exata correspondência com a duração média da vida humana. Significa que um homem que viva o bastante, ou mais significativamente, uma dada geração, morrerá numa ‘atmosfera’ sexual semelhante àquela em que nasceu. Num capítulo posterior, quando tratarmos de penetrar o mistério do amor e da morte, ou da morte e da concepção, compreenderemos que esse fato pode ter um significado muito especial.


O mesmo fato implica também que na flor da vida, quando a compreensão do sexo no homem ou na mulher é mais plena e profunda, ele ou ela vivem na atmosfera sexual oposta à de seu nascimento, ou seja, numa atmosfera de estímulo máximo. Isso explica o fato raramente admitido de que o sentimento sexual é freqüentemente mais forte e rico aos quarenta que aos trinta.


Entretanto, o estudo de várias modalidades sexuais no passado poderá ter apenas pouco mais que interesse acadêmico ou erótico para as pessoas que de maneira geral não têm outra alternativa senão viver na atmosfera sexual de sua própria época e adaptar sua compreensão individual do sexo da melhor forma possível.


Para eles a principal coisa a ser compreendida a respeito do sexo é de que ele seria a mais alta função criativa resultante da harmonização de todas as outras funções – seja na geração de crianças com a imagem física de seus pais, na criação artística ou simplesmente na criação de um verdadeiro papel na vida do indivíduo. Longe de harmonizar outras funções em muitas pessoas infelizmente o sexo as obstrui, interferindo nelas e impedindo-as de levar adiante sua tarefa apropriada.


Deve ser lembrado que a energia sexual é a energia mais refinada normalmente produzida e conduzida através do corpo humano. Isso significa também que é a mais volátil, a mais difícil de armazenar e manter sob controle. Como uma reserva de gasolina, sua presença representa tanto uma fonte de imenso poder e potencialidade quanto um perigo constante de explosão catastrófica. A qualquer momento ela pode infiltrar-se no mecanismo de outras funções e como a gasolina ao infiltrar-se num sistema aquecido ou no interior de um armazém, subitamente dar lugar a grandes incêndios que em poucos segundos podem destruir reservas há muito acumuladas de outros materiais e danificar ainda a estrutura fundamental do edifício.


Contudo, essas manifestações violentas e destrutivas de energia sexual geralmente são derivadas direta e indiretamente de uma atitude negativa em relação ao sexo em geral – isto é, a suspeita, o medo ou um sentido cínico, brutal e obsceno dele. Essas atitudes negativas impedem que o sexo encontre sua expressão própria e natural e forçam sua energia dentro de canais e funções para as quais é demasiadamente forte.


Isso pode resultar numa atividade violenta, deselegante e num sentido que freqüentemente conduz ao acidente físico e à destruição ou em explosões de ira passional e respostas amarguradas e magoadas, imaginação febril, denúncias violentas de outros ou na imposição de tarefas e disciplinas impossíveis aos demais. Todos esses e outros incontáveis aspectos desagradáveis do comportamento humano resultam de energia sexual sendo forçada dentro de sistemas mais apropriados a energias mais grosseiras requeridas pelo pensamento, ação ou instinto. Ao passar por esses sistemas a energia sexual lembra-nos a corrente passando através de um fio demasiadamente pequeno para conduzi-la – primeiro o fio esquenta e finalmente pode fundir-se de todo.


Aqueles que compreendem emocionalmente a idéia de sexo como a força que harmoniza todas as outras funções e que tratam de viver suas vidas segundo essa compreensão embora não possam obviamente ver-se inteiramente livres das manifestações desagradáveis descritas acima, nunca serão dominados por elas da mesma forma. Em qualquer caso, nunca justificarão tal violência ou pretenderão que ela possa ter qualquer função útil pois se darão conta de sua origem e natureza.


Na vida do homem, o sexo pode tornar-se um elemento destrutivo ao invés de integrativo de duas formas – pode desempenhar um papel demasiadamente grande ou demasiadamente pequeno.


Huntington traçou um quadro surpreendente das condições sociais num distrito da América Central onde os jovens gastam todo o tempo seja planejando como possuir certa mulher ou descansando após o sucesso de tais planos. Obviamente, em tal estado, nenhuma civilização, nenhuma cultura, nem sequer qualquer melhoria material será possível.


Por outro lado, um grande número de pessoas em cidades altamente civilizadas empregam esse mesmo tempo não em sonhar com a mulher desejada ou o homem desejado, mas sobre o sexo em geral ou sobre o sexo em conexão com alguma figura imaginária do palco ou da tela. E não percebem que tais sonhos utilizam o fino material do verdadeiro sexo gastando-o mais rapidamente que na satisfação imediata.


Além disso, tal imaginação produz uma espécie de impotência psicossexual que faz com que os homens ao enfrentarem-se com as urgências sexuais da vida – que nunca correspondem à imaginação – encontrem-se confusos e incapazes de responder a elas de alguma forma normal.


O sentido sexual é extraordinariamente sutil, atuando em grande velocidade em virtude de sua energia fina. A maior parte de suas manifestações tem lugar num nível molecular onde os impulsos são transmitidos milhares de vezes mais rápido que o são pela mente. Os efeitos do aroma, que também têm lugar num nível molecular, tendo assim uma estreita conexão com a função sexual e poder sobre ela, podem ensinar-nos muito a respeito dessa extraordinária velocidade e sutileza do sexo. Um perfume, por exemplo, pode difundir-se através de todo o volume de uma grande sala num tempo incomensuravelmente curto, isto é, pode envolver instantaneamente todo o interior dessa sala por todos os lados simultaneamente.


Capacidades similares correspondem ao funcionamento apropriado do sexo. A idéia de amor à primeira vista, se realmente ocorre, está baseada no fato de que em certos casos a função sexual pode perceber tudo o que pode ser conhecido sobre alguém num único instante. Isso está conectado com sua velocidade de ação e com a natureza do estado molecular da matéria com a qual opera.


A mente lógica ou imaginativa é muito lenta para essas percepções. Não pode seguir, controlar ou estimular o trabalho da função sexual. Pode somente inibir sua ação, interferir nela. É isso que quase invariavelmente resulta quando a mente se ocupa muito de sexo, seja imaginando ou racionalizando-o. o verdadeiro sexo não pode ser melhorado pela imaginação ou pela razão e é freqüentemente destruído por elas e por elas tornado estéril.


Já mencionamos a esse respeito o efeito da imaginação. Mas é necessário compreender que a introdução de ‘razão’ em demasia ou ‘vontade’ nos assuntos sexuais tem exatamente o mesmo efeito. Um homem deve evidentemente ter autocontrole suficiente para manter sua expressão sexual dentro de certos limites e não despender tanto ou tão promiscuamente sua energia refinada, do contrário não lhe sobrará nada para qualquer outra atividade criativa. Por outro lado, tão volátil é a natureza da energia sexual que o homem que decide ‘controlá-la’, exercitar sua ‘vontade’ sobre ela, sublimá-la ou algo parecido, percebe logo que já não lhe sobrará tempo para mais nada.


A luta para manter o sexo ‘no seu lugar’, sem expressão, é como tentar manter um aroma no canto de um quarto. É completamente impossível. Assim, o homem que orgulha-se de ter mais autocontrole, freqüentemente gasta muito mais pensamento, tempo, energia e engenhosidade no sexo que qualquer outro. Nunca pode apartar o sexo de sua mente e assim nunca está apto a considerar qualquer outro lado da vida imparcialmente. Toda questão, mesmo a mais trivial ou acadêmica é decidida nele, com base na oportunidade sexual que se ofereça ou se evite. Dessa forma toda sua vida torna-se envenenada e ele sacrifica até mesmo oportunidades e possibilidades banais. Tal homem é o mais abjeto escravo do sexo e sem qualquer proveito ou prazer.


A chave para a compreensão do sexo é o conhecimento de que a energia sexual é naturalmente a mais fina e sutil produzida no organismo humano. Portanto, a energia sexual pode aplicar-se a qualquer propósito, pode expressar-se por si mesma em qualquer nível. Ela contém a potencialidade das mais altas formas de criação e também a possibilidade de destruir um homem, de destroçá-lo física, moral e emocionalmente. Pode combinar-se com seu lado mais bestial, com impulsos criminosos de crueldade, ódio e medo ou combinar-se com suas aspirações mais refinadas e sensibilidades mais sutis. E em qualquer caso elevará imensamente a tendência à qual se encontrar agregado.


De uma forma muito misteriosa a energia sexual contém dentro de si num nível molecular a marca universal ou o padrão cósmico. Esse padrão cósmico pode revestir-se de carne na forma de criaturas físicas engendradas pela energia sexual dos pais. Mas também pode ser transmutada em alguma expressão artística ou literária desse desenho cósmico ou de qualquer aspecto dele que possa despertar o artista. A energia sexual contém a imagem de toda a verdade, dela cada homem obtém toda a verdade de que é capaz.


O fato de que a energia sexual contém dentro de si uma imagem cósmica completa e particularmente a imagem cósmica completa do indivíduo do qual emana, tem um outro aspecto. Quando no ato sexual um homem ou uma mulher se abandonam, separados de sua energia sexual, significa que de uma estranha forma eles são separados, colocados à parte de si mesmos. O ato sexual é um estranho simbolismo da morte, quando o homem ou a mulher são separados – não apenas de sua semente – mas de todo seu corpo físico, do qual essa semente é uma marca microscópica.


Muitas analogias – físicas e psicológicas – sugerem que o êxtase sexual, no qual os opostos reconciliam-se, no qual o senso de união é proporcional ao senso de aniquilação onde ao mesmo tempo parece tanto que nos perdemos quanto que nos encontramos, poderia ser uma amostra do que pode ser esperado na morte. E assim como um homem, separado de seu sêmen no ato sexual tem nesse instante a revelação ou experiência de todo o seu ser, cai no esquecimento e é dominado pelo desespero ou transportado em êxtase, ele também pode, no momento em que se separa de seu corpo, na morte, ser revelado e recompensado, não só por uma hora mas pela duração de toda uma vida.


Ao mesmo tempo, na união sexual o homem e a mulher criam sem saber, uma imagem cósmica do todo. As metades separadas, afastadas desde o alvorecer da vida, tornam-se por um momento uma criatura perfeita, seus olhos voltados para a terra e para o céu simultaneamente, o ritmo de seus dois corações unidos, respirando seus próprios alentos, satisfazendo seus próprios desejos e completando sua própria incompleição – uma nova criatura purgada do mal e do eu e plena de um só êxtase, imagem de um cosmos em sua perfeição.


Portanto, para cada indivíduo, o sexo dá um pressentimento da morte e um pressentimento da vida perfeita. Nas palavras da parábola, é seu ‘talento’ dado pela natureza e do qual pode fazer qualquer coisa que o seu ser desejar. Dessa forma o sexo fornece uma prova ou um teste universal para todo ser humano e mediante o uso dele, determina suas possibilidades futuras.




III O Sexo como Busca da Perfeição




Consideramos o sexo como a função que, trabalhando adequadamente, harmoniza todas as outras funções no indivíduo. Ou seja, ele pode produzir um acordo entre todas as diferentes funções e processos e conseguir deles a potencialidade mais alta do material disponível.


Mas essa capacidade harmonizadora tem outro aspecto. Por sua natureza a função sexual busca perfeição. Não busca apenas criar harmonia entre as outras funções em seu próprio organismo mas também completar cada uma dessas funções, suprir o que falta nelas, corrigir alguma deficiência e criar assim um todo perfeito. Esse todo perfeito será alcançado ao encontrar outro ser que possa suprir exatamente o que falta a seu próprio organismo, função por função, e que, combinado com ele, constituirá o homem completo ou perfeito. Logo, o sexo é literalmente a faculdade pela qual, como Platão expressa, “as almas buscam a outra metade da qual foram separadas na criação.”


No capítulo sobre os elementos químicos vimos como esses elementos atraíam-se ou tendiam a combinar-se de acordo com o número complementar de elétrons em sua camada externa. Estando a camada externa constituída de um número definido de elétrons, o sódio com um elétron de sobra, corre irresistivelmente ao encontro do cloro, onde falta um elétron. Por outro lado, nada faria o sódio, com seu elétron extra, combinar-se com outros álcalis compostos de modo análogo. Esse foi o princípio do casamento dos elementos e a base de toda a química.


O mesmo princípio aplica-se exatamente à atração e casamento de homens e mulheres. Só que nesse caso a busca de um complemento ocorre em cada função e o senso de atração, indiferença ou repulsão entre um homem e uma mulher é como que resultado de um cálculo altamente complicado do fator de reciprocidade existente em cada função e a média ou o total de todos esses fatores juntos. Felizmente esse cálculo complexo não tem que ser feito na mente lógica mas sim na função sexual onde um resultado correto pode ser dado num segundo ou até menos.


Recordemos do capítulo sobre o homem como microcosmo como as diferentes glândulas e seus sistemas dependentes e funções trabalham em par, uma controlando uma característica masculina e outra uma característica feminina. O exemplo mais óbvio pode ser visto na pituitária, onde o lóbulo anterior está conectado com a razão, vontade e poder de coordenar e dominar tanto o próprio organismo quanto o ambiente; e o lóbulo posterior com os processos internos do corpo, o poder do organismo para cuidar e curar tanto ele mesmo quanto outros. Evidentemente, o lóbulo anterior afeta os instintos masculinos e o posterior os femininos ou ‘maternais’, como o definem os endocrinologistas. Juntas, essas duas partes formam um só órgão.


Do mesmo modo a tireóide e as paratireóides ou glândulas do movimento e do crescimento e o córtex e a medula das supra-renais, induzindo luta e fuga respectivamente, representam contrapartes masculinas e femininas. Essa união de dois elementos sexuais em cada uma das glândulas principais do corpo está muito bem representada nas imagens do tantra tibetano, onde cada ‘deus’ ou ‘poder’ pode estar representado em união com sua shakti ou contraparte feminina.


Sendo assim, cada homem e cada mulher terão em cada função um ou outro desses dois aspectos mais dominante e em proporções infinitamente variadas. Em cada função ele ou ela buscará instintivamente um membro do sexo oposto que tenha uma proporção complementar. Além disso, ele pode encontrar uma companheira que seja exatamente o recíproco numa função mas que de modo algum o seja nas demais. Disso deriva toda a infinita complexidade das relações sexuais humanas – as amizades platônicas, as ligações puramente físicas, a amitié amoreuse e assim por diante. Também explica porque homens e mulheres podem não sentir contradição alguma em várias relações com o sexo oposto e achar completamente impossível justificar esse sentimento perante o convencional ou a crítica.


As mesmas causas estão por trás do eterno argumento em que A ama B mas B, sem corresponder, ama C. Certamente, um homem cujo centro de gravidade resida numa determinada função poderá encontrar uma mulher que seja nesta o seu complemento e que desperte portanto sua mais aguda excitação. Mas ela, ainda que nessa função seja sua verdadeira companheira, pode ter seu centro de gravidade numa função totalmente diferente onde ele não poderá oferecer-lhe nada e onde as necessidades instintivas dela poderão ser então satisfeitas por uma outra pessoa.


Novamente, o trabalho dessas relações naturais complica-se e confunde-se mais ainda com representações sexuais completamente imaginárias que podem existir na mente de um homem – tanto em relação a ele mesmo quanto em relação à companheira desejável. Essas representações, modeladas segundo heróis ou heroínas de livros, obras teatrais ou cinematográficas e influenciadas por considerações de ‘bom tom’ e moda fazem que aqueles que nelas acreditem estejam particularmente sensíveis à pseudo-sexualidade da maquiagem exagerada, roupas provocativas, conversas sugestivas e assim por diante. Isso, por sua vez, conduz à pornografia, que em nada corresponde à natureza essencial do organismo e pode apenas frustrar seus verdadeiros desejos em todos os aspectos.


Como quer que seja, o instinto sexual de cada indivíduo deve continuar na busca de um exemplar do sexo oposto que pode fornecer seu complemento em cada função simultaneamente. E a atração será sentida com intensidade crescente à medida que a mulher (ou homem) encontrados aproximar-se desse ideal. Uma mulher que seja seu complemento ou quase complemento em todas as funções sempre dará origem num homem a um sentido inesgotável de fascinação e mistério e deverá constituir-se para ele como um ideal, isto é, aquela através de quem ele mesmo se completa e aperfeiçoa.


Quando homens e mulheres escutam essa idéia pela primeira vez, imediatamente começam a sonhar com uma companheira ideal em êxtases imaginários de complementação e sobre o infortúnio de ter uma companhia real tão distante desse ideal.


Esse é um grande erro. Na vida real tais atrações intensas, se casualmente encontradas, acarretam com mais freqüência, desastre e tragédia que satisfação plena. E ainda que traga algum breve período de intenso êxtase e compreensão, esse complemento perfeito pode ser ainda bastante inadequado como companheiro de vida. Ocupará demasiadamente a atenção do homem impedindo-o de pensar seriamente sobre qualquer outra coisa ou considerar outras possibilidades e deveres com seu devido valor. O eu da maioria dos homens e mulheres não é forte o suficiente para lidar com os problemas que surgem do encontro do complemento perfeito.


Além do mais, esses sonhos impedem efetivamente que o sonhador reconheça o homem ou a mulher real que é seu complemento, ainda que o encontre. Por que sonhando assim estará adormecido e adormecido não pode sequer reconhecer o que mais deseja.


As relações entre os sexos só pode ser compreendida com base nos tipos planetários. E tipos planetários só podem ser reconhecidos quando se está desperto.


Três desses tipos – o lunar, o venusiano e o jovial – são predominantemente femininos em sua natureza e o ideal mais generalizado de beleza e perfeição feminino gira eternamente entre eles. Diana representa o ideal da mulher lunar, Afrodite o ideal da mulher venusiana e Juno o da mulher jovial. De modo complementar o ideal masculino popular desloca-se de um para outro dos três tipos masculinos – o mercurial, o marcial e o saturnino.


Novamente, a arte dá-nos muitos indícios a respeito desses tipos e a natural atração sexual entre eles. O artista é inclinado a pintar homens de seu próprio tipo e mulheres do tipo que mais intensamente o atraia. E o artista de sucesso deliberada ou casualmente expressa os tipos ideais de sua época, pois é precisamente no reconhecimento disso que reside seu sucesso. Desse modo a arte revela freqüentemente as leis fundamentais dos tipos mais claramente que a vida onde os tipos puros são raros e a afinidade entre os tipos está confundida pela imaginação, convenções, medo, pretensões e interesse material.


Percorrendo galerias de arte, logo percebemos que a maioria dos artistas não apenas pinta os mesmos tipos como também o mesmo tipo de homem em combinação com o mesmo tipo de mulher. Vemos, por exemplo, que Dürer e El Greco pintam homens saturninos altos, ossudos e ascéticos com mulheres lunares meigas, arredondadas e pálidas. Veronese e Rubens pintam homens marciais bravios e rudes com mulheres joviais extravagantes. Correggio, Fragonard e Boucher pintam efebos mercuriais com langorosas deusas venusianas. Isso não é acidental, essas combinações de tipos na verdade são naturais e fundamentais.


Na vida, contudo, a situação não é tão simples. Como sabemos, pessoas de qualquer sexo podem pertencer a qualquer um dos seis tipos e podem haver mulheres mercuriais e marciais muito femininas e homens lunares ou joviais muito masculinos. Ao mesmo tempo, nesses casos o senso de sexo não é tão claramente definido, não tão exclusivo, por assim dizer. E se considerarmos a Lua como o mais alto ponto da feminilidade e Saturno como o mais alto da masculinidade, podemos compreender porque a maioria das tendências à homossexualidade são encontradas entre homens lunares por um lado e mulheres saturninas por outro.


Contudo, o círculo de tipos que elaboramos ao estudar a psicologia humana e que vimos refletir um padrão cósmico, pode lançar uma grande quantidade de luz sobre a questão da atração dos opostos. Se dobrarmos esse círculo pelo meio, fica claro que os tipos se dispõem por si tanto graficamente quanto realmente em três pares. O saturnino oposto ao lunar, o jovial oposto ao mercurial e o marcial oposto ao venusiano representam a combinação de atração máxima. Esses pares gravitam juntos naturalmente, seja no amor sensual, na amizade ou simplesmente na proximidade física. Para alguns, o impulso desse emparelhamento pode ser irresistível, outros, temendo inconscientemente o poder desarticulador de tal atração poderão evitar cuidadosamente seus opostos durante todas as suas vidas. Como dissemos anteriormente, essas combinações não são necessariamente as mais satisfatórias ou mais duradouras.


Freqüentemente, se existem sentimentos fortes, haverá uma qualidade de transitoriedade, da precariedade do amor. E isso pode até mesmo trazer com ela uma paixão e um desespero que pode sacudir as vidas individuais até seus alicerces. Sob tal esforço, um homem ou uma mulher podem intempestivamente lançar mão de tudo quanto a vida lhes há dado, em troca de uma satisfação momentânea sabendo de antemão que não podem esperar nada de duradouro ou permanente dela. Em tais combinações, há com freqüência um sentido de tragédia, de ilegalidade. Caráteres débeis e sem bases podem ser destruídos por elas. Ainda assim, para pessoas de vidas fixas e estreitas, a mesma tempestuosidade e violência da paixão pode romper o convencional e abrir caminho para novas possibilidades que não as atingiriam de outra forma.


Existe ainda outra relação bastante direta e rica entre tipos de homens e mulheres, uma das quais – como a atração dos opostos – deriva também de um modelo cósmico. Ao estudar a psicologia dos tipos, notamos que cada um deles poderia ser considerado como que em movimento entre um tipo e o seguinte. Isto é, como que movendo-se – ainda que lentamente – ao longo da linha de circulação interna entre os tipos que estabelecemos então. O lunar, como vimos, tende a dirigir-se para o venusiano, o venusiano para o mercurial, este para o saturnino, o saturnino para o marcial, o marcial para o jovial e este de volta para o lunar. Nessa ordem e em nenhuma outra é possível o movimento entre os tipos.


Se considerarmos que esse movimento interno representa possibilidades superiores para os homens, assim como a direção do progresso para a humanidade como um todo e se compreendermos o casamento e as relações sexuais como um meio cósmico para esse fim, muitas coisas se tornarão claras então. Homens e mulheres, amando-se e aprendendo a compreenderem-se mutuamente, numa combinação correta conduzem um ao outro ao longo desse caminho de progresso humano. O homem mercurial, amando e deleitando-se com a mulher venusiana por seu calor e simpatia pode tirá-la de sua indolência e dar-lhe um gosto da rapidez, ligeireza, agilidade e aplicação que lhe faltam. Do mesmo modo a mulher jovial, amando e admirando a coragem do homem marcial, pode começar a domesticar sua violência e conduzi-lo em direção à compreensão e tolerância.


Ao estudar homens e mulheres na vida real à luz dessa seqüência, vemos que a associação mais duradoura e permanente surge quando uma das partes – o ‘dirigente’, por assim dizer – está toda uma etapa à frente do outro. Assim, Vênus pode conduzir a Lua, Mercúrio conduzir Vênus, Saturno conduzir Mercúrio, Marte conduzir Saturno, Júpiter conduzir Marte e a Lua conduzir Júpiter. Pois em tais combinações, se ambos procuram mover-se por igual em direção ao tipo seguinte, ambos permanecerão mutuamente atraídos e complementares como antes. E apenas se um deles permanecer fixo e retraído os dois cessarão de deleitar-se e ajudar-se mutuamente.


Certamente, outras combinações sexuais de tipos são possíveis, podendo até mesmo trazer êxtase e grande compreensão. Mas poucas terão a permanência e qualidade da criatividade assegurada que pertence à união daqueles que seguem naturalmente um ao outro. Destas, podemos dizer que produzem crescimento onde outras produzirão explosão.


Entre outros tipos as relações sexuais são verdadeiramente ilegítimas, isso porque não existe em absoluto o sentimento sexual e que se tentados, podem somente violar a natureza sexual dos interessados, deixando-lhes profundas feridas psicológicas difíceis de cicatrizar. Sexo é uma função na qual o fingimento é muito perigoso. E a maioria das anormalidades é resultado do fingir que não existe atração sexual onde pelo tipo ela deveria existir ou que exista onde, pelos tipos envolvidos, ela efetivamente não possa existir.


Por outro lado, através do sexo – onde este se conserve puro sem perverter-se – é dado aos homens e mulheres compreender diretamente as grandes leis do universo como que por direito de nascimento. Por sua força, se a respeitam, são capazes de discriminar o que é correto para eles e o que não é. Por sua força, se a deixam ensinar-lhes, podem ser conduzidos ao longo do caminho do desenvolvimento humano através de todos os tipos em direção à perfeição. Por sua força, se mantêm tudo o que é negativo longe dele, lhes é concedido degustar por breves momentos e em conexão íntima, daquelas sensações de êxtase e união que são de natureza da consciência superior.


Pelo sexo puro o homem comum pode ganhar num momento o que o asceta nega em si mesmo por anos para poder alcançar e o que o santo implora pela duração de uma vida para poder sentir. Mas apenas em condições em que se aproxima dele isento de medo, violência e cobiça. E na condição de que não negue posteriormente o que aprendeu do sexo, mas pelo contrário, permita que a compreensão conseguida no sexo permeie todos os lados de sua vida, amadurecendo-os, harmonizando-os e enriquecendo-os também.


Para o homem a mulher deve ser aquilo que o lembre de onde veio. Para a mulher o homem deve ser aquilo que a lembre para onde deve ir. Juntos devem lembrar um ao outro do princípio e do fim, do todo e da perfeição.




78. Ver Apêndice XII, ‘O Ciclo do Sexo’.


Figura 14: O Círculo dos Tipos