segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo XX - O Ciclo de Regeneração

I Períodos Favoráveis


Em 23 de setembro de 1846, Netuno, o planeta mais exterior, foi descoberto a cerca de cinco bilhões de quilômetros do Sol num ponto previamente indicado por deduções matemáticas. Viu-se depois que esse planeta possuía um tamanho intermediário entre os planetas interiores e os gigantes como Saturno e Júpiter. Mas ele parecia ser extremamente rarefeito, gerar seu próprio calor interno e acima de tudo, possuir uma atmosfera de puro metano.


Se lembrarmos da idéia de que atmosferas são as partes dos planetas pelas quais eles transformam e transmitem a luz do Sol, esse fato torna-se ainda mais interessante. De todos os gases principais, dos quais foram encontrados traços em atmosferas planetárias, o metano é o mais fino, o menos denso. Enquanto o dióxido de carbono de Marte e Vênus tem massa molecular de 44, o oxigênio (O2) e o nitrogênio (N2) da Terra têm 32 e 28 respectivamente e a amônia de Júpiter o equivalente a 17, a cifra para o metano é de apenas 16. Dessa forma, Netuno possui o mecanismo transformador mais ‘delicado’ do Sistema Solar. E podemos crer que sua influência corresponda a isso.


No diagrama do corpo humano, no qual vimos que as várias glândulas endócrinas acham-se numa espiral que irradia-se a partir do coração em ordem correspondente à dos planetas, notamos que a glândula ‘mais exterior’ era a pineal, instalada no centro do cérebro. Até onde pudemos ver, essa glândula não funciona no homem comum, não rendendo senão uma pequena parte de suas possíveis funções. E posto que as glândulas estão dispostas em ordem crescente à sua intensidade de energia, isso parecia explicar que o homem não dispõe comumente da energia de intensidade suficiente que seria necessária para por a funcionar essa glândula mais exterior e de maior alcance. Outros indícios sugerem que seu funcionamento estaria de fato conectado com a regeneração de todo o ser do homem e com a aparição nele de novos poderes e percepções.


Se existe alguma conexão ou influência de Netuno governando a glândula pineal e sua função potencial, dificilmente poderíamos traçá-la em relação ao homem individual pela extensão do ciclo desse planeta. Mas para a humanidade como um todo, haveria algum efeito visível no aumento e redução dessa influência. O ciclo de Netuno é de aproximadamente 165 anos. Ainda que Netuno esteja tão distante que sua influência seja quase que constante, de qualquer forma dentro de seu ciclo deve haver um tempo onde essa influência encontre-se em sua maior força ou talvez em sua conjunção mais favorável com outras forças no Universo como aquelas provenientes do centro galáctico; e outro tempo ainda em que essa influência esteja em sua menor força.


Qual poderia ser na humanidade o momento mais favorável dessa influência? Acredita-se que seja possível encontrar em geral um interesse mais profundo que o usual na idéia de regeneração, uma busca mais ampla na humanidade por um novo caminho, uma nova vida, uma saída para o desconhecido. E também que o maior número de homens, ou melhor dizendo, alguns homens conseguiriam realmente tornar-se regenerados tendo sido transformados ou transfigurados em novos seres.


Sobre eles é difícil dizer algo porque muito freqüentemente, quando não sempre, por sua própria transfiguração desaparecem do curso ordinário da história e não são mais vistos.


Certos traços de suas existências podem ser deixados. Uma vez que conseguiram regenerar-se ou transformar-se, seu trabalho consistirá em organizar ‘escolas de regeneração’ cujo trabalho interno deverá permanecer invisível. Mas tais escolas também podem estar engajadas em alguma expressão externa de seu trabalho, como a construção de templos, a redação das escrituras, a condução de investigações científicas e assim por diante. E por esses sub-produtos poderíamos dizer, temos um indício dos tempos em que existiram mais ou alguns homens conscientes.


Provavelmente as escolas sempre existirão, de uma forma ou de outra. Mas em épocas desfavoráveis podem existir numa forma muito oculta e concentrada, assim como a vida de uma planta permanece oculta e concentrada na semente durante o inverno. Em épocas mais favoráveis, por outro lado, ainda que a escola interior esteja oculta e concentrada, suas escolas preparatórias e seu trabalho externo ou efeito podem alcançar grandes proporções e até mesmo afetar fundamentalmente o curso da história visível. Em tais épocas, alguns dos homens que conseguiram alcançar em si mesmos o objetivo da escola, podem aparecer como figuras famosas à guisa de sacerdotes, santos, arquitetos, pintores e assim por diante.


À parte isso haverá grande número de escolas de imitação surgindo espontaneamente do interesse geral pela regeneração, mas que não têm homens conscientes conectados com elas que tenham finalmente de se contentar com o estudo da velha literatura, invenção de métodos fingidos e de maneira geral, polêmicas a respeito da idéia de regeneração. Curiosamente, são essas que com freqüência dão-nos o melhor indício da existência de períodos favoráveis. A auto-perfeição é, por assim dizer, uma idéia em voga.


De fato, as verdadeiras escolas são distinguíveis apenas por seus frutos – elas realmente produzem os homens conscientes, definidos pela imitação das escolas. Mas em retrospecto, desde que esses homens não possam ser vistos ou estudados anos mais tarde, sendo quando muito, descritos por seus contemporâneos, é quase impossível distinguir o verdadeiro da imitação, o original daquele de segunda mão. À medida que o tempo passa, o que foram esses homens, o que ansiavam ou acreditavam ser, funde-se numa imagem única e não temos escolha a não ser estudar o conjunto. Palavras nobres não são mais que um sub-produto final de nobreza de ser e esta última deve sustentar a inevitável responsabilidade das primeiras.


O que são verdadeiras escolas, como estão organizadas, quais são suas regras e métodos, como obtêm alunos apropriados ou a matéria prima do curso geral da vida, não o sabemos. Evidentemente, um de seus principais requisitos é o segredo e o anonimato, assim como no solo é necessário um ponto escuro e oculto para a germinação de uma semente. Pois ainda que possamos supor a existência real de uma escola – como nos Mistérios de Elêusis em determinada época ou nos grupos de construtores das Catedrais – todos aqueles conectados com ela permanecem desconhecidos para nós enquanto indivíduos.79 Como no caso da germinação de uma semente, isso é muito compreensível. A regeneração ou germinação dos homens pode iniciar-se somente num meio não perturbado e favorável, protegido da interferência externa.


De fato, quase toda nossa minguada informação a respeito de ‘escolas de regeneração’ e seu conhecimento original chega até nós através de alunos renegados ou através de alguma circunstância excepcional que alguns discípulos interpretam como a liberação de seus votos. Muito do nosso conhecimento dos Mistérios Órficos, por exemplo, provém daqueles que, como Clemente de Alexandria e Athenágoras, renunciaram a graus elementais daqueles mistérios pelo Cristianismo e usaram de sua informação parcial para denunciá-los.


Outro caso curioso relaciona-se à escola conduzida em Alexandria no século III pelo misterioso Ammonius, o vendedor de sacos. Aparentemente, uma das regras da escola era de que nada poderia ser escrito e os principais discípulos de Ammonius, Herrenius, Orígenes, o Cristão e Plotino, tinham aceitado essa condição. Herrenius, contudo, quebrou seu voto, a partir do que Orígenes e Plotino sentiram-se na incumbência de corrigir uma falsa impressão. De fato, nada permaneceu dos escritos de Herrenius, mas Plotino é nossa fonte principal de indicações do ensinamento interno das verdadeiras escolas neo-platônicas.


Às vezes parece que certas escolas liberam conhecimento intencionalmente através de algum dissidente ou através de algum cientista profissional ou escritor que lhes seja simpático. Uma das melhores explanações das teorias cosmológicas secretas dos rosacruzes do século XVII, por exemplo, foi feita por um médico inglês, Robert Fludd. Fludd foi por natureza um bombástico grandiloqüente, mas ao haver interpretado retoricamente essa teoria cosmológica e insultado violentamente seu oponente mais empírico, John Kepler, deixou uma curiosa observação:


Mas vocês realmente acreditam que é impossível para um homem, mediante a virtude divina criar um novo universo chamado Microcosmo? Se essa é vossa opinião, estão inteiramente equivocados... Mas é melhor que o sapateiro não deixe sua forma. Disso confesso não saber nada, contento-me com minha investigação da natureza.”


Fludd refere-se à possibilidade da criação de um novo homem, da regeneração, admitindo que não pertence à ‘escola de regeneração’ mas que apenas algo de sua teoria cosmológica lhe foi dado. Em alguma outra parte ele descreve como lhe foram mostrados certos experimentos por homens “que, sem dúvida, são mil vezes preferíveis a Fludd e Kepler nos mistérios filosóficos e em seu profundo e verdadeiro conhecimento da harmonia cósmica”.80


Tais revelações acidentais de conhecimento especial de ‘escolas de regeneração’ por meio de discípulos renegados ou de ‘experts’ do exterior é de certa forma a sorte daqueles que chegam mais tarde na História, como nós mesmos. Não fosse por isso nada saberíamos das escolas ou de seus conhecimentos, exceto através da linguagem altamente cifrada de ‘escrituras’ deixadas por elas ou através do simbolismo de certas esculturas e construções.


Assim, essas revelações podem apenas referir-se a certo conhecimento teórico sobre o universo e à fisiologia do homem. Elas não podem transmitir os métodos e práticas de tais escolas, mesmo se o escritor desejasse revelá-los.


Ao tentar relacionar o desenvolvimento e a construção renovadora das ‘escolas de regeneração’ com o ciclo de Netuno, nossa primeira dificuldade é saber por onde começar. Certas tendências gerais são claras mas é difícil situar o ano exato de máximo desenvolvimento. Provavelmente os exemplos mais claros em tempos históricos referem-se à consolidação das escolas de Catedrais Góticas por volta de 1125 e o momento mais aberto da escola alquímica rosacruz por volta de 1620, a partir do qual essa escola ‘tornou-se oculta’, não tendo mais referência alguma na literatura.


Se considerarmos o período de 165 anos a partir desses dois pontos, teremos destacados os anos de 30 a.C., 135 d.C., 300, 465, 630, 795, 960, 1125, 1290, 1455, 1620 e 1785. Nesses anos, acidentalmente, Netuno encontrava-se no ponto central de Libra, ou seja, achava-se na direção do centro galáctico, o que quer que tal configuração possa representar.81


Embora não seja o lugar para examinar em detalhes o desenvolvimento de movimentos esotéricos em relação com a história, muitas das datas citadas acima recordam a emergência de alguma influência bastante nova dessa natureza. O ano de 135 d.C. marca um surpreendente renascimento do Budismo que a essa altura subitamente lança-se de seu local de origem surgindo a nordeste até a China e a oeste até o Afeganistão. Por volta de 300 d.C. o desenvolvimento da vida anacoreta no deserto egípcio fornece uma ponta inesperada de saída do condenado e arruinado mundo romano e o começo de um novo aspecto da cristandade. Um ciclo mais tarde e São Bento cria em Monte Cassino um modelo para todo o sistema monástico do ocidente, enquanto que em 630 Maomé completa as preparações que conduzem à extensão do Islã, da Índia para o Atlântico. Outro ciclo ainda e Padma Sambhava introduzia no Tibete essa influência que haveria de converter-se na principal matriz de conhecimento esotérico até nossos próprios dias.


Sobre o efeito daquelas escolas que no começo do século XII desenharam as Catedrais Góticas e remodelaram a sociedade medieval e seus costumes de cima a baixo, temos talvez mais material que em todos os demais casos. Em todo lugar vemos sua influência, na arquitetura, música, arte, nos rituais da igreja, na expansão da paz política, na organização correta de castas e grêmios e mesmo na sabedoria popular de lendas e provérbios. Sobre a estabilidade assim criada, a Europa continuou existindo em memória viva. Dificilmente qualquer outra corrente esotérica na história criou um efeito tão profundo e duradouro.


Todavia, devemos recordar ao mesmo tempo que todos esses são de fato apenas efeitos, talvez os mais remotos do trabalho real das escolas. Os homens que realmente produziram essas mudanças na vida externa e na história e cuja existência podemos verificar, provavelmente não pertenceram a essas escolas. Eles podem ter sido influenciados ou guiados por homens de escola ou meramente imitado outros que já tinham essa influência em segunda mão.


De qualquer modo, podemos estar praticamente certos que aqueles que formaram os círculos internos de tais escolas eram tão invisíveis em seu próprio tempo como continuam a sê-lo para nós. O único e real trabalho de tais homens é o de regenerar outros homens, isto é, ajudar alguns homens adequados a criar almas conscientes. Esse é um trabalho muito especial e interno que só pode ser conduzido isolado, por assim dizer, das ásperas influências desregradas da vida. Embora os homens produzidos por essas escolas tornem-se suficientemente mais fortes para retornar à vida e começar a influenciá-la, podem haver etapas no seu desenvolvimento onde eles estejam mais vulneráveis que homens comuns e durante as quais todo o trabalho pode ser anulado pelas influências que esses últimos, protegidos por suas carapaças de hábitos e indiferença, não chegam sequer a notar.


O bem-estar material da sociedade moderna é produto de máquinas cuja existência depende por sua vez da comparativamente pequena mas altamente habilidosa indústria de fabricação de ferramentas para criação de máquinas. Da mesma forma, todos os efeitos das verdadeiras civilizações são indiretamente produzidos por homens conscientes. Mas eles dependem, por sua vez, da existência de escolas para criar homens conscientes. E essas não podemos ver nunca. Tal é a conexão entre as melhorias visíveis produzidas por influências civilizadoras na história e o trabalho invisível das escolas de regeneração.


Até que altura esse trabalho invisível penetra não o sabemos. Mas podemos encontrar um indício nos princípios reconhecidos de ensinamento acadêmico. Suponhamos que cinqüenta ‘bons’ homens da vida comum possam ser preparados na justa compreensão por um homem para quem o alcance da consciência converteu-se em traço permanente da sua essência. Suponhamos ainda que cinqüenta homens desse último nível sejam instruídos por um homem de alma consciente. Que nível de homem não seria necessário para conduzir uma escola de cinqüenta homens conscientes?


Novamente somos incapazes de responder. Mas podemos ver desse princípio que a ‘era dourada’ pode na verdade ser criada por não mais que cinqüenta homens conscientes que por sua vez dependem da presença no mundo e nesse tempo, de uma categoria desconhecida mas todavia, mais elevada. Em papéis históricos, tais como os de Cristo, Buda e Maomé, parece que vemos pelo menos o traço desses últimos homens.


Do ponto de vista de homens comuns, a característica de períodos favoráveis será a de que neles é mais fácil responder a influências superiores. Visto de cima, todavia, o ponto principal a respeito de tais períodos pode ser o de que certas condições cósmicas permitam então no mundo, a entrada de um homem de desenvolvimento normalmente inconcebível e que todo o resto dependa dele. De fato, ambas as idéias são igualmente verdadeiras e importantes.


Ao mesmo tempo, devemos recordar que períodos favoráveis ou não, fazem diferença para homens comuns. Não nos ocorre imaginar que um mosquito que viva num dia de verão em junho seja um mosquito melhor que aquele que viva num dia nublado de setembro. Ele tem apenas um pouco mais de sorte. A diferença é que em junho o sol é relativamente mais visível aos mosquitos, assim como no tempo dos festivais dramáticos dos Mistérios de Elêusis ou das peregrinações organizadas pelos construtores de catedrais a verdade estava relativamente visível aos homens comuns.


Essas idéias paradoxas estão muito bem expressadas num relato que nos chega do tempo dos eremitas egípcios, exatamente em dos períodos favoráveis mencionados anteriormente. Um anacoreta teve uma visão. Parecia estar junto a um grande mar onde de uma praia próxima, enquanto ele olhava, um monge elevou-se com poderosas asas e voou diretamente para uma praia distante e quase invisível. Como o eremita se surpreendesse com isso, um segundo monge elevou-se, mas com asas muito mais fracas que permitiam-lhe apenas manter-se um pouco acima das ondas e só depois de uma tarefa árdua e muito perigo, atingiu finalmente o outro lado. Enquanto ele ainda olhava, um terceiro monge levantou-se, mas com um vôo tão débil que caiu várias vezes no mar, escapando de afogar-se após grande esforço. Contudo, no final, contra todas as probabilidades esse monge também alcançou a praia distante.


Depois de muito ponderar, o eremita foi ao seu superior e narrou-lhe sua visão. O superior deu esta interpretação: – “O primeiro monge que você viu é aquele que aspira atingir os céus em nosso tempo, o que é relativamente fácil. O segundo monge representa aqueles que tentarão essa tarefa no tempo que nos seguirá, o que será muito mais difícil. O terceiro monge é aquele que tenta atingir os céus num futuro muito distante, quando será quase impossível alcançá-lo. Alegra-te de que vivas em nosso tempo mas não te esqueças disto: o esforço do terceiro monge vale pelo de todos os demais.”




II O Trabalho das Escolas




Ainda que seja pouco o que saibamos sobre as escolas de regeneração, um aspecto de seu trabalho não pode ser omitido.


Dissemos que seu objetivo deveria ser ajudar alguns homens capacitados a criarem almas conscientes. De certo ponto de vista, o sucesso total ou parcial desse trabalho significaria que tais discípulos adquiririam então muitos poderes novos se comparados a homens comuns. Nós os descrevemos, por exemplo, como conscientes de sua própria natureza e verdadeira relação com o universo que os rodeia. À parte isso, podiam começar a compreender o que poderiam ou não fazer. Estariam assim, capacitados a concentrar toda sua força em objetivos possíveis e poupariam o desgaste que o homem comum tem ao empreender grandes trabalhos e esforços para tarefas impossíveis, os quais, pelas leis da natureza, não são realizáveis.


Assim, todos os homens comuns gastam uma vasta quantidade de energia física e emocional no esforço de alterar as pessoas que os rodeiam. Estão sempre querendo que seus amigos, inimigos, parceiros ou conhecidos comportem-se de modo contrário ao que determina seu tipo. Querem que pessoas intelectuais respeitem seus sentimentos, que pessoas emocionais aceitem suas teorias, que tipos lentos sejam rápidos, que os impacientes sejam pacientes, os ciganos diligentes e os guerreiros, pacíficos. Tudo isso não é senão esforço infrutífero.


Uma das primeiras coisas que um homem que se torna mais consciente de si mesmo e de seu ambiente aprenderá é que ele não pode alterar ninguém, pode apenas alterar seu próprio ponto de vista. Paradoxalmente, esta compreensão, se realmente penetra nele, dota-o de poderes totalmente novos e liberdade inteiramente nova. Em virtude disso, ele tem enorme vantagem no mundo. Todas as suas forças são liberadas para conseguir o que ele realmente deseja alcançar.


Isso refere-se à aquisição subjetiva de novos poderes que surgem do fato de ele ser libertado de certas ilusões comuns. Mas além disso, o aumento de consciência pode trazer também poderes objetivos, conectados ao trabalho de uma nova função mediante um sistema nervoso até então inoperante, conforme já indicado em capítulos anteriores. Um poder dessa ordem é a verdadeira telepatia, isto é, o poder de colocar pensamentos definidos nas mentes de outros. A questão desses poderes objetivos ou verdadeiros não entra no âmbito deste livro. Podemos dizer apenas que seu desenvolvimento é possível e que deveria tomar parte do trabalho de todas as escolas verdadeiras.


Vimos como até mesmo a eliminação de certas ilusões dá ao homem uma enorme vantagem. No momento em que ele cessa de pensar que pode alterar outros e começa a perceber que pode confiar absolutamente na debilidade de cada homem, uma dessas duas questões pode surgir nele: como obter vantagem pessoal de seu novo conhecimento sobre os demais ou como ajudá-los. E o próprio fato de ele agora ver mais claramente, significa que pode fazer qualquer uma das duas coisas com maior êxito que antes.


Qual dessas duas questões irá surgir é um teste fundamental no ser do homem. Além disso, as duas possibilidades tornam claro para nós uma distinção essencial que deve ser compreendida lucidamente. Os poderes não têm a ver com ser.


Já vimos que mosquitos de sorte não são necessariamente mosquitos melhores. Da mesma forma, um homem forte não é necessariamente um homem bom. Essas duas qualidades são incomensuráveis porque a primeira refere-se aos poderes e a segunda ao ser. Dessa forma, um homem forte pode usar sua força para trabalhar para os outros ou forçar os outros a trabalharem para ele ou ainda ser muito preguiçoso para fazer qualquer uso de seus poderes. Essas diferentes atitudes referem-se a diferentes estados de ser.


O mesmo problema surge de forma ainda mais aguda em conexão exata com a aquisição de novos poderes através do aumento de consciência. Enquanto um homem forte pode encontrar outro homem ainda mais forte em qualquer cidade que vá, um homem consciente pode viajar extensivamente pelo mundo sem que encontre ninguém em posição análoga à sua. Ele pode parecer por algum tempo estar livre da force majeure. Ao mesmo tempo seus novos poderes podem ser tais que, do ponto de vista da humanidade como um todo, não podem ser permitidos a homens que não estejam preparados. Imaginem, por exemplo, os terríveis efeitos do poder da telepatia – ou seja, ser capaz de implantar deliberadamente pensamentos na mente de outros – exercido por um homem cruel ou terrível ou mesmo um homem sujeito à curiosidade ordinária, ambição e malícia.


É por essas razões que o trabalho para o aumento de consciência das escolas legítimas deve ser exatamente paralelo ao trabalho pela melhoria e purificação do ser. Esse trabalho refere-se principalmente à forma com que o homem considera-se a si mesmo. E para algumas pessoas pode ser a parte mais difícil de compreender e suportar no trabalho de escola.


Ao mesmo tempo, esse trabalho de precaução prévia sobre o ser só é necessário por um certo período. É muito importante durante o período em que um homem já compreende mais do que compreende na vida ordinária mas não o bastante ainda para ver todas as implicações de seu novo conhecimento. Durante esse tempo, a disciplina de escola pode parecer ser muito restrita e árdua, porque é aí então que o nocivo no homem pode destruir-se tanto a si mesmo quanto aos demais, por meio de seu conhecimento incompleto. Posteriormente, quando compreender o suficiente, ou seja, quando puder ver todos os princípios envolvidos e os resultados inevitáveis do mau uso de novos poderes, certas atitudes equivocadas tornar-se-ão completamente impossíveis. Assim, o perigo principal é de que ele detenha-se no caminho do desenvolvimento ou conforme-se com uma rápida melhoria na consciência. Isso, por sua vez, pode ser compreendido como uma falha no ser.


Torna-se possível ver melhor agora o que é ou não alterado pelo ciclo de regeneração governado pelo planeta Netuno. Em períodos favoráveis desse ciclo, como aqueles já mencionados, a aquisição de novos poderes conectados com o aumento de consciência pode tornar-se algo muito fácil. A questão do eu, por outro lado, permanece exatamente a mesma e o trabalho sobre o ser nunca é mais fácil ou mais difícil, qualquer que seja o tempo.


Além do mais, enquanto o aumento de consciência pode ser possível apenas com a ajuda de escolas de regeneração, o problema da melhoria do ser é aquele com o qual todos os homens se defrontam pelo próprio fato de seu nascimento no mundo. Ele fornece um teste para todo ser vivo individual e a menos que esse teste seja efetuado com êxito, a questão das escolas e suas possibilidades nem mesmo será levantada.


Nos referimos anteriormente à idéia de que no caminho do verdadeiro desenvolvimento algo velho deve morrer num homem e algo novo deve nascer nele. Podemos discutir agora essa idéia mais amplamente porque de fato todo o trabalho das escolas está conectado com um ou outro destes processos e somente com eles.


Assim, ainda que a meta secundária de uma escola seja difundir uma verdadeira compreensão das leis naturais e da natureza do homem e suas possibilidades entre grande número de membros, sua aspiração primordial em relação àqueles que estão mais intimamente vinculados deve ser primeiramente ajudá-los a destruir suas antigas personalidades e em seguida ajudá-los a adquirir almas conscientes. E obviamente, todos aqueles submetidos à disciplina de escola devem – tanto quanto lhes concernir pessoalmente – compreender e colaborar em ambas essas metas.


É necessário dar-se conta de que esses dois processos separados não seguem necessariamente um ao outro. De forma muito geral, podemos dizer que a descrição sobre a melhoria do ser refere-se ao primeiro processo, enquanto que o desenvolvimento de novos poderes nos conduz ao segundo. Em todo caso, métodos e exercícios de escola muito diferentes estão envolvidos nos dois processos, embora pudessem e devessem caminhar juntos. Se isso não se dá, pode acontecer que a velha personalidade seja destruída sem que uma alma seja adquirida, resultando em alguma forma de adoção de uma outra personalidade ou insanidade. Ou pode acontecer que uma alma seja adquirida sem que a velha personalidade seja destruída, caso em que esta última, com todas as suas fraquezas, crueldades, luxúrias e ambições, torna-se permanente e é dotada de poderes extraordinários para levar a cabo seus impulsos irracionais. Felizmente, ambos os casos são muito raros, embora possam existir como tendências a serem corrigidas dentro de um trabalho generalizado de desenvolvimento.


O trabalho mais exotérico de uma escola é, assim, a difusão de compreensão. Esse aspecto de seu trabalho pode afetar centenas e até milhares de pessoas.


A parte seguinte do trabalho de uma escola é o rompimento gradual da velha personalidade entre seus discípulos mais íntimos. Esse trabalho também pode tocar num grau mais forte ou mais fraco, um número bastante considerável. E num indivíduo o processo pode operar-se durante anos ou ainda durante toda a vida.


Esse processo pode ser comparado à secagem das nozes em sua preparação para descascá-las. Quando uma noz está verde, é impossível remover a casca sem danificar seriamente a polpa. Casca e polpa formam então um todo inseparável. Todavia, após um processo adequado de secagem, a casca torna-se quebradiça e separável da polpa, momento no qual um golpe relativamente suave a partirá, revelando a polpa em toda sua perfeição.


Todos os que ingressam numa escola podem ser considerados ‘verdes’, e aqueles que honestamente expõem-se a si mesmos à influência da escola, após certo número de anos começam a aproximar-se de um estado em que a essência e a velha personalidade tornam-se separadas uma da outra e um golpe comparativamente suave é suficiente para separá-las. Esse desprendimento da personalidade e da essência é um dos principais propósitos da disciplina de escola. Métodos diferentes, que vão desde a reprovação violenta até o exemplo da mais completa humildade podem ser utilizados pelo professor, de acordo com sua natureza, para produzir o mesmo resultado.


Enquanto esse efeito está sendo produzido no discípulo pela influência da escola, seu próprio trabalho interno é de auto-purificação. Dito em outras palavras, significa que ele procura eliminar de seu organismo tudo o que ele não quer conservar permanentemente. Tais coisas podem incluir estados físicos desarmônicos e enfermidades corporais: emoções nocivas e vínculos e desejos incontroláveis, pensamentos maliciosos, de temor e egóicos. A purificação física não é absolutamente essencial, mas se ignorada, o sofrimento do aprendiz num estágio posterior é intensamente aumentado e um tremendo esforço é colocado sobre sua vontade no sentido de superar a inércia e a dor física. Um dos efeitos da purificação física é eliminar sofrimento desnecessário.


Durante esse período de preparação, o aprendiz também tem que aprender como fazer por si mesmo coisas difíceis e como levar adiante certos exercícios dolorosos ou repetitivos que mais tarde serão necessários para fixar nele um determinado estado. Não poderia ir muito longe nesse estágio, pois não deseja fixar nada. Ao mesmo tempo, deve dominá-los de modo que lhe sejam bastante familiares no momento em que necessite usá-los intensivamente.


Toda essa preparação conduz ao ponto onde é possível destruir ou fazer morrer a velha personalidade. Essa morte depende de muitas coisas e pode vir de várias maneiras. Pode ser obra de um mestre, seja gradual ou subitamente ou ser também induzida por alguma pressão esmagadora da vida que o discípulo tenha aceitado ou provocado voluntariamente. Sofrimento e sacrifício, difundidos durante muitos anos de preparação, talvez possam reduzir a personalidade a um fantasma inofensivo. Dor, prisão, fome, tortura, abandono ou ruína – quando devidamente absorvidos e não renegados – podem igualmente destruí-la. Como na analogia da noz, se a secagem for completa, qualquer golpe pode romper a casca, que se abrirá por si mesma.


O que resta carece de posição, dinheiro, família, conhecidos, ambição e poder de atuar por si mesmo. Muitas dessas coisas poderão retornar para o discípulo mais tarde de forma diferente. Mas neste momento – seja na escola, na prisão ou no campo de batalha – ele encontra-se sem nada e sem qualquer passado. É como se seu corpo fosse colocado nu numa ilha deserta onde não houvessem conexões prévias de qualquer espécie. Por um breve instante ele é como uma criança recém-nascida.


Muito separada da morte da antiga personalidade, embora possa acontecer ao mesmo tempo, é a concepção de uma alma consciente nele. Este processo parece ser análogo à concepção de um corpo físico. A essência do papel do discípulo é como se fosse a parte feminina e dentro dela uma semente da fonte de consciência deve ser plantada.


Esses dois processos – a morte da antiga personalidade e a implantação de uma alma – podem ser melhor compreendidos pela analogia do enxerto de uma muda de árvore frutífera no tronco de outra silvestre. Primeiramente, a árvore silvestre é cortada quase até o chão, deixando apenas suas raízes e o tronco intactos. Uma ou duas incisões são feitas então no tronco e nelas colocadas as mudas da árvore que será cultivada. Logo a seiva começa a fluir das raízes para a árvore enxertada e depois de certo tempo uma nova árvore cresce portando o fruto desejado, porém, nutrido pelo vigor e raízes da velha árvore.


Uma vez que a alma foi ‘tomada’ pela essência do discípulo, chega o tempo em que tudo deve ser fixado. E novamente, este fixar pode parecer voluntário ou involuntário – pode ser uma provação deliberadamente procurada ou alguma provação inevitável sustentada com compreensão.


Talvez o discípulo sinta em si mesmo um chamado irresistível a caminhar só, em condições especiais de dificuldade, sem comida ou bebida. Talvez tenha recebido algum êxtase ou iluminação e algo lhe diga que não pode esperar manter aquilo pelo qual não pagou. Ou talvez um homem nem mesmo sabendo-se discípulo chegue a esse mesmo ponto por outro caminho, sendo derrubado por uma enfermidade fulminante para a qual deverá somar todas as suas forças para poder suportá-la.


Sozinho em seu retiro ou só com sua agonia, ele é atirado a seus próprios recursos. Sugestões podem ser dadas por seu professor, se ele tiver um, ou por inspiração se não o tiver. Mas a forma de levá-las a cabo, métodos que utiliza e conclusões a que chega, derivam todas de sua própria essência.


Agora ele tem que por em prática tão intensivamente quanto possa tudo o que aprendeu anteriormente. Em geral a dor e a repetição são agentes fixadores e os exercícios ou experiências dos quais falamos utilizam um, outro ou ambos os princípios para fixar a alma nele e para estabelecer nela certas atitudes gerais, crenças e princípios. Não importa se essa dor surgir do faquir que mantém seu braço erguido, do desafio do explorador ao calor e ao frio, ou do ferimento e enfermidade do homem abatido. A repetição pode consistir igualmente da interminável ladainha de uma oração por um peregrino russo ou da rotina interminável que um prisioneiro tenha que suportar. O importante é a atitude que as acompanha. Na verdade essas experiências podem fixar permanentemente num homem determinadas atitudes frente a Deus, frente a seus semelhantes e frente a seus deveres. E se elas forem suficientemente intensas permanecerão com ele pelo resto de sua vida.


É nesse tempo que o efeito da preparação e da purificação pode ser percebido. Não somente as atitudes gerais surgidas nele pela própria situação e pelo seu sofrimento tonar-se-ão fixas, como também restarão de sua personalidade pensamentos casuais, anseios, pesares, medos e ambições. Por exemplo, da antecipação do que ele mais desejar fazer quando emergir de seu retiro estará libertado ou resgatará a vontade que se tornará nele uma tendência permanente. Se durante a experiência de fixação ele vir surgirem pesares, anseios ou imaginação, à parte a compreensão que deseja fixar, ele poderá então considerar seriamente se sequer deseja conviver com tais pensamentos e sentimentos pelo resto de sua vida. Essa idéia lhe dará força para manter sua mente numa só direção.


Nesse momento aparece também o valor da purificação física. Se ela foi negligenciada, a abstinência e a fixação podem envolver muito sofrimento. É verdade que se o discípulo for forte o bastante, a superação desse sofrimento lhe dará uma energia emocional imensa. Por outro lado, pode resultar numa distração considerável e deixá-lo marcado por certos medos que ele será incapaz de deixar de lado. Mas se a purificação física for levada adiante esse momento de fixação não precisará ser tão difícil. O sofrimento não será o que parece ser. De qualquer modo, não haverá nada aí que não possa ser suportado.


Ao mesmo tempo, os homens estão certos em sua aversão natural à dor e ao sofrimento que causam cristalização e em seus esforços para evitá-los. Quem por ora está preparado para ter fixado tudo o que encontra dentro de si? E mesmo que estiver, lembremos que fixar sem compreender é como assar sem fermentação prévia – algo quase impossível de uma correção posterior.


Durante a fixação estabelece-se o curso futuro da vida do homem e seu trabalho. Todas as suas capacidades naturais, seus interesses adquiridos, tudo o que realmente aprendeu e dominou, sua própria compreensão e até mesmo seus próprios prazeres verdadeiros contribuem para isso. Tudo isso pode juntar-se e combinar-se com as atitudes gerais e crenças que está fixando para mostrar sua linha de trabalho no futuro e talvez ainda algo dos acontecimentos exteriores e etapas que conectar-se-ão a ela.


Quando sua provação terminar, o discípulo deverá saber sem sombra de dúvida e permanentemente o que ele é, no que acredita e quê deve fazer. Não significa que essas idéias se tornaram fixas num sentido estreito, mas que certos ideais básicos e atitudes se estabeleceram nele e que ele não poderá negá-los e sobre eles, no futuro, sua compreensão deverá crescer.


Os quatro processos descritos – a perda da personalidade e purificação preliminar, a morte da personalidade, a implantação de uma alma e a fixação dessa alma e atitudes e compreensões características dela – podem ser mais simplesmente representadas pela imagem da preparação e tingimento da lã. Primeiro a lã deve ser lavada e limpa, removendo-se as impurezas e a gordura. Isso corresponde à preparação e purificação. Segundo, deve ser alvejada. Isso corresponde ao aniquilamento da antiga natureza. Terceiro, deve ser tingida na cor requisitada. Isso corresponde à implantação de uma alma. Quarto, o tingimento deve ser fixado. Isso corresponde ao período de provações. Quando todos esses processos estiverem completados, a lã estará pronta para ser tecida em algum material e receber sobre ela padronagens ou bordados de acordo com os requisitos de uma inteligência superior.


Até onde sabemos, a destruição da antiga personalidade e a concessão de almas conscientes constituem todo o trabalho das escolas.




III A Escola como um Cosmos




O que distingue uma verdadeira escola de regeneração de todos os outros tipos de sociedade humana é o fato de que ela se propõe simular e, em casos em que alcança êxito, realmente criar um cosmos.


A razão para isto é clara. Como vimos, um cosmos e somente um cosmos, contém todos os seis processos cósmicos, incluindo-se o de regeneração. No sentido de tornar-se regenerado, um homem deve participar no processo de regeneração de um cosmos superior. Mas esse processo, em cosmos que existem naturalmente, como a Terra ou o Mundo da Natureza, é muito mais lento do ponto de vista do homem individual. Com um tempo de vida de 80 anos, não lhe serve muito participar da regeneração na escala de dez ou até centenas de milhares de anos. Só há uma saída. Um cosmos artificial deve ser criado exibindo os mesmos processos e permitindo as mesmas possibilidades – mas muito mais rápido. Esse é o trabalho de uma escola.


Progressivamente os diferentes aspectos de um cosmos foram revelados – seu círculo de vida desenvolvendo-se logaritmamente no tempo, seu triângulo informativo nos pontos dos quais três espécies de ‘alimento’ ou inspiração de cosmos superiores entram e os sustentam e a circulação interna que une suas diferentes funções. Todos esses movimentos cruzam-se e entrecruzam-se criando em seus pontos de cruzamento fenômenos definidos – ‘baterias’ ou ‘órgãos’ que são alternativamente carregados e descarregados de acordo com os movimentos que passam através deles. Num certo cruzamento dentro do cosmos, a regeneração – ou seja, o escape de uma ‘célula’ individual de circulação inferior para uma superior – é possível.


Tudo isso deve ser perfeitamente conhecido e compreendido pelos condutores de escolas. Eles devem compreender não apenas o plano geral de um cosmos mas também o significado interno de todos os seus movimentos e partes no mundo dos homens. E devem organizar uma espécie de ritual vivo que dure décadas ou séculos e no qual dezenas, centenas ou milhares de homens desempenhem o movimento requerido deles. Se pensarmos nos jogos de xadrez vivo que aconteceram algumas vezes na época do Renascimento e se os imaginarmos conduzidos não somente num estádio em determinado dia mas por todo o mundo por vários anos e se imaginarmos além disso as peças humanas realmente mudando seu ser e natureza quando movidos de um quadro a outro, teremos então uma vaga idéia do que isso significa.82


Um dos estudos tradicionalmente conectados ao trabalho esotérico é o da representação e do teatro. Há muitos aspectos ali. Enquanto o estudante observa-se a si mesmo de uma nova forma, ou seja, do ponto de vista da consciência, muito cedo começa a perceber que tudo lhe acontece. Enquanto antes parecia-lhe estar planejando sua vida, agora vê que sua vida simplesmente acontece, seu comportamento acontece, seus amigos acontecem, todas as intrigas e amores simplesmente acontecem. Sua vida e a vida de todo mundo parecem plenas de reações involuntárias, inconscientes e não desejadas para conduzir o que acontece às pessoas, assim como a cor de seus olhos ou o formato do nariz acontece a elas.


Nessa etapa, a idéia de ‘representar’ torna-se conectada com a conduta intencionalmente consciente, oposta àquela conduta que acontece. ‘Representar’ significa comportar-se de uma forma que se decidiu de antemão e por uma razão que foi decidida de antemão. Significa escolher deliberadamente e expressar um sentimento alheio a muitos outros contraditórios que poderão surgir. Significa adotar deliberadamente uma postura positiva para não recair numa postura familiar mas inconsciente. Na verdade, como o estudante logo vê, ‘representação’ intencional neste sentido significa representar o que queremos nos tornar – ‘representar’ como se fôssemos responsáveis a despeito de impulsos irresponsáveis, ‘representar’ a partir de sentimentos sinceros cujo impulso mecânico é o de ocultar e assim por diante.


Ainda que aquilo que o discípulo possa aprender de tais experimentos seja ilimitado, ele não é a razão principal deles. Esses experimentos são as primeiras preparações para um grande drama – que em algum lugar e em determinado tempo – terão que ser representados. Esse drama representa a perfeição de um cosmos.


Torna-se claro agora porque todas as sociedades comuns para melhoria moral ou cultural dos homens, todas as práticas religiosas comuns e métodos filosóficos diferem das verdadeiras escolas de regeneração. Os homens na vida ordinária nada sabem a respeito da constituição de um cosmos ou que tal coisa existe, e mesmo se lhes fosse mostrado seu plano teórico, eles nunca poderiam ver sua aplicação detalhada no reino da psicologia humana ou persuadir todos os diferentes tipos requeridos para moverem-se com compreensão, cada um em direção à sua própria meta. Isso é possível para um homem que alcançou um nível completamente diferente de consciência, um nível de consciência no qual possa realmente ver o funcionamento dos cosmos no mundo ao seu redor. Na verdade, uma escola verdadeira ou completa pode ser iniciada apenas por um homem de espírito consciente.


Uma das coisas mais difíceis de compreender a respeito do funcionamento do cosmos da escola é a natureza do triângulo informativo que o conecta com cosmos superiores dotando-o com suas possibilidades. O primeiro ponto desse triângulo, o começo e o fim, o lugar onde no homem comum origina-se o primeiro impulso e onde o processo final de regeneração culmina, poderíamos chamar ‘escola superior’. Isso significa escola num nível superior àquela que está sendo criada, escola onde a regeneração de seres mais superiores que os homens comuns está sendo conduzida. Da escola superior deve derivar o plano, o conhecimento e a força necessários em sua forma abstrata.


O segundo ponto do triângulo, onde o alento entra no homem, é o ‘professor’ visível que aparece no mundo, reúne homens ao seu redor e dota do ‘sopro de vida’ princípios demasiadamente abstratos e que não poderiam ser compreendidos de outra forma. Nesse ponto encontram-se Cristo, Buda e em maior ou menor grau todos os grandes mestres da humanidade.


Para a mente lógica, o terceiro ponto do triângulo é o mais difícil de compreender. É o ponto onde as percepções de luz penetram no homem e, como resultado, a possibilidade de compreender agrega-se à de sentir. Reside aqui o ‘conhecimento do bem e do mal’. E um de seus aspectos mais estranhos é que esse ponto também implica desacordo, divisão e hostilidade. Pelo sangue e pela respiração os homens compreendem-se mutuamente num certo nível. Pelas percepções e diferentes interpretações que cada tipo dá a elas, os homens discordam entre si. O contraste entre o pacifismo do primitivo homem ‘instintivo’ e a rigidez do civilizado homem ‘mental’ mostra muito bem a natureza conflitante desses dois estágios sucessivos. Portanto, os homens podem compreender-se uns aos outros apenas num nível muito superior, quando uma nova função começar a funcionar.


Na escola esse ponto 6 é o mecanismo pelo qual a ‘crença’ instintiva deve ser quebrada, no sentido de tornar possível uma ‘compreensão’ superior. Todos os homens normais, quando confrontados com um Cristo, acreditam. Mas o que eles podem fazer para compreender seu trabalho? Para conseguí-lo deve ser criada uma oposição artificial ou uma hostilidade, assim como quando um fósforo é aceso, uma fricção intensa é necessária para produzir luz. Portanto, a escola deverá opor-se à sua própria primeira expressão. Esse é o ‘segundo choque’.


Um indício muito interessante desse papel é expressado no Novo Testamento pela figura de São Paulo que começa ‘perseguindo’ os primeiros cristãos e mais tarde ‘persegue’ o próprio ensinamento de Cristo dando a seus preceitos internos uma forma exterior e organizada que tanto distorce quanto torna-os mais acessíveis. A luta implícita entre Platão e Sócrates ou de seus correspondentes sufis Jalaluddin Rumi e Shams-i-Tabriz sugere o mesmo. O mestre está muito distante dos homens comuns que podem amá-lo mas não podem compreendê-lo. A escola deve proporcionar também um mediador que explicará ao mundo quem é o mestre, jogando luz sobre ele. Esse mediador deixará os fundamentos de uma organização. E para aqueles que conheceram e amaram o mestre, parecerá que o mediador está destruindo o trabalho dele.


Se desejarmos dar nomes aos três lados do triângulo poderemos chamar o primeiro lado ‘Difusão da Escola Superior’, o segundo ‘Luta com Resistência’ ou ‘Perseguição’ e o terceiro ‘Retorno à Escola Superior’. Esse triângulo representará então os três aspectos de comunicação direta com o impulso original.


O círculo, como em todos os outros cosmos que já estudamos, representará a ‘vida’ da escola no mundo, seu desenvolvimento no tempo. Assim, o primeiro terço ou gestação representará a aparição oculta das idéias da escola no mundo, os primeiros anos de íntima instrução do mestre a seu próprio círculo. Então, em determinado ponto, onde o círculo toca novamente o triângulo, o mestre tirará seu disfarce e surgirá abertamente como o representante de uma escola superior. Ele parecerá ‘transfigurado’.


A partir desse momento, seu próprio grupo ‘saberá’. Já não haverão mais dúvidas para eles. Mas com isso, simultaneamente, alguma oposição violenta surgirá subitamente, tanto do mundo exterior quanto de algum aspecto da escola. Começará o período de ‘perseguição’. E mais precisamente o fogo dessa perseguição extrairá da influência do mestre todo significado, toda compreensão, todas as implicações em maior ou menor escala que contenha. Tal luta, como vimos da escala logarítmica, poderá continuar por várias gerações.


Ao mesmo tempo, essa tensão necessária também implica perigo para o experimento da escola. Precisamente aqui pode entrar a criminalidade e arruinar tudo. Quanto maior a tensão entre dois aspectos da escola maior a compreensão possível e o êxito. Mas de repente tal tensão pode mostrar-se excessiva para aqueles envolvidos e o mecanismo todo pode fundir-se.


Um exemplo interessante é encontrado no grande florescimento do século XII. Por um momento a tensão entre a expressão monástica mais masculina do esoterismo ao norte da França e a expressão mais feminina e sensual dos Cátaros no centro produz riqueza e complementação na cultura medieval que dificilmente podem ser igualadas. A tensão cresce. Subitamente conecta-se a uma onda de rivalidade política e violência pessoal que havia estado em desuso. Com crueldade assustadora, um polo da tensão é apagado com a Cruzada Albigense – um crime do qual o experimento medieval jamais se recuperará completamente.


Dissemos que o cosmos da escola, como qualquer outro cosmos, deve conter todos os seis processos. Ele também deve conter crime. Só que esse crime não é produzido por ela. É o crime que inevitavelmente sempre existe no mundo e no coração dos homens. Uma certa quantia definida desse crime é tarefa de todo experimento de escola tomar para si e neutralizar. Assim como para o homem a mais alta possibilidade depende de ele assumir e neutralizar a dor e a corrupção dentro de si mesmo.


A escola sabe que o processo de crime é neutralizado não por oposição ou pelo processo de destruição, como se acredita, mas pelo processo de regeneração. Desde que esse conhecimento secreto esteja controlado, o experimento triunfa. Mas cedo ou tarde, alguém conectado com a escola cai em tentação. A paciência se esgota e ele depara-se com o crime, não com regeneração, mas primeiramente com destruição e logo com outro crime. Nesse sentido, uma parte do experimento sempre deve fracassar. A proporção entre esse fracasso e esse triunfo é o grande desconhecido, o jogo cósmico em todo experimento de escola.


No segundo ponto, contudo, onde o círculo toca novamente o triângulo, a figura que personificou a ‘perseguição’ também tirará seu disfarce, aparecendo abertamente como um representante da escola superior e também parecerá ‘transfigurado’. A partir daí o trabalho das duas figuras fundir-se-á, reconciliando-se as formas interna e externa e assim uma única ‘igreja’ ou ‘tradição’ será criada. O terceiro terço, desenvolvendo-se ainda mais lentamente durante muitos séculos e ainda mais amplamente entre os homens, representará a influência e o trabalho dessa ‘igreja’, dessa ‘tradição’. Finalmente, a forma dessa escola particular chega a um fim e sua experiência e conquistas retornam à escola superior da qual se desprenderam.


Vemos agora que o cosmos de uma escola segue a mesma escala de tempo que o cosmos de uma civilização. E vemos finalmente que eles de fato são um só e o mesmo, já que é somente a presença oculta de uma escola o que faz uma civilização realmente autoevoluir e realmente um cosmos. ‘Civilização’ indica a forma externa, ‘escola’ indica o significado interno.


Disso, vemos também o que os ‘períodos favoráveis’ significam – eles significam períodos próximos aos pontos onde o triângulo de influência da escola superior toca o círculo do tempo. E vemos simultaneamente que na realidade nenhum período é mais favorável que outro pois a possibilidade de mudança para o homem individual não reside ao longo do círculo do tempo, mas ao longo da figura de circulação interna que cruza o tempo em todas as direções e que começa em cada ponto.


O significado dessa figura de circulação interna em relação à escola já foi tocado no capítulo ‘Psicologia Humana’. Como na humanidade, as ‘funções’ da escola são simbolizadas pelos diferentes tipos de homens e essa circulação converte-se portanto em um aumento consciente de velocidade do intercâmbio entre tipos e o desenvolvimento consciente de ‘super-tipos’ equilibrados. Nesse aspecto, como em seu trabalho total, a escola representa um experimento controlado, dirigido a aumentar imensamente o processo geral de regeneração do universo dentro de limites e condições definidos.


Portanto, a figura de circulação nunca deve ser considerada como um movimento contínuo num único nível. Na escola é um movimento para cima ou em espiral, cada mudança não apenas para um tipo diferente mas para o tipo de um nível superior àquele abandonado, acompanhado de grande compreensão, consciência e percepção do todo.


À diferença da figura do círculo, esse movimento não ocorre no tempo, mas numa ‘corrente’ composta do movimento de todos os homens de todos os tipos que caem sob a influência da escola particular em todas as épocas. De qualquer forma, será necessário que o mestre estabeleça a forma do movimento ao escolher entre seus discípulos, representantes dos seis tipos distintos ajudando-os a efetuar cada um por si mesmo, um movimento real para a etapa seguinte. A mudança do beligerante Simão Pedro que corta a orelha do soldado no Getsemani ao sábio, compreensivo, versátil e ‘jovial’ Pedro dos Atos dos Apóstolos é um exemplo de tal movimento.


Notamos que o caminho dessa circulação interna faz muitos ‘cruzamentos’ – cruza consigo mesmo, duas vezes fora e uma vez dentro do triângulo e cruza o próprio triângulo doze vezes. Cada um desses cruzamentos tem um significado definido. No cosmos do corpo do homem, como já dissemos, os cruzamentos do triângulo estão representados por certas ‘baterias’ ou órgãos que armazenam a energia da consciência de forma muito concentrada, tanto recolhendo-a quanto cedendo à corrente sangüínea. Os cruzamentos fora do triângulo representam certas formas fixas como cabelos ou ossos que muito embora sejam partes integrantes do organismo não incluem a possibilidade de consciência disponível para todo o restante. O cruzamento dentro do triângulo, conforme exposto no capítulo ‘Psicologia Humana’, representa o ponto em que radiação e invisibilidade coincidem onde dois diferentes sistemas nervosos se cruzam e assim, em que células individuais podem finalmente escapar ou tornarem-se regeneradas.


Na ‘atuação’ dessa figura, determinada pelo dirigente da escola, não apenas os movimentos individuais dos tipos têm que ser alcançados como também os fenômenos correspondentes têm que ser produzidos nos cruzamentos. Nas doze encruzilhadas com o triângulo, monumentos ou memoriais definidos devem ser criados e dos quais todos os homens envolvidos com a escola serão capazes de retirar diferentes classes de inspiração, cada qual de acordo com seu tipo e que servirão ainda como sinais indicadores de como cada um deverá proceder.


Essas doze ‘baterias’ estão simbolizadas no drama de Cristo pelos doze apóstolos que estabelecem uma série de ideais permanentes aos quais cada um dos homens em particular, no ponto particular de seu movimento, pode aspirar ou apelar. Gradualmente essas ‘baterias’ são suplementadas por expressões concretas do trabalho da escola de forma duradoura – no lado de saída do triângulo pelos quatro Evangelhos, no lado inferior pelos conflitantes ‘credos’ e ‘dogmas’, sobre o lado de regresso, pelas grandes catedrais, rituais e trabalhos de arte.


Em alguns casos, a criação de uma ‘bateria’ necessária se alcançará mediante a instrumentalidade de um indivíduo em particular escolhido pelo mestre, como uma condição, por assim dizer, de seu movimento. Em certo ponto, se constituirá em sua ‘tarefa’ – como o Evangelho de São João ou o estabelecimento da sucessão apostólica de São Pedro. À medida que o tempo passa, expressões posteriores continuarão a ser adicionadas a cada uma das diferentes baterias – assim como na tradição cristã várias ‘ordens’, ‘reformas’ e até mesmo ‘heresias’ continuaram a ser adicionadas.


Portanto, essas doze baterias representam os recursos pelos quais a corrente de tipos individuais que continua ao longo do tempo, tanto pode sustentar-se quanto evocar o impulso criativo original derivado da escola superior.


Os cruzamentos por fora do triângulo manifestam-se na escola de modo muito curioso. Eles estão representados pelos corpos fixos de opinião que se acumularão ao redor de um ou outro aspecto externo da escola e que empregam todo seu tempo em defender esse aspecto em particular, atacando todos os outros aspectos e que estão completamente desassociados do triângulo informativo, o único que dá significado ao todo. São aqueles que Paulo descreve declarando: “Eu sou de Paulo, eu de Apolo, eu de Cefas e eu de Cristo” – aqueles para quem o grupo é mais importante que o trabalho. Posteriormente eles se tornam por um lado, ‘cristãos primitivos’ que ridicularizam todas as formas de ritual da igreja como hipócritas e por outro lado ‘eclesiásticos profissionais’ ocupados apenas em perpetuar um dogma particular ou uma organização em particular. Entre esses dois corpos fixos, fora do triângulo nunca poderá haver compreensão ou consciência e o melhor que pode ser dito deles é que, assim como o esqueleto, eles servem para dar forma e rigidez ao todo.


Pouco pode ser dito sobre o cruzamento que há dentro do triângulo, salvo que, para todos os indivíduos que entram em contato com a escola em todas as épocas, esse ponto representa o ponto de escape, morte e renascimento, a possibilidade real de regeneração. Na presença desse ponto e na penetração real das possibilidades contidas nele, reside todo o propósito da escola.


Vemos assim o tremendo traço de escolas no passado. Mas o mundo continua e os princípios permanecem os mesmos. Escolas existem e devem ser criadas no presente ou no futuro, onde quer que o homem possa ser encontrado.




79. Os nomes revelados por pesquisas recentes na construção de catedrais parecem ser simplesmente os dos capatazes e artesãos.


80. Robert Fludd: ‘De Monochordum Mundi’, Frankfurt 1623.


81. Ver Apêndice XIII, ‘O Ciclo de Regeneração’.


82. Essa idéia é abordada em ‘Teoria da Vida Eterna’, Capítulo XII, e no estudo “O Mistério Cristão” ambos de Rodney Collin.


Figura 15: A Escola como um Cosmos