segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo XXI - O Homem na Eternidade

I Morte


Na escala logarítmica da vida do homem, alcançamos o nível do nono marco e paramos. O nono marco é a morte. No círculo, o nono marco também é zero ou o começo, a concepção. Morte e concepção são uma só. Esse é o mistério do amor e da morte. A cada marco uma energia mais intensa entra. No primeiro marco a energia para a digestão, no segundo para o movimento, no quarto a energia para o crescimento do corpo, no quinto a energia do pensamento, no sétimo a energia para a ação passional, no oitavo a energia para o sexo, a criação e o auto-domínio.

No nono marco entra uma energia de tal intensidade que ela é final e absoluta para o homem comum, como o fogo é final e absoluto para uma peça de madeira. Sua individualidade desaparece completamente nela. Ele é destruído e essa energia surge para ele como a morte.

Mas existe a possibilidade de que essa energia, que chega ao homem comum apenas para destruí-lo, possa ter um significado muito diferente para outros seres. A energia da chama de uma vela existe para uma mariposa apenas para destruí-la, mas tal chama possibilita que o homem veja. É muito forte para a mariposa mas essa força possibilita ao homem uma nova percepção.

A energia da morte é a energia que une todas as coisas, convertendo todas elas numa só, assim como objetos de madeira colocados no fogo serão unidos pelo mesmo calor e pelas mesmas cinzas. O homem comum não tem consciência suficiente para resistir a essa energia, assim, não pode saber o que significa tal unificação.

Que sabe ele sobre a morte? Tudo o que podemos descrever são sinais puramente físicos – o cessar imediato da respiração e do batimento cardíaco, a perda gradual de calor em 15 ou 20 horas, a onda de rigidez que passa lentamente dos maxilares aos pés e desaparece da mesma forma e o conseqüente começo da putrefação em dois ou três dias.


Tudo isso nos fala somente do desaparecimento de um corpo individual fora

da linha do tempo histórico. Não nos diz nada a respeito do que acontece à essência do homem, à sua individualidade. Tampouco nos diz o que acontece à sua consciência, se é que ele a adquiriu. E não esclarece o que poderia significar unificação na morte.

Para onde vai a essência de um homem na morte? Nenhum conhecimento, nenhuma experiência e certamente nenhum ‘espiritualismo’ comum nos fornece qualquer indício.

Ainda assim, encontramos um indício para a morte. Da nossa escala de tempos, podemos estabelecer que a cada respiração de um homem, as moléculas de seu corpo ‘morrem’ e são substituídas por outras novas. Cada vez que respira ele adquire um corpo molecular totalmente novo. E num átimo de atenção dificilmente perceptível, ‘ele mesmo’ – tudo o que sabe, compreende, lembra, todos os seus hábitos, gostos, aversões e tudo aquilo a que ele chama ‘eu’ – adormeceu e acordou novamente para encontrar tudo como antes.

De modo semelhante, a cada noite, enquanto ‘ele’ dorme, as células de seu corpo morrem e são substituídas por outras novas. Pela manhã ele possui um novo corpo celular. Ainda assim, quando ele acorda, seu novo corpo tem a mesma forma, constituição e saúde do antigo corpo, e dentro dele habita o mesmo ego que antes.

Desta forma, o homem está continuamente morrendo e renascendo, ainda que ele mesmo, sua individualidade, continue a mesma. As partes que morrem são recriadas tal qual eram antes. Apenas uma mudança infinitesimal – e que apenas depois de dezenas de milhares de repetições, produz a diferença entre a juventude e a velhice – ocorre a cada renascer.

O que causa essa continuidade? É a relação dos cosmos e a relação de dimensões. O tempo da célula está integrado, não por gerações de moléculas, mas pela recorrência delas, ou seja, pela quinta dimensão delas. O tempo do homem está integrado, não por gerações de células, mas pela recorrência e pela eternidade delas.

A cada respiração, o corpo molecular do homem nasce e renasce. Ele adormece por um momento. E nesse momento cada molécula recorre, renascendo a mesma. Renasce no ponto idêntico da célula idêntica que ocupava antes, no instante idêntico de sua morte, de idêntico material e herdando todos os efeitos previamente produzidos em seu ambiente – ela não pode ser outra senão a mesma. Não fosse assim, a célula não poderia continuar.

A cada noite, o corpo celular do homem morre e renasce. Ele adormece. Nesse sono cada célula recorre, renascendo a mesma. Renasce no ponto idêntico do corpo humano que ocupou antes, no instante idêntico ao da sua morte, de material idêntico, herdando todos os efeitos previamente produzidos em seu ambiente – não pode ser outra senão a mesma. Não fosse assim, o corpo humano não poderia continuar.

A cada vida, o corpo do homem morre e renasce. Ele adormece. Nesse sono esse corpo recorre e renasce o mesmo. Renasce no ponto idêntico do mundo da humanidade que ocupou antes, no instante idêntico de sua morte, de material idêntico, herdando todos os efeitos produzidos previamente sobre seu ambiente – não pode ser outro senão o mesmo. Não fosse assim, a humanidade não poderia continuar.

Deixemos a analogia seguir seu curso. Qual o significado desse estranho e terrível resultado? Pode significar apenas que a cada término a vida deixa um resíduo de efeitos – sobre a natureza, meio ambiente, outros homens e mulheres – que se tornam as causas automáticas da vida por vir. A impressão deixada pelos feitos desse corpo é o traço do ser do homem. O traço é a imagem de sua causa e a causa de sua próxima imagem. O ser e seus efeitos são um.

No momento da morte, o esquema desses efeitos, transformados por esse relâmpago cósmico num signo único, é lançado através do tempo sobre o embrião que espera. Esse é o segredo do que acontece à essência do homem na morte. Causa o nascimento do mesmo corpo, no mesmo lugar, dos mesmos pais e no mesmo tempo.

Tal possibilidade não pode pertencer ao tempo ordinário, ou seja, à quarta dimensão do homem. Só pode pertencer à sua quinta dimensão, sua recorrência, sua eternidade.

A morte e a concepção são uma só coisa na eternidade. A vida de cada homem reside no tempo, mas a soma de suas vidas reside na eternidade. O ponto no qual uma vida une-se à seguinte é o ponto no qual o tempo une-se à eternidade. Nesse ponto os efeitos de sua vida passam de um tempo a outro. O que foi, cria o que será. E tudo o que o homem chama ‘ele mesmo’ deve adormecer para despertar novamente no mesmo corpo, no mesmo ambiente, com os mesmos problemas deixados antes, sem dar-se conta de que havia sido outro.

Por não podermos penetrar diretamente em mundos inferiores, não podemos conjeturar que desintegração, explosão e fusão de êxtase o oxigênio de nossa respiração traz às moléculas de sangue. Mas por nós mesmos percebemos que esse choque que separa o final de uma vida do começo da próxima, arrancando a essência de um corpo sem vida e lançando-a de volta à semente, é o choque mais tremendo com o qual um ser humano possa se deparar. Na verdade, ele é forte demais para o homem comum que não tem escolha, a não ser esquecer e adormecer.

Comparamos anteriormente o nascimento e o final da infância aos dois pontos críticos no qual o vapor convertia-se em água e esta em gelo. O momento da morte e da concepção poderia então ser como um ponto no qual, num só instante, o gelo regressasse de volta a todos os outros estágios, desintegrado em oxigênio e hidrogênio e no mesmo instante condensado novamente em vapor. Mas para desintegrar a molécula em átomos separados e uni-los novamente, seria necessário não apenas calor mas também um choque elétrico intenso. A energia da morte parece ter algum efeito similar em todo o ser do homem, desintegrando-o nas partes componentes do corpo, essência, personalidade e vida e no mesmo momento reunindo o que sobrevive numa forma diferente.

O instante no qual todas as causas não cumpridas e implantadas na vida passada são arrancadas do cadáver pela morte é o mesmo e terrível instante de impregnação, quando os genes ou a rubrica do corpo que será precipitam-se a unir-se num novo padrão. Isto é aquilo.

O velho corpo decai e retorna à terra. O campo magnético do que foi sua vida vai para a lua. A personalidade, em qualquer caso apenas um reflexo, se desvanece com o objeto que refletia. E a essência, agora uma quintessência de causas acumuladas, passa instantaneamente através do tempo para lançar o corpo de outra vida.

Mas o homem comum carece de uma alma consciente para acompanhá-lo. Assim, ele não pode saber o que é a morte nem o que é a unificação da morte. As causas passam de uma vida a outra, sem serem acompanhadas pela consciência. Se o homem tivesse uma alma consciente, a morte teria então um significado diferente para ele.


II Recorrência


O homem habitualmente imagina sua viagem ao fim do tempo como na Idade Média imaginava-se uma viagem ao fim do mundo. Acreditava-se que pelo fato de a Terra ser plana, num certo ponto atingiríamos um limite, caindo para sempre no desconhecido. Somente quando um bravo homem manteve um único curso e após grandes dificuldades e estranhas aventuras navegou de volta aos mesmos lugares de onde havia partido, soube-se então que a Terra era redonda e seu curso um círculo.

Aprendemos agora que o tempo também é redondo e que nossa viagem através dele deve trazer-nos inexoravelmente os mesmos anos que deixamos para trás. É um conhecimento difícil e perigoso. Quando os homens aprenderam que a Terra era redonda, seu sentido do que era conhecido expandiu-se, mas o sentido de desconhecido enfraqueceu. Essa é a tentação do novo conhecimento. O conhecido, embora estranho, não é mais que zero para o infinito desconhecido. Apenas com esse sentido de salvaguarda os homens podem utilizar idéias fortes.

Dissemos, por exemplo, que os efeitos de uma vida tornam-se causas da próxima. As mesmas causas dão origem aos mesmos efeitos e os mesmos efeitos às mesmas causas novamente. Isso é recorrência. Mas podemos agora acrescentar que um dos poucos efeitos diferentes que podem atuar diretamente na vida do homem é aquele produzido pela sua atitude perante o novo conhecimento.

Para nos prepararmos para pensar sobre a recorrência torna-se necessário compreender que os incidentes e eventos que nos acontecem numa corrente contínua, do nascimento à morte, surgem de formas muito diferentes. As causas desses eventos encontram-se a diferentes distâncias de nós, por assim dizer. E é importante para nós, em relação a qualquer incidente, começar a reconhecer quão perto ou quão distante encontra-se a causa.

Há uma classe de eventos, por exemplo, cujas causas estão no próprio incidente, que residem no presente. Estou caminhando pela rua de forma normal. Subitamente um homem sai de uma loja, choca-se comigo empurrando-me para a guia e desaparecendo na multidão. Não o vejo novamente e o incidente termina ali. Tais eventos, que não são guiados por nada do passado e cuja causa está no próprio momento, chamamos acidentes.

Outra classe de eventos que nos acontecem são resultado de uma tendência geral ou de uma série de causas acumuladas no passado. Todo dia dirijo meu automóvel seguindo determinado caminho, mais rápido que o limite de velocidade permitido. Por trinta e cinco dias nada acontece. No trigésimo sexto sou autuado e multado. Dessa autuação não podemos dizer que seja apenas por guiar o automóvel no dia do incidente; é claramente o resultado de todas as trinta e seis infrações juntas e que se não tivesse ocorrido naquele dia, ocorreria certamente alguns dias mais tarde. Tais eventos, resultado de uma tendência típica e contínua, cujas causas residem no tempo, são semelhantes ao que no Oriente é chamado ‘karma’. São produto de causa e efeito temporais.

Uma terceira classe de eventos embora sejam obviamente de importância mais profunda e íntima para um homem, não encontram causa em sua vida presente. Nasci num determinado ano de um certo dia e em certo lugar, filho de pais determinados. Com toda evidência, nada que eu tenha feito poderia afetar isso nesta vida, pois tudo aconteceu antes que eu começasse a criar as causas. Até onde me interessa, tais eventos são meu destino e podemos dizer que sua causa deve estar, não no tempo, mas na recorrência ou eternidade, ou seja, em alguma ou algumas vidas anteriores.

Teoricamente, uma quarta classe de eventos também é possível para o homem. Nesse caso, a causa não reside nem no presente nem no passado e nem mesmo na recorrência. E somente se começarmos a compreender a retenção quase inaudível que seu destino tem sobre cada aspecto da vida de um homem, poderemos perceber que desse ponto de vista tais eventos serão milagres.

Dessa forma, torna-se claro que se um homem quer estudar pessoalmente a possibilidade da recorrência, ele deve estudar em particular seu próprio destino e começar a distinguir que tipo de eventos correspondem a esse destino.

Pois bem, se uma vida é uma recorrência do que ocorreu antes, o que pensamos como o círculo da vida humana é de fato uma espiral. O destino ou totalidade de um ser humano apresenta-se-nos não como um círculo que existe no tempo – o extenso corpo de um homem – mas como uma espiral que existe na eternidade, a seqüência bobinada de seus corpos extensos. Sua forma maior repete a espiral do movimento da Lua ao redor da Terra, o movimento da Terra ao redor do Sol e o movimento do Sol ao redor do centro galáctico. Uma vida se desenrola da última depois de transposta a muralha da morte, assim como o dia se desenrola passada a muralha do sono.

Esta é a eterna recorrência na qual Ouspensky penetrou e da qual Nietzsche escreveu: “Deseja viver de novo, porque em qualquer caso, essa será tua parte.” O círculo de uma vida encontra-se paralelo ao da vida anterior e ao da posterior, formando como que uma imagem repetida daquela em cada detalhe. O dia de nascimento de um homem nesta vida encontra-se próximo ao seu dia de nascimento na última vida e na próxima; o dia de seu casamento encontra-se ao lado de todos aqueles outros dias de seus casamentos de então; o dia de sua morte, paralelo ao dia de suas outras mortes. Cada visão, som e movimento que preencheram aqueles dias deverão preenchê-los novamente.

Quando um homem ouve essa idéia ele pergunta: “Como posso saber? Por que não posso me lembrar?” De forma comum não pode sabê-lo, não pode lembrar-se. E ele não pode recordar de outras vidas pela mesma razão pela qual não pode recordar-se da maior parte de sua vida presente – porque ele não é consciente de sua existência nela.

Sua forma de percepção, como vimos anteriormente, é um ponto de leve calor ou de alerta, que passa lentamente para diante, sempre na mesma direção – não apenas ao redor do círculo da vida, mas ao redor da espiral de muitas vidas. Seu calor ou seu estado de alerta é escassamente insuficiente para afetar o ‘presente’ de segundos ou minutos e para estender-se ainda mais nebuloso por dias ou semanas. Além disso, antes e atrás do ponto em movimento, tudo é frio e nada se recorda, salvo alguns poucos momentos brilhantes mas em sua maior parte irrelevantes e desconectados.

No capítulo ‘Psicologia Humana’, estudamos o que poderia ser o significado de consciência e memória em relação ao círculo da vida e como os momentos de aumento de consciência eram semelhantes a pontos de calor subitamente intensificados e que transmitiriam impulsos no momento de percepção que se distancia chegando como memória. Essa memória comum corresponde ao fenômeno da condução de calor ao longo do fio da vida.

Como poderíamos conceber que a memória de outra vida se tornasse possível? Não é necessário dizer que quanto maior a consciência, mais distante na linha do tempo a memória penetrará. Mas quando a consciência eleva-se além de uma certa intensidade – ou quando o ponto aquecido eleva-se acima de certa temperatura – uma possibilidade muito nova apresenta-se. Suponhamos que as espirais sucessivas em nosso modelo não se toquem, mas estejam separadas por um pequeno espaço. Assim, um ponto no décimo quinto ano encontrar-se-á exatamente abaixo, mas levemente separadas do ponto semelhante na próxima recorrência.

Se no décimo quinto ano esse ponto se tornasse, digamos, incandescente, ele começaria a esquentar os pontos correspondentes nas espirais acima e abaixo – mas desta vez por radiação. A transmissão de calor por radiação está sob leis muito diferentes daquelas da transmissão por condução e por isso uma quantidade muito maior de calor será necessária. Portanto, nesse sentido, podemos conceber um momento de consciência moral tão intenso, que a memória é criada em outra vida.

Na realidade, há uma faculdade em nós que conhece nosso destino, ou seja, que preserva a memória de recorrências anteriores. Exemplos são inúmeros, ainda que devam permanecer improváveis até o evento. Stendhal escreveu para seu amigo mais íntimo: “Considero que não há nada ridículo sobre morrer na rua, desde que não se faça de propósito.” Quase que exatamente um ano mais tarde ele morreu na rua – não de propósito, presumivelmente.

Tal faculdade não tem qualquer relação com a imaginação negativa comum e na verdade parece funcionar apenas em sua ausência ou naqueles que definitivamente sacrificaram a imaginação negativa relacionada a eles mesmos, como Stendhal na mesma carta mostra ter feito: “Não pergunto ao médico o nome dessa doença no sentido de não colocar pensamentos melancólicos em minha cabeça.” Assim, a faculdade de conhecer o próprio destino pode apenas desenvolver-se naqueles que já têm certa imparcialidade em relação a ele. A memória desperta naqueles que a encontraram, uma convicção que os capacitará a olhar além da memória.

De qualquer modo, podemos dizer que o aumento de consciência na vida presente do homem significa aumento de consciência em todas as direções, ou seja, não apenas no passado e no futuro do tempo, mas também no passado e no futuro da eternidade.

Havendo chegado a uma imagem das muitas vidas de um homem na espiral da recorrência, podemos tentar representar para nós mesmos as conexões de diferentes indivíduos na recorrência. Suponhamos que um marido na flor da idade e sua jovem esposa concebam uma criança. Temos na nossa vida três ciclos interseccionando-se, um deles no oitavo marco, outro no sétimo e o terceiro, o de sua descendência, no nono. Essa relação será sempre fixa para homens em níveis ordinários e é inconcebível que as idades relativas do marido, mulher e filho pudessem mudar, qualquer que seja o número de vidas que possamos imaginar. Já que o dia de sua conjunção será o mesmo para cada um, ele também deve ser o mesmo para todos.

Na recorrência teremos três espirais entrelaçadas, todas cruzando o mesmo ponto relativo de cada espiral. Por essa construção vê-se que as vidas de todos os indivíduos são iguais e completas, não importa se o marido viva 100, a mulher 50 e a criança apenas 10. Tão logo nos aproximemos da recorrência, deixamos de todo para trás a medida de tempo por ano, a qual, como já vimos na escala descendente de ciclos de vida, tem ainda ali, significado apenas relativo.

Mas devemos recordar também que essa intersecção de diferentes espirais de vida é só uma forma de olhar para elas. Pois os indivíduos encontram-se também em diferentes níveis de energia – simplesmente por contato físico, por comunhão de pensamento, por sensualidade e atração física e pelo mais elevado amor, reverência e sexo puro. Todavia, o mais importante é que todas essas reações podem ou ser levadas às cegas ou conscientemente experimentadas. Talvez isso possa mudar. E se pudesse, então cada coisa continuaria a mesma e ainda assim profundamente diferente.

Como vimos, a recorrência é simplesmente uma forma de perceber a quinta dimensão. Vista dessa forma, a quinta dimensão parece um reviver infinito da quarta dimensão, a qual é a própria vida conhecida pelo homem. Mas podemos estar conscientes dessa quinta dimensão em outros sentidos?

A quarta dimensão é medida pela extensão de tempo da concepção à morte, por dias, meses e anos como uma linha sem espessura. Mas sabemos muito bem que nossa sensação desses dias e momentos nem sempre é uma linha sem espessura. Dias inteiros passam-se em completa ‘insipidez’. Mas chega um instante em que subitamente o tempo parece expandir-se lateralmente. Esse momento tem uma estranha intensidade ou profundidade e essa intensidade está conectada com perspectivas desconhecidas que se abrem em ângulos retos no caminho do tempo de ambos os lados dele, por assim dizer. Uma hora que tinha ontem uma duração entre dois grandes lapsos que nada revelavam ou sugeriam, tem hoje a mesma duração, mas através de uma paisagem imensa, estendendo-se a montanhas distantes e sob uma vasta expansão de céu. Essa variação na intensidade ou profundidade do momento pode ser outra forma de perceber a quinta dimensão.

E novamente temos que reconhecer que essa intensidade depende precisamente do nosso nível de consciência e que o aumento de consciência por si só, traz o significado de penetrar na quinta dimensão: o homem, a mulher e a criança estão conectados não apenas por idade e funções, mas além de tudo isso, transcendendo e transmutando essas limitações pelo nível de consciência.

Se tentarmos representar a interconexão, não de três, mas de centenas de vidas diferentes que tocam cada indivíduo entre o nascimento e a morte e essa interconexão não apenas num momento, mas em momentos recorrentes ou períodos contínuos, alcançaríamos uma figura inimaginável de recorrências.

É inimaginável porque novamente a dimensão mudou. Fica claro que se estendermos essa interconexão de espirais para incluir todos os homens que existem na Terra, produzir-se-ia uma figura tão intrincada que na realidade ela seria um sólido. O total de todas as espirais de recorrências de todos os seres humanos produz o sólido da humanidade, da mesma forma que a recorrência de todas as células produz o sólido de um homem.

Deste sólido podemos ainda ter uma certa apreensão vaga. Será como uma espécie de tapeçaria sólida, composta por bilhões de fios e que apesar de seu tecido inconcebivelmente intrincado, parecerão estar todos na mesma direção, a qual é a eternidade. Podemos supor cada um desses fios dotado de uma natureza diferente de cor, de acordo com o nível de energia que domina sua totalidade de vidas. E veremos que em grandes áreas ou períodos da humanidade, uma certa coloração domina todo o desenho – o vermelho da existência puramente física, o amarelo da atividade intelectual ou o verde da habilidade motora e sensação.

Ao recordar a existência de homens com almas conscientes e espíritos conscientes, suporemos também fios de uma materialidade diferente que sobressaem-se no tecido de forma excepcional, impartindo vida ao restante e ao redor do qual, todo o desenho do corpo sólido da humanidade estará formado.

Eles são fios apenas em nossa metáfora. Na realidade estão vivos e sua massa total está viva. São as células, vasos sangüíneos e nervos de um corpo, o Adam Kadmon da Cabala, a humanidade.


III Além Da Recorrência


A vida de um homem, sua extensão no plano da história, por assim dizer, constitui seu próprio ‘tempo’ e de modo usual, por experiência direta, ele não pode saber nada fora desse tempo. Essa é sua quarta dimensão.

A idéia de uma eterna recorrência dessa vida, uma repetição infinita da mesma duração histórica, introduz-nos a uma segunda dimensão de tempo, ou seja, à quinta dimensão do homem.

Teoricamente tal dimensão implica numa reatuação absolutamente exata e inexorável da vida em cada detalhe, como a imagem de uma face refletida de frente e atrás entre dois espelhos. Se supuséssemos que algo – ainda que fosse a mais simples palavra ou gesto – pudesse ser diferente numa vida repetida, nos encontraríamos de imediato com uma nova dimensão, assim como o menor desvio numa linha reta implicaria de imediato num plano, ou até mesmo uma ínfima mudança de expressão numa das imagens refletidas significaria um milagre.

Se supuséssemos que em outra vida um homem pudesse ouvir algo que ele não tivesse ouvido antes ou encontrasse alguém que não tivesse encontrado antes ou visitasse algum lugar que não tivesse conhecido antes, teríamos que admitir a possibilidade de movimento – ainda que ligeiro – numa terceira dimensão do tempo, isto é, na sexta dimensão do homem. Como vimos no segundo capítulo, a sexta dimensão de qualquer cosmos é aquela na qual todas as possibilidades são realizadas. E se apenas uma nova possibilidade for realizada sem que já o tenha sido antes, isso já significa um começo de movimento na sexta dimensão.

Portanto, o primeiro princípio a ser compreendido é o da repetição, ou seja, que os mesmos hábitos e tendências devem recriar as mesmas circunstâncias e situações indefinidamente, tanto numa centena de vidas quanto em uma, e cada vez mais inevitavelmente que antes. Mas o segundo princípio a ser diferentemente compreendido é o de que nada pode continuar o mesmo para sempre e que justamente pelo peso da repetição as coisas devem eventualmente mudar. Um veículo que se move sobre a mesma via com suficiente freqüência, cedo ou tarde esgotará seu caminho e parará ou irá adquirir um novo método de locomoção e se elevará no ar. O próprio princípio da repetição implica que as coisas devem tornar-se melhores ou piores, isto é, devem eventualmente mover-se na sexta dimensão.

Temos que admitir então que a idéia da recorrência de vidas – ainda que absolutamente necessária – é muito incompleta. E é nessa dimensão que devem ser colocadas as possibilidades do céu e do inferno, da iluminação e da condenação e todas as outras concepções de estados completamente novos não percebidos antes e que ocuparam as mentes dos homens desde o princípio do pensamento. Se tais conceitos correspondem a alguma realidade, esta deve existir na sexta dimensão.

O grande erro que os homens têm cometido é supor mudanças antes de sequer considerar a terrível e tremenda verdade da recorrência, isto é, tentar imaginar a sexta dimensão sem a quinta. Esse erro fundamental viciou todas as idéias comuns a respeito de céu e inferno e fez os homens conceberem tais estados como meras extensões de suas condições físicas e de suas vidas pessoais. É tão impossível pensar em onipotência, onipresença e imortalidade, qualidades da sexta dimensão – sem compreender a impotência, insignificância e inevitabilidade do destino do homem na quinta dimensão – quanto pensar nas abrangências de uma esfera sem compreender primeiro a superfície de um plano.

Além disso, somente uma profunda compreensão de todo o horror e futilidade de uma repetição eterna de vidas comuns pode gerar no homem a força emocional suficiente para empreender a tremenda tarefa de penetrar conscientemente na dimensão desconhecida e inimaginável que reside além delas.

Como é possível essa penetração? Onde tocamos essa dimensão de todas as possibilidades? Desde o princípio dos tempos os homens souberam intuitivamente que isso ocorre no momento da morte. A nenhum homem cuja consciência ainda está viva tem de ser dito que ali ele chega ao umbral de estados completamente novos e inconcebíveis. A própria impossibilidade de imaginar-se a si mesmo e suas percepções ou sentimentos sem o corpo físico que os aloja e origina é prova disso. E tradicionalmente o homem sempre atribuiu a esse estado desconhecido os destinos mais magníficos, assim como os mais temíveis que residem dentro de seu poder de concepção. Em outras palavras, ele colocou ali as novas possibilidades, incomensuráveis com toda sua experiência nesta vida presente.

De qualquer forma, já chegamos à conclusão de que o momento da concepção e da morte são um só e que no instante em que o homem passa ao princípio de uma nova vida, não é mais que uma repetição simultânea da antiga. Se assim for, então seu movimento na morte será na quinta dimensão, a dimensão da eterna recorrência. Onde está então nossa via de acesso à sexta dimensão? O que tornou-se então céu e inferno?

Chega-nos agora uma idéia estranha em conexão à escala logarítmica da vida que retrocedemos sobre ela mesma para formar um círculo. Essa escala não tinha começo. Como todas as escalas logarítmicas, não se iniciou em zero, mas em um. E em estágios anteriores a ela, antes do um deve ter havido um décimo, um centésimo e um milésimo até o infinito. Em outras palavras, a mesma escala deve ter continuado de algum lugar, fora do círculo da vida física e portanto, fora da espiral de sua repetição.

Retornando ao nascimento e mais além, à concepção, vimos cada unidade de tempo preenchida com experiência cada vez mais comprimida, com maior intensidade de crescimento. Na concepção, a velocidade dos processos já não era mensurável pelo tempo dos corpos orgânicos, mas pelo tempo de uma única célula, que num capítulo anterior vimos ser milhares de vezes mais rápido que o tempo de um homem adulto. Mais rápido que isso, os processos são explosivos demais para a estrutura celular.

Assim, o círculo representa o limite da existência do homem em forma celular, a duração de seu corpo orgânico ou físico. Neste sentido, a morte marca sua saída do mundo de matéria celular e a concepção, sua entrada nele. De certo ponto de vista, a porta de sua entrada nada mais é que o outro lado de sua porta de entrada. Mas haverá depois de tudo outra porta no mesmo umbral? Aonde conduziria?

A resposta só poderia ser a um estado mais rápido de matéria. Se a escala logarítmica continua a retroceder a uma velocidade crescente em direção à sua fonte desconhecida, temos que imaginar então que, ainda antes da concepção, a individualidade estaria agregada não à matéria celular, mas à molecular ou, mais além, ao estado eletrônico. Temos que imaginar que a marca do homem, sua natureza ou padrão fundamental estejam impressos primeiro sobre um veículo parecido com o ar e segundo sobre um veículo parecido com a luz. Ou seja, temos que imaginar a individualidade do homem agregada a uma alma sem corpo e mesmo a um espírito sem alma.83

Admitamos: não podemos imaginar tal coisa. Nossas idéias e imaginação, condicionadas pelas percepções dos órgãos dos sentidos físicos, não são sutis o bastante para essa tarefa. De forma usual, todas as nossas funções – mesmo aquelas que se relacionam com matéria muito fina, rara e penetrante – encontram-se tão fortemente aprisionadas no organismo físico, que todas as suas percepções são recebidas e interpretadas em termos de nossa matéria e seu prazer, dor ou bem-estar. Somente em condições especiais – tais como longos jejuns ou o ar rarefeito das montanhas muito altas – as diferentes funções se desembaraçam umas das outras e começamos a ter uma impressão do que poderiam significar se fossem libertadas de seu pesado lastro de carne e seus processos simultâneos de digestão.

Qual seria, por exemplo, a função do pensamento lógico sem um corpo material checando resultados no mundo material? Qual seria o significado da função emocional separada de um corpo celular ou da função sexual separada da possibilidade da união física? Na verdade, já que todos os corpos são feitos do mesmo modelo, qual seria a natureza das sete funções de um corpo molecular ou das sete funções de um outro eletrônico? Qual seria a anatomia e psicologia da alma ou do espírito?

Certamente, dispomos de muito pouco material para tal especulação. Ainda assim, a preparação para estados após a morte ou antes do nascimento, implica numa tarefa semelhante de imaginação intencional. E se o tentarmos, começaremos a compreender vagamente que se a individualidade humana fosse agregada aos corpos moleculares ou eletrônicos, tais corpos desfrutariam de todas as classes de poderes, propriedades e possibilidades que do ponto de vista dos corpos celulares são inconcebíveis e milagrosos.

Os corpos moleculares, assim como os gases, poderiam abarcar e penetrar outros corpos, tomar qualquer forma, seriam indestrutíveis e não degenerariam. Em sua velocidade, toda uma vida de experiência poderia estar contida em poucas semanas. Corpos eletrônicos viajariam na velocidade da luz e como a luz, ocupariam vastas proporções de espaço simultaneamente, como ondas de rádio produziriam fenômenos objetivos à distância sem meios visíveis e sobretudo, participariam daquele estado onde toda a matéria no Sistema Solar é da mesma natureza e intercambialidade. A velocidade eletrônica, o tempo de uma vida humana de experiências seria compreendido não em anos, meses ou dias, mas em minutos.

Podemos conceber então, além do círculo de vida do homem no mundo celular, um outro círculo incomensurável de vida no mundo molecular e outro círculo ainda, novamente incomensurável, no mundo eletrônico, cada um deles completo em si mesmo, cada um conduzindo aos outros e todos eles tocando um ponto – o momento simultâneo da morte e da concepção, onde tudo é predestinado ainda que tudo seja possível.

Vimos no começo como as dimensões espaciais do corpo do homem poderiam representar o tempo ou a quarta dimensão para a célula, a eternidade ou quinta dimensão para a molécula e o absoluto ou sexta dimensão para o elétron. Percebemos agora que o inverso também é verdade. A desintegração na morte desse corpo celular do homem no mundo molecular representa seu advento dentro da eternidade ou recorrência, enquanto que a desintegração de seu corpo molecular dentro do mundo eletrônico significaria sua entrada dentro da sexta dimensão, seu fundir-se num absoluto.

Esse princípio – da existência sucessiva de vários estados de matéria – deve ser concebido como um traço completamente mecânico do universo. Nele, nada há de moral, desejável ou indesejável, nada que dependa em qualquer nível do mérito ou defeito individual. Para as grandes massas de homens comuns, tal transição, se ela for um fato, não é mais significante que a mudança de um dado quanta de energia do carvão e do calor ao movimento mecânico e à eletricidade. E se a marca de tais homens fosse liberada pela morte no mundo eletrônico, isso não teria porque ser diferente da liberação pelo rádio de milhões de melodias e palavras dentro desse mesmo mundo a cada hora do dia e da noite.

Morte e transformação são o destino imutável e não escolhido do homem. Tudo o que ele pode escolher e mudar é a consciência. Mas modificar isso é modificar tudo. Agora pelo menos começamos a discernir a única imensa diferença dos homens sobre a Terra. A possessão comum de um corpo físico com cabeça, dois braços e duas pernas pode tentar-nos nesse mundo a deduzir a diferença entre o homem consciente e o inconsciente. No sentido em que comida entra e palavras saem de suas bocas, tanto Cristo quanto o criminoso são iguais. É apenas a desintegração desse corpo enganoso e a passagem do que permanece em outros estados de matéria que nos revela o vasto abismo que existe entre o homem adormecido e aquele que criou um princípio permanente e indestrutível de consciência.

Um deles é um impulso mecânico reproduzindo-se interminavelmente, o outro, um espírito humano herdando todas as possibilidades e tarefas que o universo contém. O grande trabalho é construir uma ponte entre eles na qual ambos possam passar. De outra forma, como a criação poderá tornar-se consciente de sua origem e toda sua infinita promessa ser cumprida?