segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo XIV - Psicologia Humana

I Personalidade, Essência e Alma

Todo o esquema rítmico e padrão de tempo sobre o homem, discutido nos capítulos anteriores, refere-se ao homem normal, ou melhor dizendo, a um arquétipo do homem. Pressupõe que os diferentes órgãos estejam igualmente dispostos em relação à sensitividade, de modo que as várias influências planetárias sejam recebidas e tenham efeito em sua justa harmonia e proporção. Na verdade, não há homem que individualmente reflita com perfeição tal harmonia, pois, nos homens que conhecemos, algumas glândulas são de uma sensibilidade supra-normal e outras de sensibilidade sub-normal. As descrições dadas dos tipos endócrinos ou planetários foram uma tentativa de descrever o efeito da sensibilidade supra-normal de uma glândula ou do aparato receptor. Um homem perfeitamente harmonizado, em quem todas as influências planetárias estivessem equilibradas e nenhuma delas ausente ou exagerada, é uma idéia que dificilmente pode ser concebida, exceto como resultante de um intenso trabalho de auto-aperfeiçoamento.

Admitindo o princípio de sensibilidade variante nas diferentes glândulas ou aparatos receptores, vemos como podem originar-se todas as anormalidades da forma e idade humanas. Suponhamos que Marte emane certas influências que estimulem as funções supra-renais e sexuais, enquanto Vênus, influindo nas paratireóides e no timo, tenda a promover o desenvolvimento físico, detendo a diferenciação sexual. Se os dois órgãos receptores são igualmente sensíveis, os próprios movimentos planetários assegurarão que a influência marcial eclipsará a outra aos 15 anos, produzindo a puberdade. Mas suponhamos que o órgão receptor para a influência marcial seja excepcionalmente sensível e que aquele sincronizado com a radiação venusiana seja insensível. Nesse caso, o primeiro eclipsará naturalmente o segundo com muita antecipação e a puberdade não ocorrerá aos 15 anos, mas aos 13 ou 12.

Decerto, raças inteiras estão mais sincronizadas estruturalmente com um planeta que com outro, tendo assim sua própria ‘normalidade’ de tempo, desviando-se mais e menos da normalidade prescrita para a humanidade. Além disso, tais povos ou raças estarão mais aguçadamente cientes do ritmo de ‘seu’ planeta e encontrarão dificuldade em compreender manifestações de outros povos derivadas de percepções de ritmos completamente distintos.

Mais luz é lançada nessa questão quando analisamos certos casos patológicos, como, por exemplo, naqueles em que um tumor na glândula pineal produz senilidade prematura e um garoto de oito anos adquire a aparência encarquilhada de um velho de oitenta.

Nos casos acima mencionados, consideramos o efeito das várias glândulas ‘colocadas’ em diferentes graus de sensibilidade. Por outro lado, parece-nos que a própria glândula, devido ao estímulo patológico, aumenta fantasticamente sua receptividade. Imaginemos uma antena de rádio de sensibilidade fixa sincronizada com apenas uma longitude de onda; seu volume variará com a produção e a distância da estação transmissora. Este é um caso normal. Mas suponhamos que a antena de rádio aumente subitamente sua sensibilidade. Começará a haver ruído e interferência nas antenas vizinhas, ainda que o poder da estação transmissora permaneça constante ou mesmo diminua. Se a glândula pineal é sensível à influência de certo planeta que, ao atuar com seu ciclo prolongado e lento, controla o envelhecimento gradual do organismo, um estímulo anormal nessa glândula pode fazê-la responder de forma antinatural a essa influência envelhecedora, até que essa última, por alteração de volume, apague todas as influências moderadas que provêm de qualquer outra parte.

Em suas formas extremas, essas duas classes de aberração – uma sensibilidade ou deficiência patológica de alguma glândula e uma variação patológica em sua função – respondem por todas as anormalidades congênitas e orgânicas que podemos encontrar. Nesses casos, o próprio mecanismo do homem é seriamente danificado, talvez sem possibilidades de reparo. E não se pode evitar que toda a vida psíquica oriunda de tal mecanismo seja desviada e desequilibrada.

Contudo, há um tipo diferente de anormalidade muito mais comum encontrada em mecanismos mais ou menos saudáveis. Essa anormalidade que origina toda gama da psiquiatria humana e, numa grande proporção, pensamentos e sentimentos das pessoas comuns, será tratada agora. Tínhamos chegado à conclusão de que a proporção das diferentes secreções endócrinas mantidas em suspensão no sangue num dado momento fazem de um homem o que ele é. Seu estado é o resultado de todos os impulsos que essas energias ditam separadamente. Impulsos para estudar, buscar companhia, mover-se inquietamente, fazer amor mesclam-se nele em intensidades diferentes, produzindo a coloração e o estado do momento. Isso é o que é chamado sua psicologia.

Mas prossigamos além e tentemos imaginar a corrente sangüínea de um homem ao longo de toda sua vida, todo o sangue que passa por ele desde sua concepção até sua morte como uma simples entidade. O sangue começa a fluir por ele desde o momento em que o óvulo fecundado adere ao útero materno e não cessa de fazê-lo até que seu coração pare de bater. Essa ‘extensa’ corrente sangüínea é uma teia de aranha unindo cada parte do círculo de sua vida e que já esboçamos no Capítulo 11. Em cada momento, a composição de sua corrente sangüínea dita seu humor. A totalidade de sangue vital, sustentando a soma final de influências que contribuíram para seu ser, é o homem. Representa sua verdadeira natureza, o que ele objetivamente é, sua essência.

A questão é que ninguém sabe o que é essa soma. Ninguém se conhece objetivamente. Ninguém pode analisar a elevada química de seu sangue e honestamente avaliar a si mesmo de acordo com ela. Isso já seria uma tremenda conquista e o homem que conhecesse sua essência teria uma enorme vantagem no mundo.

De fato, o que um homem pensa de si mesmo e de suas possibilidades tem muito pouco a ver com sua química física real. O homem que por sua estrutura natural e por suas capacidades pode ser um trabalhador competente e próspero julga que é um poeta ignorado, ainda que nunca tenha escrito uma linha de poesia sequer. Por outro lado, o poeta nato sente que realmente seria feliz numa fazenda, ainda que não tenha passado mais que finais de semana fora da cidade. O estudioso rato de biblioteca vê-se como um Casanova em potencial e por aí adiante. Esses são seus sonhos e eles vêem tudo o que lhes acontece e àqueles que parcialmente conhecem à luz de sua própria natureza essencial e por meio de seus sonhos.

Para dar suporte a esses sonhos, eles têm que adotar uma certa atitude inventada diante de tudo, diferente daquela ditada por seu sangue, sua essência, pelo que realmente são. Essa atitude inventada é tomada por outras pessoas como sua personalidade e pode até mesmo ser muito admirada e solicitada.

Isso, contudo, traz-nos a idéia da personalidade num sentido correto e útil. Do latim, ‘persona’, uma máscara de teatro através da qual o ator fala. A personalidade legítima está entre a essência do homem e o mundo exterior. É sua ‘pele psicológica’, sua proteção da vida e meio de ajustar-se a ela. Inclui tudo o que ele aprendeu sobre como orientar seu organismo em seu ambiente, o modo que aprendeu para falar, pensar, caminhar, comportar-se e assim por diante: todos os seus hábitos adquiridos e idiossincrasias. Somente no homem comum esse adaptar-se à vida, esse savoir faire que lhe possibilita proteger a vida interna de choques desnecessários e distrações está tão inextricavelmente misturado com as atitudes pretensiosas e inventadas, que ambos acabam ficando inseparáveis. Temos que os considerar como um fenômeno, como a personalidade que, mesmo em seu melhor aspecto, é algo irreal, sem substância material.

Se considerarmos o círculo da vida do homem como uma esfera, sua essência será como que a natureza física do interior da esfera, sua consistência, densidade e composição química. Logo, sua personalidade será algo imaginário, que absolutamente não existe na esfera. Não tem espessura nem dimensão. Provém unicamente do exterior. É como a luz do mundo que a cerca refletida na superfície da esfera. Podemos mesmo dizer que é refletida apenas numa metade de sua vida, num hemisfério, pois, antes dos dois ou três anos, uma criança não tem imaginação sobre ela mesma, não tem pretensões e , na verdade, não é senão essência.

Podemos alcançar uma maior compreensão da natureza da personalidade quando nos damos conta de que essa luz que o homem reflete é exatamente o que ele não absorve. O que é mais óbvio sobre um homem é o que ele rejeita e o modo particular com que o faz. Ele é reconhecido pelo que ainda não compreende, pelo que o separa do resto. Isso é sua personalidade. Quando ele realmente compreende e absorve algo, isso penetra nele e torna-se parte de sua essência. Então já não é aparente para os outros como sua personalidade – ela é ele e ele é ela. A separabilidade característica da personalidade desapareceu.

A mesma idéia pode ser colocada de modo diferente. Um homem se alimenta. Mas dá-se um longo processo digestivo antes que essa comida seja suficientemente refinada para entrar em sua corrente sangüínea e tornar-se assim inseparavelmente absorvida dentro de seu organismo. Até que isso aconteça, a comida não é parte dele, ele pode até ficar doente e perdê-la completamente.

Algo semelhante ocorre com a experiência, mas dá-se um longo processo digestivo antes que essa experiência seja compreendida e dominada a ponto de poder modificar realmente sua essência física. Essa digestão da experiência acontece na personalidade e por intermédio dela. E, como a comida no processo de digestão, somente experiência e compreensão que estejam na personalidade podem ser perdidas a qualquer momento. Apenas quando, por insistência e repetição, ela penetrar a essência, se tornará intransferivelmente sua. A personalidade é o órgão de digestão para a experiência.

A anormalidade ou loucura fundamental do homem reside na divergência entre essência e personalidade. Quanto mais intimamente um homem se conhecer pelo que ele é, mais próximo ele estará da sabedoria. Quanto mais sua imaginação a seu próprio respeito divergir do que ele realmente é, mais louco ele se tornará.

No começo deste capítulo, estudamos as anormalidades orgânicas. Naquele momento, falávamos como que de asnos ou cavalos doentes. Agora estamos considerando o problema de asnos perfeitamente saudáveis que se consideram cavalos e de cavalos perfeitamente saudáveis que se consideram asnos. Este é o conteúdo da psicologia moderna.

Há, no entanto, uma possibilidade de curar essa desilusão. Trata-se da potencialidade que existe no homem de tornar-se consciente de sua própria existência e de sua relação com o universo que o cerca, pois, no momento em que é consciente de sua existência, conhece o que ele é e o que ele não é, ou seja, conhece a diferença entre sua essência e sua personalidade. No mesmo momento, também sabe o que está nele e o que está fora dele, isto é, conhece a si mesmo e sua relação com o mundo.

Lembrança de si, e somente lembrança de si capacita o homem a trocar a pele exterior da personalidade e sentir e atuar livremente a partir de sua essência, isto é, a ser ele mesmo. Desse modo, ele pode separar-se das pretensões e imitações que o escravizaram desde a infância e retornar ao que ele realmente é, retornar à sua própria natureza essencial. Tal retorno à essência é acompanhado de um sentido de liberdade e liberação, distinto de qualquer outro e que pode suprir exatamente a força motivadora requerida para empreender as tarefas inteiramente novas que o homem libertado vê serem necessárias.

Este famoso tema do Peer Gynt de Ibsen – “Homem, a ti mesmo sê fiel” – é certamente o primeiro e obrigatório mandamento no caminho da consciência e do autodesenvolvimento, pois, a menos que um homem encontre a si mesmo, encontre sua própria natureza essencial e destino e comece a partir deles, todos os seus esforços e conquistas serão construídos sobre a areia da personalidade e, ao primeiro choque grave, toda a estrutura sucumbirá, destruindo-o talvez em sua queda.

Num homem que está se desenvolvendo, a personalidade é o servidor da essência. E, desde que a essência torne-se o servidor da personalidade, isto é, tão logo a força natural e capacidades de um homem sejam postas a servir a falsa imagem que ele tem de si mesmo, o crescimento interno cessa e, no curso devido, a essência definha e torna-se incapaz de novo crescimento. O único modo pelo qual esse definhamento pode ser detido e a vida restaurada à essência é pela lembrança de si, isto é, pelo cultivo deliberado de autoconhecimento e autoconsciência.

O que isso implica?

No capítulo das funções das diferentes glândulas, vimos que elas estavam conectadas e unificadas não apenas pela corrente sangüínea, mas potencialmente de um modo diferente. Elas estavam conectadas numa ordem diferente por uma parte não utilizada do sistema nervoso. O funcionamento dessa nova conexão traria com ela a possibilidade de um homem estar ciente de si mesmo. Assim como sua sensação subjetiva da corrente sangüínea é um sentimento de calor corporal, também a sensação subjetiva de seu sistema nervoso, se este trabalhasse, seria autoconsciência. Esta é a nova função que, arriscamo-nos a dizer, deverá entrar em operação na plenitude da vida.

Dissemos que a essência do homem é a totalidade de sua corrente sangüínea, todo o sangue que flui por ele da concepção à morte. Podemos dizer agora que a alma do homem é a totalidade dos momentos de autoconsciência durante sua vida ou toda a energia super fina que fluiu através de seu sistema nervoso não-utilizado.

Mas aqui tropeçamos numa dificuldade, porque já tínhamos admitido que tais momentos são excessivamente raros, poucos num ano ou até mesmo na duração de uma vida. No sentido comum, o homem não tem consciência de sua existência. A energia não flui absolutamente por esse sistema. Os momentos de autoconsciência que um homem pode experimentar em circunstâncias de grande tensão, intensa alegria, dor, sofrimento, resistência ou privação são nada mais que momentos e vão-se, assim como vieram. Mesmo que somados, não resultariam em nada, assim como uma série de pontos não chega a ter dimensão mensurável.

O que então aconteceu à alma do homem? Não temos escolha a não ser admitir que o homem comum não encontrou uma alma. Ela tem que ser criada.

Etimologicamente, psicologia é o conhecimento ou a sabedoria da alma. Mas, se o homem não tem alma, nada do que agora passa por psicologia realmente o é. Tudo o que leva esse nome é na verdade psiquiatria, ou seja, o estudo da enfermidade da alma ou as condições de sua ausência. A verdadeira psicologia é, portanto, o estudo do que não existe ainda, é o estudo da arte de criar uma alma.

Falamos de essência, personalidade e alma. Agora é possível pensar na relação dessas diferentes partes do homem. O ‘mundo’ de um homem individual encontra-se cercado por outros mundos de escala semelhante, permeado pelos mundos menores de células e moléculas e incluído dentro dos grandes mundos da Natureza, da Terra, do Sistema Solar e assim por diante. Desses outros mundos, ele recebe nutrição na forma de alimentos, ar e percepções de todos os tipos. Já vimos como os diferentes períodos de vida, com seus diferentes meios e funções dominantes, utilizam nutrientes que provêm especialmente de um aspecto do homem ou de outro. Isso se refere especialmente aos diferentes aspectos de seu organismo físico. Agora surge a questão do crescimento de outras partes do homem que não sejam seu corpo, isto é, de sua essência e sua alma.

Acabamos de dizer que, quando um homem realmente absorve algo e o compreende, isso penetra nele e torna-se parte dele. Certamente um homem pode adquirir um gosto por impressões brutais ou perversas que, gradualmente penetrando sua essência, podem corrompê-la no devido tempo. Por outro lado, percepções de mundos maiores, forças maiores, ideais elevados, possibilidades elevadas ou, ao contrário, percepções terríveis e dolorosas, tomadas de certo modo, nutrirão e enriquecerão sua essência. Se tais percepções penetrarem constantemente num homem e forem digeridas por ele, a essência começará a crescer.

Ao mesmo tempo, cada tipo de essência deve ser alimentada à sua própria maneira. Os diferentes tipos delineados no Capítulo 10 eram exatamente tipos de essência. O que é alimento verdadeiro para a essência saturnina é inútil para a marcial e vice-versa. Façanhas de resistência que enriquecerão a essência de um homem poderão amedrontar a de outro, enquanto que sutilezas pelas quais a essência deste cresce sensivelmente são meramente enervantes para o primeiro. Assim, cada homem deve começar a perceber por si mesmo o que alimenta sua essência e o que o faz ser mais ele mesmo.

Percepções não absorvidas que não vão alimentar a essência serão refletidas de volta a partir de sua superfície em forma de personalidade, assim como os raios solares que não são absorvidos pela Lua são refletidos de volta para nós como sua ‘luz’ emprestada.

Além disso, assim como as percepções propriamente recebidas por meio de sentidos corporais podem alimentar a essência e alterar sua natureza, também essas matérias finíssimas acumuladas na essência podem alimentar a alma embrionária. Essas mesmas percepções de mundos e de possibilidades superiores ou as percepções de dor, sofrimento e grande perigo, profundamente absorvidas dentro de sua essência, podem despertar no homem um desejo de tornar-se consciente de sua existência e de sua relação com o universo. Se esse tipo de nutrição for recebido durante tempo suficiente e com a devida consistência, poderá conduzi-lo à realização de esforços diretos para tornar-se consciente. E estes, por sua vez, com sorte e condições corretas, podem alcançar com o tempo uma crescente recorrência de momentos de autoconsciência de maior duração. Desse modo, nasce uma alma.

Tal crescimento na essência e o nascimento de uma alma implicarão numa mudança de todo o ser do homem, um acúmulo interno de força e energia. E, assim como para a personalidade dissemos ser o reflexo de percepções análogo à luz refletida pela Lua, também a transformação interna de impressões requerida para criar uma alma será semelhante ao processo pelo qual um corpo resplandece por sua própria luz. Será análogo ao Sol.




II Lembrança de Si, Consciência e Memória

Se a lembrança de si é tão desejável, por que é tão difícil alcançá-la? Para responder essa pergunta, devemos retornar em maiores detalhes à questão da atenção. A possibilidade de estados superiores de consciência no homem depende precisamente de que certas matérias refinadas produzidas pelo corpo estejam submetidas à sua atenção.

O processo de digestão no homem consiste da rarefação progressiva de alimento, ar e percepções que ele recebe; e a matéria fina da qual falamos pode ser considerada como o produto final dessa rarefação em condições usuais. Diferente dos músculos ou do sangue, que são constituídos por células, essa matéria pode ser visualizada num estado molecular – ou seja, num estado semelhante aos gazes ou perfumes. É assim extraordinariamente volátil, instável e difícil de conter.

No caso do homem, contudo, está sujeita ao controle psicológico, e esse controle psicológico é atenção. Controlada pela atenção, essa matéria torna-se o veículo potencial da autoconsciência.

No estado comum do homem – ou seja, ao atuar como uma máquina, quando seus processos internos operam independentemente de sua vontade ou desejo – essa matéria fina segue as leis que governam todas as matérias livres em estado molecular. Difunde-se a partir do homem em todas as direções ou nas direções que ‘chamam sua atenção’. Tão logo seja produzida, ou com breve retardo, essa matéria fina sai através dele de uma forma ou de outra. Contê-la ou acumulá-la requer vontade, que ele normalmente não possui e produz uma tensão interna que só pode ser mantida com muito autoconhecimento e autocontrole.

Essa difusão da energia mais refinada do homem toma várias formas. Pode sair dele normalmente como energia sexual, verter dele nocivamente como rancor ou irritação e filtrar-se a partir dele como inveja ou autopiedade. Mais comumente, difunde-se simplesmente a partir dele para criar o curioso estado de ‘fascinação’, no qual o homem perde completamente sua identidade, seja numa conversa, numa tarefa, com um amigo, um inimigo, um livro, um objeto, um pensamento ou uma sensação. Essa ‘fascinação’ é simplesmente o efeito da matéria fina fluindo do homem numa direção determinada por seu tipo e personalidade, arrastando com ela sua atenção. Em casos extremos, essa sucção de atenção pode ser tão completa, que o corpo do homem fica então como um ser vazio até mesmo dos rudimentos de uma individualidade psíquica. Essa fascinação é o modo mais usual de gastar a matéria fina da energia criativa do homem. Constitui de fato o estado usual do homem e, por essa mesma razão, é completamente irreconhecível e comumente invisível.

Pelas classes mais refinadas e produtivas de trabalho humano, pelo uso da atenção, um homem aprende a manter essa ‘fascinação’ numa certa direção. Um bom sapateiro, por exemplo, permanece por uma hora ‘fascinado’ pela confecção de um par de sapatos; um político ‘fascinado’ pela elocução de seu discurso; e uma mulher ‘fascinada’ pela carta que escreve a um amigo. Sem essa retenção mais elementar da atenção numa determinada direção, nenhum bom trabalho, seja de que espécie for, poderá ser produzido.

Existem assim três categorias no gasto comum ou difusão de matéria fina. O fluxo exterior pode vagar de objeto em objeto, da visão para a audição e desta para o pensamento à medida que um ou outro fenômeno chame sua atenção. Novamente, o fluxo para o exterior pode ser atraído por algo que exerça forte impressão na atenção – uma pessoa da qual gostamos, outra que nos irrita, um livro interessante, um som agradável, etc. Ou, finalmente, por um simples esforço de atenção, o fluxo pode ser mantido por certo tempo numa direção desejada.

Como dissemos, esses diferentes modos nos quais a matéria fina é normalmente consumida representam diferentes aspectos da função particular em atividade – um aspecto puramente automático, um aspecto emocional ou um aspecto intencional. Além do mais, elas são características de três processos distintos e produzem três grupos de resultados diferentes.

Ao mesmo tempo, todos eles são mecânicos e sua principal característica é que sua atenção só é suficiente para tornar possível que a matéria fina que traz o estado de alerta aplique-se a uma coisa de cada vez. Este é o estado ordinário do homem. Ele pode dar-se conta somente de uma coisa por vez. Pode dar-se conta ou da pessoa com quem está falando ou de suas próprias palavras; pode estar atento à indisposição de alguém ou à dor em seu próprio corpo; pode dar-se conta de uma cena ou de seus próprios pensamentos. Mas, exceto em ocasiões muito raras, não pode estar atento simultaneamente a suas próprias palavras e à pessoa a quem as está dirigindo; à sua própria dor e à dor de alguma outra pessoa; a uma cena e a seus próprios pensamentos. Assim, todos os ‘dar-se conta’ do homem em seu estado ordinário podem ser classificados como ‘fascinação’, pois, dando-se conta de algum fenômeno exterior, perde o dar-se conta de si mesmo; ou dando-se conta de algo nele mesmo, perde o dar-se conta do mundo exterior – ou seja, torna-se ‘fascinado’ por algo interno ou externo, com exclusão de todo o resto.

Certamente, a experiência de todo homem contém casos de atenção dividida e, não fosse assim, não teríamos indício algum de como proceder. Uma das razões para o extraordinário poder que as sensações do amor e do sexo têm sobre os homens, por exemplo, é que, em determinadas circunstâncias, elas trazem um intenso estado de alerta de si mesmo e do outro ao mesmo tempo. Essa é uma verdadeira degustação do estado seguinte de consciência. Mas, se essa sensação chega a homens completamente despreparados, ela é acidental e está além de seu controle.

Uma das principais coisas ensinadas nas escolas do quarto caminho é a divisão intencional da atenção entre si mesmo e o mundo exterior. Mediante longa prática e constante exercício da vontade, a matéria fina do estado de alerta não é permissivamente fluída numa só direção, mas dividida, uma parte sendo retida em si mesmo enquanto a outra é dirigida ao exterior em direção ao que quer que se esteja estudando ou fazendo. Pela divisão da atenção, o estudante aprende a dar-se conta de si mesmo enquanto fala com outro, de si mesmo enquanto permanece em determinado cenário, de si mesmo agindo, sentindo ou pensando em relação ao mundo exterior. Desse modo, aprende a lembrar-se de si, primeiro por alguns momentos e, logo, com freqüência crescente. E em proporção a seu aprendizado de lembrança de si, suas ações adquirem consistência e significação que eram impossíveis enquanto sua atenção movia-se unicamente de uma fascinação a outra.

A característica desse segundo estado, de lembrança de si, é a divisão da atenção. Existem várias coisas estranhas a respeito desse estado. Primeiro, por certas razões cósmicas, ninguém pode empreendê-la ou praticá-la até que lhe tenham falado dela ou explicado. Segundo, quando explicada, toda pessoa normal tem vontade e energia suficientes para captar um vislumbre momentâneo do que pode significar. Se ele deseja, pode, no momento em que ouve a respeito, tornar-se alerta de si mesmo e de seu meio ambiente, de si mesmo sentado numa cadeira lendo sobre uma nova idéia.

Mas essa lembrança de si não pode ser repetida ou mantida, exceto por esforço consciente, não pode acontecer por si mesma. Nunca se converte em hábito. E, no momento em que a idéia da lembrança de si ou da divisão de atenção é esquecida, todos os esforços, não importa o quanto sejam sinceros, degeneram-se mais uma vez em ‘fascinação’, isto é, no dar-se conta de uma coisa de cada vez.

Assim, é necessário assinalar que a estreita atenção colocada numa tarefa, o dar-se conta do corpo físico, o exercício mental de uma classe ou de outra, visões ou visualizações, mesmo dentro de emoções profundas, não constituem a lembrança de si. Tudo isso pode ser feito sem divisão de atenção, ou seja, podemos nos tornar ‘fascinados’ por uma tarefa, por um dar-se conta físico, por um exercício mental ou por uma emoção e, inevitavelmente, nos tornaremos fascinados no momento em que a atenção deixar de estar dividida entre o ator ou observador em nós mesmos e aquilo que observamos ou sobre o que atuamos.

Outra curiosa artimanha psicológica deve ser mencionada em conexão com o momento em que um homem escuta algo pela primeira vez a respeito da lembrança de si. Se ele a conecta com algo que já ouviu ou leu antes, com algum termo religioso, filosófico ou oriental com o qual já esteja familiarizado, a idéia imediatamente desaparece para ele, perde seu poder. Ela só pode abrir novas possibilidades para ele como uma idéia completamente nova. Se a conectarmos com alguma associação familiar, significa que ela ingressou na parte errada da mente, onde ficará arquivada como qualquer outro fragmento de conhecimento. Um choque foi desperdiçado e somente com grande dificuldade poderemos retornar à mesma oportunidade.61

Quando um homem escuta algo pela primeira vez a respeito da lembrança de si, se o toma seriamente, todos os tipos de novas oportunidades imediatamente se abrem para ele. Não pode compreender como nunca pensou nisso antes. Sente que tem apenas que o fazer e todas as suas dúvidas, artificialismos e dificuldades desaparecerão, e toda uma série de coisas se tornará possível e fácil para ele, as mesmas que antes considerava completamente fora de seu alcance. Sua vida toda será transformada.

Nesse sentimento, ele está tão certo quanto errado. Está bastante certo na crença de que, se ele pudesse lembrar-se de si mesmo, tudo seria diferente, tão diferente quanto ele imagina. Só que, a princípio, não vê a enorme resistência que há nele mesmo para dominar esse novo estado. Não percebe que, para alcançar a lembrança de si como um estado permanente ou mesmo para alcançar com freqüência momentos recorrentes dela, ele deve reconstruir sua vida completamente. Essa tarefa exigirá uma grande parte da matéria fina que sua máquina pode poupar ou produzir, toda a vontade e atenção que pode desenvolver pelo exercício mais constante. Terá que lutar contra e abandonar eventualmente todas as formas psicopáticas de queimar sua matéria fina, a qual forma agora parte tão familiar e aparentemente necessária da sua vida – rancor, irritação, indignação, autopiedade, todos os tipos de medos, todas as espécies de sonhos, todas as formas pelas quais se hipnotiza no satisfazer-se com as coisas como elas são. Sobretudo, deve querer lembrar-se de si, constante e permanentemente, não importa quão doloroso e desconfortável possa ser fazê-lo nem quão desagradável possam ser as coisas que ele vê em si mesmo e nas outras pessoas. No momento em que ele cessa de querer lembrar-se de si, ele perde em algum nível e por certo tempo a possibilidade de fazê-lo.

Ainda que à primeira vista possa parecer extraordinariamente simples, fácil e óbvia, a lembrança de si ou a prática da divisão da atenção requer na realidade uma reconstrução completa da vida de alguém e de pontos de vista tanto em relação a si mesmo quanto em relação aos outros. Enquanto acreditarmos que podemos alterar a nós mesmos ou a outras pessoas, enquanto acreditarmos ter o poder de fazer, ou seja, de tornar as coisas diferentes do que são, seja interna ou externamente, o estado de lembrança de si parece retirar-se de nós quanto mais esforços façamos para alcançá-lo. O que a princípio parecia estar à mão começa a parecer infinitamente distante e impossível de alcançar.

E, ainda assim, muitos anos de conflitos e fracassos podem ser necessários antes que cheguemos a um fato psicológico curioso que, na realidade, está conectado a uma lei muito importante. Esse fato é que, embora seja extraordinariamente difícil dividir nossa atenção em dois, é muito mais possível que ela seja dividida em três: ainda que seja extraordinariamente difícil lembrar-se de si e do meio ambiente simultaneamente, pode ser muito mais possível lembrar-se de si e do meio ambiente que nos cerca na presença de algo mais.

Como vimos, nenhum fenômeno é produzido por duas forças: todo fenômeno e todo resultado real requer três forças. A prática da lembrança de si ou da divisão da atenção está conectada à tentativa de produzir um certo fenômeno: o nascimento da consciência em si mesmo. E, quando isso começa a acontecer, a atenção reconhece com alívio e alegria não dois, mas três fatores – o próprio organismo, sujeito do experimento, a situação na qual esse organismo está exposto no momento e algo permanente situado num nível superior a ambos e que, sozinho, pode resolver a relação entre os dois.

O que é esse terceiro fator que deve ser lembrado? Cada pessoa deve encontrá-lo por si mesmo, assim como sua própria forma para ele – seja sua escola, seu professor, seu propósito, os princípios que aprendeu, o Sol, algum poder superior no universo ou Deus. Deve lembrar-se que ele e sua situação estão na presença de poderes superiores, estão ambos banhados pela influência celestial. Fascinado, ele está plenamente absorvido pela árvore que nota. Com a atenção dividida, vê tanto a árvore quanto a si mesmo olhando para ela. Lembrando-se de si, dá-se conta da árvore, de si mesmo e do Sol brilhando imparcialmente sobre ambos.

Falamos do mundo mineral, do mundo celular, do mundo molecular e do mundo eletrônico. A situação do homem, seus problemas, seu ambiente, dificuldades existentes no mundo material e celular – esta é a força passiva; a energia refinada de consciência dirigida por sua atenção existe no mundo molecular – esta é a força ativa. Aquela que pode resolver o eterno conflito entre esses dois mundos pode derivar-se somente de um mundo ainda mais elevado, o mundo do Sol, o mundo eletrônico. Como a luz do Sol, que une e interpenetra tudo, tanto criando quanto dissolvendo a individualidade, esse terceiro fator deve ser tal que, na lembrança dele, quem lembra está unido a seu meio ambiente, tanto adquire quanto perde a individualidade separada.

Se um homem puder descobrir esse terceiro fator, a lembrança de si torna-se possível para ele, podendo trazer-lhe muito mais do que indicou no início.

Assim, a lembrança de si sempre deverá conter três princípios, três coisas a serem lembradas. E, se uma está só e ocupada com alguma tarefa interna, é necessário então lembrar-se de três mundos em si mesmo, três lugares em si mesmo.

Por essa divisão da atenção em três, a matéria fina que é a condutora da força criativa do homem está dividida em três correntes – uma dirigida à ação direta no mundo exterior, outra dirigida no sentido de criar uma conexão com forças superiores e a outra retida em si mesmo. Aquela que é retida em si mesmo, ao longo do tempo seria cristalizada num veículo permanente de autoconsciência, ou seja, numa alma.

Ao mesmo tempo, deve ser lembrado que, onde quer que três forças atuem juntas, seis ordens e seis processos serão possíveis. Assim, pode haver uma lembrança de si para destruição, uma lembrança de si para cura e uma lembrança de si para crime. E, além dessas, a única e verdadeira lembrança de si: a lembrança de si para regeneração. Disso, concluímos que o homem deve priorizar aquelas forças ocultas e superiores e colocar a si mesmo e a sua alma passivamente a serviço delas, invocando como resultado aquela plenitude de vida e luz à qual apenas esse processo aspira.

Podemos tratar agora da relação entre consciência e memória.

A memória comum é um impulso que se move ao redor do círculo da vida do homem apenas na direção do tempo. Surge de um momento de grande conscientização; se não há consciência moral, nenhuma memória é criada. Memória é o traço potencial da lembrança de si.

Aqui é possível uma analogia muito exata. Em relação à linha unidimensional da vida corpórea do homem, sua essência é bidimensional; conecta simultaneamente todos os pontos da linha, criando uma superfície. Em relação à superfície da essência do homem, a alma seria um sólido tridimensional, pois não apenas conectaria todos os diferentes pontos da sua vida e toda a superfície de sua essência, como também uniria estes a outras possibilidades e forças existentes em outra dimensão. Imaginemos que o círculo corpóreo do homem seja um fio, que a superfície conectiva de sua essência seja um disco metálico e a alma potencial seja um prisma sólido do qual a essência é como que uma seção isolada. O fenômeno da consciência será agora exatamente análogo ao calor.

Nossa sensação usual do viver é como se fosse um ponto de rápido calor que avança ao redor do círculo. Mas imaginemos um momento de consciência, digamos, aos quinze anos de idade. Nesse ponto, o fio esquenta. Impulsos de calor correm ao longo do fio em ambas as direções a partir desse ponto. Mas, naturalmente, para uma percepção que se move adiante, ao largo do fio a partir do ponto em questão, como estamos acostumados a nos mover no tempo, sempre lhe parecerá que procedem de trás, ou seja, do passado. A condução do calor ou memória para trás, isto é, em direção a uma idade mais precoce, nos será desconhecida por causa do nosso método de percepção. E, novamente, quanto mais nos distanciarmos do momento de consciência, do ponto aquecido, mais fracos parecerão os impulsos. A memória, como todos sabemos, vai-se desvanecendo gradualmente.

Ao mesmo tempo, ainda que a memória dos momentos de consciência apresente uma tendência a desaparecer, é importante compreender que esse desvanecimento não é conseqüência da passagem do tempo. Nossa principal ilusão sobre a memória é que ela declina com o tempo, como as roupas ou os edifícios. Não é assim. Ela declina pela falta de nutrição. Memória é gerada por consciência moral e deve ser nutrida por consciência moral, isto é, deve ser nutrida conscientemente.

Na verdade, memória é um fenômeno que não está sujeito às leis do tempo. O homem que realmente começa a compreender isso encontrará novos mundos abrindo-se perante ele e verá praticamente como entrar e possuir tais mundos.



Examinemos primeiro como a memória é perdida e então como pode ser cultivada e trazida à vida.

Como dissemos, a razão mais freqüente para a perda de memória é unicamente negligência e inanição. O homem comum, em circunstâncias comuns, não faz esforços de nenhuma espécie para manter as memórias vivas, alimentá-las, recordá-las e prestar atenção nelas. A menos que sejam tão agradáveis ou dolorosas que a própria emoção as retenha em sua consciência, elas desaparecem naturalmente. Esta é a perda passiva de memória.

Mas há também uma destruição ativa da memória. Acha-se na substituição da memória pela imaginação ou, mais simplesmente, pela mentira. Dou, por exemplo, um passeio pela rua onde encontro um conhecido. A princípio, o encontro pode ser bastante claro em minha mente – o que eu disse, o que ele disse, como ele parecia e assim por diante. Mas, quando chego em casa, recapitulo o incidente para minha família. Ao fazê-lo, torno o incidente todo mais divertido e dramático do que realmente foi – faço minhas próprias observações mais engenhosas e as dele mais estúpidas; sugiro algo acerca de seus hábitos, talvez introduzindo outro caráter, ou adapto a conversa de modo a poder inserir uma piada que ouvi ontem. Depois não recordarei mais do fato como realmente foi, mas somente como o recontei. A imaginação e a mentira destruíram a memória.

E, se passo toda minha vida desse modo, certamente após alguns anos será totalmente impossível para mim distinguir o que realmente me aconteceu do que eu queria que tivesse me acontecido ou temesse que pudesse me acontecer. Ou ainda do que aconteceu a outros ou que eu meramente tenha lido a respeito. Dessa forma, a memória é ativamente destruída. A diferença está no fato de que, enquanto a memória que se perde por negligência ainda permanece intacta, embora enterrada, e, com duros esforços, pode ser recuperada, a memória destruída por mentira é danificada para sempre, quando não absolutamente aniquilada.

Da mesma maneira que a plena circulação de sangue pelo corpo é necessária à saúde física e ao crescimento, assim também a plena circulação de memória através do longo corpo da vida do homem é necessária à saúde e ao crescimento da essência. Onde a circulação de sangue falta, onde órgãos são bloqueados ou obstruídos de seu fluxo, a enfermidade inevitavelmente se abate. Assim também ocorre na seqüência temporal da vida. Aqueles anos, meses, incidentes ou relacionamentos que não desejamos recordar começam a ulcerar-se por falta de compreensão. Um bloqueio se forma, um ‘complexo’ se desenvolve e, sem nosso conhecimento do que está acontecendo, o presente torna-se intoxicado por aquilo que não queremos lembrar.

Vários sistemas psicológicos modernos reconheceram essa conexão entre a livre circulação da memória e a saúde psíquica. Alguns na verdade sustentaram que o fluxo de memória pode ser reportado até mesmo ao período anterior ao nascimento. Pacientes sob hipnose pareciam descrever as sensações do embrião no útero. Um deles, entrevistado pelo dr. Denys Kelsey, falou até de um estado anterior a esse: “Estava escuro, ainda que repleto de cores de indescritível beleza; havia silêncio completo, ainda que o lugar estivesse preenchido de música celestial; havia quietude, ainda que tudo estivesse vibrando.”

Enquanto isso, o que tem sido negligenciado por tais sistemas é que a perda da memória não pode ser corrigida por qualquer método mecânico ou tratamento, a não ser conscientemente, por vontade e compreensão.

Imaginação, lembrança de si e memória implicam trabalho consciente no futuro, presente e passado, respectivamente.

Como então as memórias podem ser reanimadas e utilizadas? Apenas lhes devolvendo a vida intencional e conscientemente. Suponhamos que eu tenha uma razão particular para querer recordar um encontro com algumas pessoas – parece-me que cometi um erro em relação a elas ou deixei de aproveitar alguma oportunidade que me ofereciam e é muito importante que eu corrija isso. Cuidadosamente, com atenção, começo a desenrolar minha memória. Lembro-me de bater à porta do apartamento em que estavam, sinto que me abrem a porta, vejo-me entrando e sentando. Lembro-me da posição em que estavam sentadas, das cadeiras, dos móveis, dos quadros nas paredes e de como a luz caía sobre a cena vinda da janela. Logo lembro do que disse, da minha voz, de como me senti, de como as outras pessoas reagiram, do que disseram e assim por diante. Gradualmente, se mantenho minha atenção, todos os meus diferentes sentidos – de visão, sons, tato e humor – começarão a contribuir com suas distintas memórias e, pouco a pouco, a cena recuperará seu vigor em meu interior exatamente como foi. De uma vez, meu erro também reordena-se. Vejo-o claramente: tornou-se consciente.

Que eu possa ou não endireitar as coisas no presente ou aproveitar a oportunidade que perdi, são diferentes questões. Tal correção pode precisar de muito pouco tempo e pode até nem ser possível nesta vida. Mas o principal é que a consciência moral foi reportada ao passado. Sou mais consciente agora em relação ao incidente do que o era quando ele efetivamente ocorreu. Nesse sentido, por memória intencional, momentos adicionais de consciência moral podem sempre ser adicionados àqueles que ocorreram naturalmente na seqüência do tempo. E, para esse processo de tornar o passado mais consciente, não há limite.

Se esses pontos de aumento de consciência no círculo da vida são multiplicados suficientemente, podemos imaginar que seria gerado calor bastante para afetar a essência do homem e, com o tempo, até mesmo o sólido de sua alma, embora a tarefa de aquecer algo de maiores dimensões a partir de alguma coisa menor – um disco a partir de um fio ou a essência a partir da personalidade, por exemplo – deva ser algo certamente imenso. A exemplo disso, se o calor tivesse que ser transferido da superfície da essência para o sólido da alma, a mesma desproporção seria aparente.

De fato, tal método de aquecimento é manifestamente pouco prático. E, da mesma forma, a idéia de criar consciência na alma exclusivamente a partir de baixo, por assim dizer, vai contra toda a crença e experiência humanas. Temos que supor que seus esforços por se tornar consciente podem mais cedo ou mais tarde levar o homem ao contato com uma fonte de calor ou consciência moral acima dele. A fonte de consciência deve ser considerada a favor de um mundo de mais dimensões.

Num sentido prático, na verdade, é claro que, mesmo a idéia de consciência penetrando profundamente dentro da essência de um homem fará com que ele procure por homens mais conscientes que ele e por ‘escolas’ dirigidas por tais homens. Portanto, seu interesse especial atuará magneticamente como que o atraindo para aqueles em cuja presença ele possa realmente adquirir mais consciência. E, se for um interesse verdadeiramente essencial, não lhe dará descanso até que os encontre.

Além disso, se um homem começa realmente a adquirir os rudimentos de um princípio permanente de consciência ou alma, é certo que essa alma, em virtude de sua penetração dentro de outra dimensão, pode conectá-lo a algum nível de universo em que a energia cósmica criativa seja ilimitada, podendo ser empregada para intensificar a consciência até o limite da resistência. Voltando à nossa explicação anterior, podemos supor que a alma pode relacionar diretamente um homem de matéria em estado molecular ao mundo infinito da energia molecular.

Então, na busca da consciência, precisa-se primeiro compreender que o homem deve fazer tudo por si mesmo – isto é, ele deve penetrar em outro nível somente por seus próprios esforços – e, segundo, que ele não pode fazer nada por si mesmo – ou seja, todo seu empenho deve ser contatar fontes e níveis de energia superiores; pois, a menos que tenha êxito ao fazê-lo, não poderia e nem pode conseguir nada.

Em todo caso, agora é possível começar a apreciar o efeito dos diferentes níveis ou graus de consciência moral. Momentos de consciência moral no círculo da vida corpórea produzirão memórias intensas para os outros momentos da vida e deveriam teoricamente produzir impulsos que retrocedam em direção ao nascimento. Pudessem, todavia, os efeitos da consciência moral começar a penetrar a essência, mudanças muito maiores teriam lugar. Muito embora um fio perca calor quase que instantaneamente, um disco pode reter calor por um tempo muito maior. Em lugar de ser momentânea, como deve ser no círculo da existência corpórea, a consciência que penetrou na essência já tem certa duração, certa garantia. Não pode ser perdida subitamente. Além do mais, irradiará calor em todas as direções, aquecendo o entrelaçamento de círculos paralelos e cruzados da inter-relação de vidas humanas que, sabemos, estão tecidos numa massa sólida e inextricável. Assim, o contato ou presença de um homem com tal essência pode realmente aumentar a perspicácia daqueles que chegam dentro de sua esfera de radiação ou influência.

Pudesse o sólido interno tornar-se quente, isto é, tivesse um homem criado nele uma alma consciente a partir do material de conscientização acumulado, uma mudança enorme teria resultado. Em primeiro lugar, um sólido aquecido pode na verdade reter calor por um tempo muito maior. Para tal homem, a consciência moral se terá tornado permanente, o fogo central de seu ser. Mais ainda, irradiar-se-á sobre uma área extensivamente maior, talvez cem vezes maior que aquela aquecida só pela irradiação da essência.

Temos assim uma base para classificar os homens de acordo com seu grau de consciência moral. Primeiro há a enorme massa de homens comuns nos quais a consciência, se realmente existe, ocorre apenas momentaneamente e por acidente no curso da vida corpórea. Segundo, existem aqueles para quem a idéia de consciência penetrou na essência e assim adquiriu duração e confiabilidade. E, finalmente, existe um punhado de homens espalhados pela história e pelo mundo que criaram almas conscientes para si mesmos e para quem a autoconsciência é permanente e por cujo intermédio têm o poder de influenciar milhares ou mesmo milhões de homens.

Finalmente, e invisivelmente, podem existir homens de espírito consciente.

A verdadeira história da humanidade é a história da influência desses homens conscientes.




III O Papel dos Tipos Humanos

Nove décimos dos problemas da psicologia comum e mais ainda, dos argumentos de literatura, poesia, drama e lendas dependem da interação de tipos humanos, ou seja, da interação de diferentes tipos de essência. Desde o princípio da história, o homem nunca deixou de ser fascinado por esse mistério que preenche sua vida diária com esperança, inveja, temor, dor, admiração e anseios, cuja explicação sempre o engana.

Todos os tipos são claramente necessários no mundo e a vida seria obviamente mais pobre, se não impossível, sem qualquer um deles. Ainda assim, por que alguns tipos são obviamente incompatíveis e outros se atraem irresistivelmente? Por que alguns querem apenas ser mais intensamente o que são enquanto outros se esforçam incessantemente por tornar-se seus opostos? Por que certos tipos podem apenas se compreender mutuamente na presença de um terceiro? E assim sucessivamente.

Tudo isso fica sem resposta, a menos que comecemos a estudar a humanidade como um cosmos e consideremos os diferentes tipos de homens como funções igualmente essenciais, mas completamente diferentes – cada função com suas próprias capacidades inatas, potencialidades, debilidades e com uma afinidade para uma parte diferente e distinta do universo.

Antes de fazê-lo, porém, recapitulemos o que tínhamos estabelecido sobre a natureza de um cosmos em geral. Um cosmos é uma criatura completa, feita de um modelo universal contendo dentro de si todas as possibilidades, incluindo-se aquelas de autoconsciência e autotransformação. Consiste de três partes, cada uma das quais recebendo um tipo diferente de alimento ou sustento de fora e seis funções principais que digerem, transformam, utilizam e combinam esses três alimentos, criando a partir deles toda a energia, matéria e compreensão da qual o cosmos é capaz. As seis funções e os três alimentos dão origem a muitos processos internos diferentes que se desenvolvem de acordo com a lei musical das oitavas, na qual as funções ocupam lugar das notas completas e os alimentos inteiram os meios-tons conhecidos.

Quando estudamos o Sistema Solar sob o aspecto de um círculo dividido em nove partes (Capítulo 6, II), vimos que suas seis funções manifestavam-se por intermédio dos planetas visíveis, enquanto que os meios-tons estavam ocupados por algum tipo de força invisível ou influência. Se tomarmos o mesmo círculo para representar a humanidade, poderemos situar os diferentes tipos planetários em seus lugares correspondentes e os alimentos serão então os mesmos que nutrem um homem individual, ou seja, alimento material, ar e percepções do mundo externo derivados da luz.

Contudo, devemos recordar ao mesmo tempo que cada um desses ‘alimentos’ deve ter um aspecto comum ou inconsciente, no qual é absorvido por homens comumente inconscientes, e um aspecto consciente, no qual nutre homens que alcançaram consciência. ‘Alimento consciente’ é normalmente desconhecido para nós, mas temos que supor que ele é a forma na qual a divindade torna-se acessível aos homens, tendo êxito em certos casos ao transformá-los a partir de seu estado natural. Três tipos de ‘alimentos conscientes’ são distinguidos claramente no Novo Testamento sob os nomes de ‘pão de cada dia’, ‘alento da vida’ e ‘luz do mundo’. Ainda assim, pode ser mais correto dizer que os mesmos três tipos de alimento disponíveis para a humanidade em geral parecem inconscientes para homens inconscientes, mas são vistos como conscientes por homens conscientes.

O que nos concerne aqui, todavia, é a circulação interna que conecta as diferentes funções e que, no Sistema Solar, estabelecemos como circulação de luz ou ‘escala de brilho’. Reconhecemos o Sol como a luz em absoluto, refletido com brilho reduzido pela Lua, por Vênus e por Mercúrio dentro da órbita da Terra e por Saturno, por Marte e por Júpiter fora da órbita desta. A Lua, Vênus, Mercúrio, Saturno, Marte e Júpiter representavam uma ordem definida de circulação. Se substituíssemos os tipos planetários pelos próprios planetas, haveria alguma circulação semelhante através de homens lunares, venusianos, mercuriais, saturninos, marciais e joviais. E, como vimos na última parte, tal circulação livre traria saúde e crescimento.

Assim, certa circulação conecta toda a humanidade, flui através de todos os tipos dos quais é composta, mas numa ordem definida. Essa circulação não é temporal, não se desenvolve através do tempo, mas se entrecruza com ele, unindo todas as partes e idades da humanidade. E conduz homens individuais em sua corrente, assim como a corrente sangüínea conduz os glóbulos vermelhos dos quais é composta.

Quando estudamos os tipos, nós os consideramos como fixos, estáticos e imutáveis. E, estudando as glândulas das quais derivam suas características, vimos como inevitavelmente eles devem, em seu estado estático, afetarem-se uns aos outros. Vimos como os tipos lunar e marcial, assim como o pâncreas e as supra-renais, são complemento natural e antítese um do outro e como o marcial e o mercurial, assim como as supra-renais e a tireóide, são rivais naturais. Sendo os homens mecânicos como são, todas essas reações são perfeitamente confiáveis.

Como dissemos anteriormente, o primeiro mandamento no caminho do desenvolvimento é que o homem liberte a si mesmo da pretensão e imitação, que descubra como reage, descubra a natureza de seu tipo e trate de viver de acordo. Deve aprender a ser ele mesmo.

Mas a circulação de que agora falamos refere-se a algo completamente diferente – refere-se à possibilidade de movimento para os homens, a possibilidade de escapar da limitação de seu tipo e realizar a transição para uma função diferente da humanidade.

Quando pensamos nisso na prática, percebemos que não se refere a algo que aconteça dentro do tempo de vida de um homem. Um garoto saturnino, com seus longos e delgados ossos e preocupações internas, não se converte num homem marcial baixo, ardente e ‘extrovertido’. O corpo com o qual um homem nasce permanece mais ou menos o que era e desenvolve as mesmas características de seu princípio.

Logo, essa circulação deve referir-se a algum movimento cósmico na escala de toda a humanidade e, num homem individual, aparecerá somente como uma tendência. Mas essa tendência, implantada nele pela circulação cósmica da humanidade, representará para ele pessoalmente uma melhoria, a direção do desenvolvimento. O obstinado tipo lunar deve adquirir o calor e a simpatia do venusiano, o preguiçoso venusiano deve cultivar a rapidez e agilidade do mercurial, o inquieto mercurial deve adquirir a amplitude e sabedoria do saturnino, o introspectivo saturnino deve alcançar a coragem e o vigor do marcial, o destrutivo marcial deve adquirir a facilidade e atração do jovial e o intrigante jovial deve voltar a aprender a fria certeza instintiva do lunar – num nível mais elevado.

Isso não significa que alguns tipos sejam objetivamente melhores que outros, que homens do tipo adiante do meu sejam no geral mais avançados que aqueles do meu tipo. O próximo tipo está apenas à frente de mim, em meu caminho pessoal. Todos os tipos são iguais, todos necessários e desfrutando da mesma oportunidade – de movimento ou estagnação. O que é importante não é que ser desse tipo seja prejudicial a ser de outro, mas sim soar como um tipo, reconhecer os outros e não se cristalizar em qualquer um deles. Além do mais, é provavelmente muito mais correto visualizar os indivíduos com a formação de tríades de três tipos sucessivos com seu centro de gravidade no intermediário – lunar-venusiano-mercurial ou saturnino-marcial-jovial, por exemplo – do que exclusivamente de um único tipo.

Em todo caso, se agora recordarmos que na escala do Sistema Solar a circulação representou aumento e redução de brilho, veremos que isso também tem um paralelo psicológico que o conecta com o que já dissemos. As pessoas, assim como os planetas, também se estão movendo, ou potencialmente se movendo, seja para o brilho ou para a individualidade. Cada um de nós, ao rever seus conhecidos, sentirá que alguns deveriam expressar-se com maior vigor, que deveriam ‘sair de si mesmos’, brilhar, crescer mais em brilho, enquanto outros, pelo contrário, deveriam tornar-se mais quietos, menos demonstrativos, menos vistosos, mais invisíveis. Num dos casos, o movimento em direção ao brilho é progresso, no outro é o movimento em direção à invisibilidade. E nossa estranha circulação entre os tipos, representada pela figura 142857, mostra como isso acontece.

O quanto um homem não auxiliado pelo trabalho especial das escolas possa realmente mover-se ao longo do caminho em direção ao próximo tipo é muito duvidoso. Mas sua atitude em direção a outros tipos, tanto o que está deixando para trás quanto aquele na direção para o qual se move, pode na verdade variar muito. E essa atitude serve como índice de seu ser, seu grau de consciência.

O tipo mais elementar e primitivo de homem pode sentir que as reações de seu tipo são as únicas normais e, neste caso, as ações de todos os demais tipos parecerão fundamentalmente equivocadas e perversas. Ou, se é débil e fracassado como indivíduo, pode, pelo contrário, sentir que todas suas reações próprias estão equivocadas e que aquelas de todos os demais tipos são mais desejáveis. Ambos os casos representam o homem completamente subjetivo, o homem sem tendência alguma ao movimento, que ocupa um ponto fixo na linha de circulação.

Um homem de maior desenvolvimento notará que possui uma simpatia natural e compreensão por certos tipos e antipatia natural e falta de compreensão para com outros. E pode até chegar a sentir de modo vago em si mesmo reações completamente diferentes e contraditórias em épocas distintas. Sem saber o porquê, poderá chegar a cansar-se ocasionalmente das qualidades de seu tipo, enfadado com suas próprias reações, e verá que, esporadicamente, surgem nele as manifestações mais mecânicas do tipo para o qual se move. O venusiano desenvolverá um gosto para o movimento sem rumo, o mercurial cairá em vagas especulações, o saturnino dará vazão a ímpetos marciais e assim por diante.

Tal homem já se tornou menos subjetivo, menos fixo. Seu ser começou a estender-se ao longo da linha tanto para frente quanto para trás e já desfruta de uma vaga compreensão de que existe um esquema de tipos, ainda que não possa apreendê-lo de todo. Mas seu movimento, se há, é mecânico ainda, ou seja, ele se move somente em direção a manifestações fracas e fáceis do próximo tipo e tenta escapar somente dos aspectos mais penosos ou aborrecidos de seu próprio tipo.

A próxima etapa de desenvolvimento, que raramente é alcançada sem ajuda especial e preparação, é aquela do homem que compreendeu completamente que existe um esquema de tipos no qual todos são igualmente necessários e valiosos, que descobriu seu próprio tipo e aquele para o qual se move e que faz esforços conscientes para abandonar um e alcançar outro.

Em tal homem, as reações mecânicas entre os tipos já estarão muito mais modificadas. Aceitará os outros como são, pois ele começará a compreender o verdadeiro papel das pessoas que previamente pareceram-lhe completamente inúteis e irritantes. Sua atitude para consigo também será muito diferente. Verá certos traços mecânicos de seu tipo como algo do qual deve libertar-se, ou seja, algo que deve morrer nele. E verá todas as possibilidades e responsabilidades do tipo à frente como algo que tem de ser intencionalmente criado nele, como algo que tem que nascer. Assim ele cessará de aceitar a si mesmo como é. Haverá empreendido uma incessante e dupla tarefa, a de eliminar o velho e gerar o novo em si mesmo. O primeiro será extremamente doloroso, o último extremamente árduo. Mas ele compreenderá que essa dor e esse esforço são exatamente o que pode gerar a força de fazê-lo mover-se.

Tal homem já tem uma certa percepção de todas as partes da linha e começarão a abrir-se para ele possibilidades inteiramente novas por seu movimento consciente com a corrente cósmica. Mais ainda, tornando-se livre do lado débil de seu tipo abandonado, verá que está capacitado para levar com ele em essência toda a experiência e compreensão conquistadas dele. Ao mover-se, perde apenas suas limitações. O progresso de tal homem em direção a uma compreensão do todo torna-se assim amplamente acelerado. E ele pode com sorte e ajuda, mesmo que num só tempo de vida, passar pelas tarefas e acumular a experiência de vários tipos diferentes. Seu movimento é uma reunião de experiências para a expansão da consciência.

Na etapa final desse movimento, do jovial para o lunar – mas agora num nível superior –, uma possibilidade especial interessante surge. Como vimos no capítulo sobre a circulação da luz no Sistema Solar, o lugar da Lua ou ponto um também é ocupado na invisível ou próxima oitava pelo planeta Netuno. Assim, podemos dizer talvez que o verdadeiro movimento para o tipo jovial não é voltar para o lunar, mas avançar para um sétimo, ainda que potencial, tipo netuniano. Se pensarmos na afinidade entre Netuno e a glândula pineal e, através desta, no processo de regeneração em geral, compreenderemos que o tipo netuniano poderia significar uma classe de homem completamente nova, em quem os esforços em direção à consciência renderam frutos físicos e que efetivamente remodelou seu corpo de acordo com novos poderes.

O movimento 142857 é de fato o caminho em direção à consciência, em direção à criação de uma alma. Uma alma é precisamente o que une todos os tipos, reconciliando-os e dando compreensão tanto das partes quanto do todo. No ponto em que se torna consciente de si mesmo, um homem começa a absorver os três tipos de alimentos mais em seus aspectos conscientes que nos inconscientes. Ao fazê-lo, ele vê o plano superior por trás de tal consciência e começa a participar dele.

Falamos do movimento em direção ao brilho e do movimento em direção à invisibilidade. Como vemos na figura da circulação, um homem que começa a mover-se conscientemente é conduzido a um passo sempre acelerado até um desses dois extremos e até o ponto onde ambos os extremos se encontram. O homem que se move em direção consciente à invisibilidade é o homem que abandonando seu velho eu, retira-se cada vez mais do mundo, retrocede cada vez mais profundamente em sua compreensão interior e aprende a alcançar, atuar e cumprir invisivelmente sem meios externos. O homem que se move conscientemente em direção ao brilho é aquele que, tendo também abandonado seu velho eu, é projetado num papel cada vez mais voltado ao exterior, de influência cada vez maior sobre os homens, coragem cada vez maior, liderança e heroísmo visível, de acordo com algum plano superior.

Num certo ponto, como vimos no Sistema Solar, cruzam-se as duas linhas. O caminho da invisibilidade, de pronunciada extinção da personalidade individual, funde-se ao caminho do brilho de pura instrumentalidade de um plano cósmico. Ambos os homens desfrutam de tudo, são livres de tudo, compreendem e são tudo. Esse ponto de intersecção das duas linhas está simbolizado pela morte e, em todos os casos que possamos imaginar, implica morte.

61. A extraordinária fugacidade desse novo estado psicológico, acessível além do estado habitual em que o homem vive, está muito bem descrito por P. D. Ouspensky em ‘Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido’, Capítulo VII, onde o autor descreve com grande precisão seus próprios experimentos e experiências quando pela primeira vez ouviu falar na idéia de lembrança de si.

Figura 11

Figura 12: Os Tipos da Humanidade