segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo I - A Estrutura do Universo

I O Absoluto



Filosoficamente, o homem pode conceber um Absoluto. Tal Absoluto abrangeria todas as dimensões possíveis no tempo e no espaço. Ou seja:

Incluiria não apenas o universo inteiro que o homem pudesse perceber ou imaginar, mas todos os demais universos semelhantes que pudessem ser encontrados além de seu poder de percepção.

Incluiria não apenas o momento presente de tais universos, mas também seus passados e futuros ou o que isso pudesse significar em suas escalas.

Incluiria não apenas tudo o que fosse realizado no passado, presente e futuro de todos os universos, mas também tudo o que potencialmente pudesse ser realizado neles.

Incluiria não apenas todas as possibilidades para todos os universos existentes, mas também todos os universos em potencial, mesmo aqueles que não existissem ou nunca viessem a existir.

Tal concepção é puramente filosófica para nós. Logicamente, deve ser assim, mas nossa mente é incapaz de captar tal fórmula ou dotá-la de sentido.

No próprio momento em que pensamos no Absoluto, pensamos nele já alterado, seja de uma forma ou de outra. Temos de pensar nele na forma de algum corpo, qualidade ou lei. Tal é a limitação de nossa mente.

O efeito ou influência de um corpo sobre outro varia em três sentidos:


(a) Na proporção inversa ao quadrado de sua distância4 – medimos esse efeito como radiação, ou efeito ativo do maior sobre o menor.

(b) Em proporção direta à sua massa – tal efeito é medido como atração ou efeito passivo do maior sobre o menor.

(c) Em proporção direta à sua distância – tal efeito é medido como tempo ou efeito retardado entre a emissão da influência do maior e sua recepção pelo menor.

Estas constituem, com efeito, as três primeiras modificações da unidade, as três primeiras modificações do Absoluto. Imaginemos uma esfera de ferro incandescente representando a unidade. Sua composição, peso, tamanho, temperatura e radiação constituem algo, um ser. Mas seu efeito sobre o que a circunda desenvolve-se de acordo com três fatores – ilumina-os e aquece-os na proporção inversa ao quadrado de sua distância, impulsiona-os em proporção direta à sua massa e afeta-os após certo retardamento em proporção direta à sua distância. Se sua massa e radiação forem constantes, esse terceiro fator, ainda que realmente presente, permanecerá invisível e imensurável. Mas, em relação aos objetos que estiverem em diferentes relações a essa esfera radiante, o efeito combinado desses três fatores será diferente e distinto. Assim, as variações no efeito dessa unidade radiante, apesar da interação desses três fatores, tornam-se infinitas.

Dessa forma, já afirmamos aqui duas coisas: uma unidade radiante e seus arredores. Imaginemos agora uma esfera na qual o pólo sul seja incandescente e o pólo norte esteja a 0º. Se supusermos que essa esfera seja fixa em sua forma, tamanho e massa, quanto maior o calor no pólo sul, maior a calefação de matéria em seus arredores e, portanto, maior a condensação de matéria nos arredores do pólo frio. Se esse processo for projetado ao infinito, radiação e massa separar-se-ão completamente, o pólo sul representando pura radiação e o pólo norte pura massa. Assim, dentro da própria esfera, esses três fatores – radiação, atração e tempo – criarão um número infinito de condições físicas e de relações entre um pólo e outro. As três modificações da unidade terão criado uma variedade infinita.

Qualquer ponto da esfera receberá uma quantidade definida de radiação do pólo sul, sentirá um grau definido de atração do pólo norte e estará separado de ambos os pólos (seja recebendo impulsos ou refletindo-os de volta para os pólos) em períodos definidos de tempo. Juntos, esses três fatores comporão uma fórmula que fornecerá uma definição perfeita de qualquer ponto particular da esfera, o que indicará exatamente sua natureza, possibilidades e limitações.

Se chamarmos de céu o pólo norte e de inferno o pólo sul, teremos uma figura que representará o Absoluto da religião. No presente, contudo, nossa tarefa é aplicar esse conceito ao Absoluto da astrofísica, a esse quadro do Todo que a ciência moderna luta para discernir através de distâncias insondáveis e durações inimagináveis que agora se abrem diante dela.

Temos de imaginar toda a superfície da nossa esfera universal, com seus dois pólos de radiação e atração, sendo salpicada por galáxias em crescimento, assim como a superfície do sol é salpicada de vórtices de fogo. Esse ‘crescimento’ de galáxias implica expansão de um pólo de absoluta unidade em luz à infinita extensão de multiplicidade, distância e contração de volta a um pólo de absoluta unidade em matéria. Mesmo assim, os pólos de luz e de matéria não são nada mais que extremos opostos do mesmo eixo. E todo esse ‘crescimento’ é apenas a superfície do universo na eternidade.4a

Essa esfera universal não está sujeita à medida ou à lógica humana. Tentativas de medições realizadas em diferentes formas reduzem ambas ao absurdo, e deduções igualmente plausíveis sobre ela conduzem a conclusões diametralmente opostas. Isso não é surpresa quando lembramos que ela é a esfera de todas as possibilidades imagináveis e inimagináveis.

Olhando, por exemplo, de nosso ponto infinitesimal no interior de um ponto para a superfície dessa esfera, os homens podem fotografar com telescópios galáxias cuja luz leva um milhão de anos para nos alcançar. Ou seja, eles vêem essas galáxias como elas eram há um milhão de anos. Ao mesmo tempo, a ciência moderna também acredita que toda essa esfera infinita tenha sido criada há somente cinco milhões de anos, numa explosão momentânea de luz num único lugar, e que, desde então, ela esteja expandindo-se. Suponhamos então que os telescópios fossem cinco vezes mais penetrantes que aqueles existentes hoje. Os astrônomos veriam então a criação do universo. Veriam a criação de nosso próprio universo no começo do tempo por infinita penetração na distância.

Tais anomalias são possíveis somente numa esfera universal do tipo que nós imaginamos, em que um pólo representa radiação ou o ponto de criação e o outro pólo atração ou o ponto de extinção e em que todos os pontos estão assim simultaneamente conectados e separados pela interminável superfície curva do tempo.

De certo ponto de vista, todas as galáxias e todos os mundos podem ser vistos como se estivessem movimentando-se lentamente do pólo de radiação para o equador de expansão máxima apenas para reduzirem-se novamente até o pólo final de massa. De outro ponto de vista, pode ser a força de vida, a própria consciência do Absoluto quem esteja fazendo essa interminável peregrinação. E novamente, de acordo com nossa própria definição do Absoluto, todas as partes, possibilidades, tempos e condições dessa esfera universal devem existir juntas, simultânea e eternamente, mudando continuamente e permanecendo as mesmas.

Em tal esfera, todos os diferentes conceitos da antiga e moderna física podem unir-se. A esfera toda é aquele espaço fechado postulado por Riemann. A nova idéia de um universo em expansão, que duplica suas dimensões a cada 1.300.000.000 de anos, é uma expressão do movimento do pólo de radiação para o equador de expansão máxima. Aqueles que o descrevem como criado no fogo absoluto e que se faz cada vez mais frio até sua morte final por esfriamento e condensação têm os olhos no movimento inverso. Einstein, na tentativa de satisfazer a necessidade de uma terceira força com sua intangível e incomensurável ‘repulsão cósmica’, agrega a esse quadro de dois pólos a superfície mediadora e conectante de retardamento ou tempo.

Todas essas teorias são igualmente corretas e incorretas, assim como as daqueles cegos de um conto oriental que, ao descreverem um elefante pelo tato, um deles dizia que ele era como uma corda, outro como um pilar e um terceiro ainda como duas fortes lanças.


Tudo o que podemos dizer é que o Absoluto é Um e que, dentro dele, três forças, diferenciando a si mesmas como radiação, atração e tempo, criam entre elas o Infinito.

II A Via Láctea no Mundo das Nebulosas Espirais


Entretanto, dentro do Absoluto, podemos considerar as maiores unidades reconhecíveis pelo homem. São as nebulosas galácticas, perto do centro de uma das quais, conhecida como Via Láctea, existe o nosso Sistema Solar. Ainda que a existência de outras nebulosas além da nossa tenha-se tornado conhecida somente com modernos telescópios, milhões delas estão evidentes agora e centenas têm sido claramente observadas. A mais próxima está a 800.000 anos-luz de distância e está para nossa Via Láctea assim como um homem a vinte passos de outro.

A aparência dessas nebulosas, cada uma das quais consistindo de incontáveis milhões de estrelas, é muito diferente. Algumas parecem linhas de luz, outras têm forma de lente e outras ainda são como espirais nas quais torrentes de sóis parecem brotar do centro como uma chuva radiante. Essa variação deve-se, em parte, ao estágio de crescimento das próprias nebulosas e, em parte, ao ângulo pelo qual são vistas.

A maioria das nebulosas, incluindo-se a Via Láctea, tem de fato o mesmo padrão básico. São aparentemente vastos discos de estrelas separados por infinitos de distância uns dos outros; tão imensos que as estrelas que os formam, por seu próprio número, parecem fluir e correr como um gás ou um líquido sob a influência de alguma grande força centrífuga. Essa força dá a elas um movimento ou forma espiralado, tal qual um redemoinho na areia dá movimento espiralado à coluna de poeira que se levanta.

Sem dúvida, nossa Via Láctea também possui essa forma centrífuga, mas naturalmente isso só poderia ser visto de fora. Para nós, situados dentro de seu plano, ela surge como uma linha curva ou arco de luz nos céus acima de nós. Por contraste, vemos o Sol como um plano curvo ou disco e planetas magníficos do mesmo modo. Aproximando-nos mais da nossa própria escala, o que podemos explorar desta Terra é uma curva sólida ou a superfície de uma esfera.

Essas três formas – arco, disco e esfera – são aquelas nas quais três grandes escalas de entidades celestiais apresentam-se à percepção humana. Não são essas, evidentemente, as formas reais dessas entidades, pois sabemos muito bem que a Via Láctea, vista de qualquer outro lugar, por exemplo, não pareceria com uma linha, mas, assim como outras galáxias, com um disco giratório.

Ainda assim, essas formas aparentes dos mundos celestiais são muito importantes e interessantes. Elas podem dizer-nos muito, não apenas da estrutura do universo, mas também da percepção do homem, e, por esse meio, da relação dele com esses mundos e da própria relação desses mundos entre si.

A relação entre uma curva sólida, uma curva plana e uma linha curva é a relação entre três, duas e uma dimensão. Podemos dizer que percebemos a Terra em três dimensões, o Sistema Solar em duas dimensões e a Via Láctea em uma dimensão. Percebemos outras galáxias apenas como pontos. Quanto ao Absoluto, não podemos percebê-lo em nenhuma dimensão, pois ele é absolutamente invisível.

Assim, a escala de mundos celestiais – Terra, Sistema Solar, Via Láctea, a Totalidade das Galáxias e o Absoluto – apresenta à percepção do homem uma progressão especial. Para cada ascensão nessa escala, uma dimensão torna-se invisível para ele. Essa curiosa ‘perda’ de uma dimensão ainda é aparente em níveis além de sua percepção, mas ele pode imaginá-los. Em relação ao Sistema Solar, a Terra não é mais uma esfera sólida, mas uma linha de movimento, enquanto que, em relação à Via Láctea, o Sistema Solar não é mais um plano, mas um ponto. Em cada caso, uma dimensão inferior ‘desaparece’.

Ao mesmo tempo, desde que cada cosmos seja por si mesmo tridimensional, ou seja, possua altura, largura e espessura, a cada expansão de escala uma dimensão superior será adicionada, sendo inatingível e invisível à inferior. Um tijolo tem sua própria altura, largura e espessura, mas um conjunto alinhado de tijolos possui apenas uma dimensão de uma casa – a largura – cuja altura e espessura serão de dimensões superiores para o tijolo.

De modo semelhante, o homem, ele mesmo um sólido tridimensional, ou seja, tendo sua própria altura, largura e espessura, pode viajar sobre toda a superfície da Terra, cuja configuração em sua escala é o mundo tridimensional no qual vive. Na escala da Terra, entretanto, essa superfície é apenas bidimensional, agregando-se a ela uma nova terceira dimensão – a espessura da Terra –, inconcebível e impenetrável para o homem. A terceira dimensão da Terra é, dessa maneira, uma espécie superior e diferente de terceira dimensão, incomensurável com a terceira dimensão do homem.

Nessa grande hierarquia celestial, cada mundo superior parece descartar a dimensão inferior do mundo imediatamente abaixo e agregar uma nova dimensão acima ou além do alcance desse mundo. Cada um desses mundos completos existe em três dimensões de espaço, ainda que possua uma dimensão a mais que o de baixo e uma a menos que o de cima. Isso significa que cada mundo é parcialmente invisível para os mundos maiores ou menores que ele. Mas, enquanto a dimensão inferior do mundo menor é o que desaparece em relação ao maior, a dimensão superior do maior é o que é invisível para o menor.

De nosso ponto de vista, quanto maior o mundo celestial, mais dele deve ser invisível, ao passo que as partes dos mundos superiores que são visíveis para o homem pertencerão sempre aos aspectos mais inferiores ou elementares desses mundos.

Agora podemos começar a compreender melhor o significado da aparência linear da Via Láctea. Significa que a Via Láctea é amplamente invisível. O que vemos dela é uma ilusão de nossa percepção limitada. O aparente ‘arco de luz’ deve ser um efeito do nosso não ver em suficientes dimensões.

Quando vemos linhas ou círculos aparentes ao nosso redor, sabemos muito bem o que fazer para investigar os corpos aos quais pertencem, quer nos movimentemos em relação a eles ou os movamos em relação a nós. Sentado à mesa numa sala escura, vejo aquilo que parece uma linha de luz. Assim que me levanto, a linha transforma-se num círculo. Estendo minha mão para ele e seguro um objeto que resulta ser um copo. Antes que o copo fosse alcançado, apenas o anel da borda revelado pela luz era visível, primeiro ao nível da minha visão e depois de cima. Agora, quando manuseado, minha relação diferente com ele em espaço e tempo revela que ele não é nem uma linha nem um disco, mas sim um corpo sólido contendo uma interessante bebida.

Não podemos fazer isso em relação à Via Láctea nem a outras galáxias. Na escala delas, não podemos modificar sequer um ponto a nossa posição, seja no espaço ou no tempo. Em relação a elas, somos pontos fixos e não há maneira pela qual possamos mudar nossa visão delas. Até mesmo os movimentos da Terra e do Sol não produzem mudanças perceptíveis no ponto de vista do homem em milhares de anos, e esses milhares de anos, comparados com a idade das galáxias, não têm a mínima duração. É como se estivéssemos condenados por toda a vida a ver apenas a borda do copo. E podemos supor igualmente que não é nada mais que um anel ou uma seção transversal da galáxia que os homens vêem, e eles sempre verão com sua percepção corpórea.

Qual seria a natureza real da Via Láctea e sua relação com outras galáxias? O que é uma nebulosa em si? Estaríamos perdidos não fosse o fato de que essa relação entre os mundos celestiais, da Terra, Sistema Solar e Via Láctea, deva, por analogia, ter paralelos nos mundos inferiores de elétrons, moléculas e células. Essa relação entre mundos interpenetrantes é por si mesma uma constante cósmica, devendo ser verificada tanto acima quanto abaixo. Em sua própria escala, revelada pelo microscópio, uma célula é um organismo sólido tridimensional, mas, para o homem, é um ponto incomensurável. Entre os mundos microscópicos, a mesma adição e subtração de dimensões pode ser observada, mas com a diferença de que ali a natureza e o ser do mundo superior, sua relação e poder sobre os mundos inferiores dentro dele pode ser conhecida e observada, pois esse mundo superior é o próprio homem.

A situação de nosso Sistema Solar dentro da Via Láctea é quase que exatamente a mesma que a de uma célula sangüínea dentro do corpo humano. Um glóbulo branco também está composto de um núcleo ou sol com seu citoplasma ou esfera de influência e rodeado por todos os lados por incontáveis milhares de células similares ou sistemas, formando o todo um grande ser cuja natureza dificilmente seria suscetível de ser concebida.

No entanto, se compararmos o corpo humano a algum grande corpo da Via Láctea e uma célula dele ao nosso Sistema Solar e quisermos encontrar um ponto de vista comparável ao de um astrônomo na Terra, teríamos de imaginar a percepção de algo como um simples elétron de uma molécula dessa célula. O que tal elétron poderia conhecer do corpo humano? O que ele poderia conhecer de fato de sua célula ou até mesmo de sua molécula? Tais organismos seriam tão vastos, sutis e onipotentes em relação a ele, que o significado deles estaria totalmente além de sua compreensão. Ainda que o elétron pudesse perceber algo do universo que o circunda e mesmo que essa impressão estivesse muito distante da realidade, seria interessante para nós imaginá-la.

Tais elétrons, pela insignificância de seu tamanho e duração, seriam também, assim como os homens dentro da Via Láctea, pontos fixos ou unidimensionais, incapazes de mudar a visão de seu universo ainda que fosse na espessura de um fio de cabelo. A célula deles estaria percorrendo sua artéria, assim como o Sol ao longo de sua trajetória na Via Láctea, realizando milhares de circuitos dentro do grande corpo no curso de sua existência. Mas, para o elétron, isso nada significaria, porque em toda a duração de sua vida fugaz a célula não teria avançado nenhuma distância mensurável.

Como pontos, os elétrons olhariam sobre uma seção fixa do corpo humano em ângulos retos à artéria na qual sua célula fosse destinada a se mover. Tal seção transversal constituiria assim seu universo visível ou presente. Dentro desse universo, eles se dariam conta, sobretudo e antes de mais nada, do núcleo resplandescente de sua célula, fonte de toda luz e toda vida para eles e para todo o sistema de mundos em que vivessem. Olhando para além desse sistema, no zênite, isto é, fora de sua seção transversal e acima, para dentro de sua artéria, eles não veriam nada – seria onde sua célula e seu universo estariam indo para o futuro. Um espaço igualmente vazio estaria abaixo deles, no nadir. Seria dali que seu universo teria vindo e tal ‘ponto’ seria seu passado.

Contudo, se eles olhassem para fora, seguindo o plano presente de seu universo, veriam resplandecer por todos os lados o que pareceria ser um anel brilhante formado por um número infinito de outros núcleos celulares ou sóis, meio distantes do sol deles. Se fossem um pouco mais ‘audaciosos’, perceberiam que essa aparência de anel seria uma ilusão devido à perspectiva da distância e, em vez disso, suporiam ser ele um vasto disco de células dos quais o deles não seria senão um dentre vários milhões de outros discos. Posteriormente, medindo a densidade da nuvem celular nos vários pontos do compasso, poderiam até mesmo calcular que sua posição estaria mais próxima do centro ou de uma das bordas do disco. Dessa forma, eles localizariam seu próprio sistema dentro de sua galáxia. Esse disco ou nuvem em forma circular seria a Via Láctea deles.

Em muitos sentidos, os descobrimentos dos elétrons fariam paralelo às descobertas dos astrônomos humanos e eles se defrontariam com problemas muito semelhantes. À medida que estudassem a Via Láctea de outras células e aplicassem os métodos de medição mais sutis, poderiam, por exemplo, alcançar a idéia de que todas as células ou sóis estariam retrocedendo imperceptivelmente, assim como fizeram os astrônomos em circunstâncias parecidas. A partir disso, os astrônomos concluíram que os sóis da Via Láctea teriam sido todos criados juntos, numa massa de densidade compacta, e que, desde então, eles teriam estado expandindo-se a partir do centro num disco que constantemente se dilatava e rarefazia. Falam-nos de um ‘universo em expansão’. Se os elétrons chegassem a uma conclusão análoga em relação ao seu universo, estariam com toda certeza descrevendo o que acontece numa seção transversal do corpo humano depois da adolescência, quando as células deixam de multiplicar-se, mas as já existentes expandem-se, dilatam-se e saturam-se de água e gordura, produzindo o efeito de um corpo expandindo-se em circunferência.

Finalmente, quando os elétrons tivessem esgotado a especulação sobre sua Via Láctea, poderiam descobrir a uma imensurável distância além de seus limites, mas ainda sobre o mesmo plano, linhas delgadas e nuvens que pareceriam universos semelhantes. Poderíamos reconhecer tal descoberta como a seção transversal de outros corpos humanos. Mas para os elétrons eles seriam nebulosas extragalácticas.

O estudo dessas nebulosas distantes pode introduzir algumas questões curiosas para o observador de eletrônica. Algumas delas seriam vistas simplesmente como linhas de luz e ele se daria conta de estar olhando para a borda de um disco galáctico semelhante àquele em que ele mesmo se encontra. Outras, no entanto, pareceriam circulares ou espiraladas, assim como certas nebulosas o são para nós. Nesse caso, ele estaria olhando para elas como alguém no futuro ou no passado olharia para seu próprio universo.

Como isso seria possível? Significaria que o elétron, mesmo incapaz de imaginar a forma do ser ao qual infinitesimamente pertencesse, estaria vendo as silhuetas de outros seres similares – outros homens em pé, deitados ou sentados, muito distantes do plano através do qual seu universo estivesse movendo-se. Tais homens ou universos estariam espalhados sobre uma paisagem para onde o universo do elétron chegaria depois ou onde já tivesse estado. Isso implica que o elétron os olharia como alguém no futuro ou no passado olharia seu próprio universo. O elétron finalmente estaria olhando para uma ‘galáxia’ humana do lado de fora do tempo desta. Desse modo, ele obteria – talvez pela primeira vez – uma idéia da forma e da natureza de sua própria ‘galáxia’, ou seja, o homem.

De maneira semelhante, estudando nebulosas extragalácticas, os astrônomos supõem a forma de nossa própria galáxia. Além disso, eles encontraram maior concentração de tais nebulosas no zênite e nadir de nossa Via Láctea, ou seja, no plano através do qual ela se move, não encontrando nenhuma em ângulos retos ao longo do plano de seu diâmetro, supondo assim uma ‘camada obscura’ nesse lugar. Mas infelizmente nosso elétron astrônomo não poderia observar outros universos nem acima nem abaixo de seu próprio caminho, ou seja, no céu sobre sua cabeça ou na terra sob seus pés. A natureza de tais universos mover-se-ia apenas sobre a superfície de uma esfera ainda maior – a Terra.

Na primeira parte deste capítulo, supusemos o vasto exército de nebulosas movendo-se sobre a superfície de uma esfera maior – o próprio Absoluto. Talvez a ‘camada obscura’ seja uma confirmação dessa idéia e, se assim for, não é então uma mera extensão de nebulosas que está oculta de nós, mas sim a própria natureza desse Absoluto.

Assim, se nossa analogia fosse verdadeira, ela provaria o significado do fenômeno celestial que se apresenta para nós como Via Láctea e outras galáxias mais distantes. Elas representariam seções de corpos imensos, inconcebíveis e eternos para nós e dos quais nada poderíamos dizer, a não ser que eles devessem estar vivos. Mas é verdade? Não pode haver resposta direta. Podemos dizer apenas que outra escala de vida, estudada corretamente, revela fenômenos intimamente comparáveis àqueles que percebemos nos céus e cuja imensa escala está além da nossa compreensão. E podemos acrescentar ainda que, posto que as leis naturais devam ser universais e que por si mesmo o homem não pode inventar um esquema cósmico, a analogia, mostrando correspondências entre padrões criados por leis acima e abaixo, talvez seja a única ferramenta intelectual suficientemente vigorosa para determinadas questões.

Ela pode, de qualquer modo, revelar as relações existentes. Assim, ao estudar o elétron no corpo humano, podemos ver bem a escala do ser que luta para avaliar estrutura, tempo de vida e propósito das muitas galáxias em comparação com o fenômeno que ele testemunha.



III O Sistema Solar na Via Láctea

Salvo forma e distância, temos muito pouco conhecimento sobre as nebulosas extragalácticas. Sobre nossa própria galáxia, a Via Láctea, podemos dizer mais. De acordo com idéias recentes, ela é uma nebulosa espiralada com talvez 60.000 anos-luz de diâmetro e 10.000 anos-luz de espessura.

Podemos captar essa parte visível da Via Láctea como um plano ou um mar de estrelas ao redor de cujo centro circula nosso Sistema Solar – um ponto localizado exatamente sobre esse oceano. Desde que essa jornada levaria centenas de milhares de anos para ser efetuada, ela parece à observação extremamente limitada do homem estar estacionada contra o fundo imutável de estrelas fixas, da mesma forma que um navio no meio do oceano parece estar parado para seus passageiros tendo o horizonte marítimo como referência. Mesmo que o navio de nosso Sistema Solar mova-se, seu curso dirige-se atualmente para a brilhante estrela Vega, que brilha além e um pouco acima do plano da própria Via Láctea.

Isso significa que o movimento do navio não é exatamente paralelo à superfície do oceano, mas o corta transversalmente em um ângulo como se emergisse de uma onda. Isso, por sua vez, significa que o corte transversal do navio ou plano do Sistema Solar no qual os planetas se movem não está em ângulo reto à superfície do oceano galáctico, mas inclinado 55º em relação a ele.


Na prática, estabelecemos tanto o grande plano da Via Láctea quanto o plano menor do Sistema Solar pelas constelações ou fabulosas formações de estrelas que estão ao redor do horizonte de cada um. São elas que marcam os pontos do compasso do plano do Sistema Solar: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Em Gêmeos e Sagitário, o plano do Sistema Solar é cortado pelo plano maior da Via Láctea ou, utilizando nossa outra imagem, a seção transversal do navio intersecciona a superfície do oceano. Dessa forma, as constelações de Gêmeos e Sagitário ficam em ângulos retos ao curso do Sistema Solar e, como este está viajando ao redor do centro da Via Láctea, um deles deve representar a direção desse centro e o outro a direção de sua borda mais próxima. De fato, a massa de estrelas próxima a Sagitário é mais densa, como deveríamos esperar observando através do centro e da espessura da galáxia, assim como mais ampla, parecendo dividida em duas camadas, como se estivéssemos de fato vendo mais da espessura da galáxia a uma distância maior. Próximo a Sagitário, estaria então o centro da galáxia e, próximo a Gêmeos, a fronteira mais próxima do espaço extragaláctico.5

Devemos buscar uma explicação dessa estranha idéia de que o homem pode ver um pouco no passado da galáxia, um pouco na profundidade ou espessura do oceano sobre o qual seu Sistema Solar navega. Como isso é possível? A Via Láctea é tão vasta, que a luz leva 60.000 anos para atravessá-la de um lado a outro. Significa que sua extremidade mais próxima está a 10.000 anos-luz de distância de nós e a mais distante a aproximadamente 50.000 anos-luz. Em outras palavras, as estrelas mais remotas em direção a Gêmeos aparecem para nós na posição que ocupavam há 10.000 anos, enquanto as de Sagitário parecem estar onde permaneciam há 50.000 anos, tempo em que o homem talvez estivesse surgindo na face da Terra pela primeira vez.

Estamos literalmente olhando para o passado da Via Láctea. Quanto mais longe olharmos, mais profundamente vemos seu passado. A explicação dessa capacidade de olhar além do presente galáctico está na lentidão dos impulsos de luz que provêm de nosso único meio de percepção se comparada à vastidão quase inimaginável que deve atravessar. Mais adiante, quando discutirmos as velocidades de difusão de diferentes tipos de energia, talvez cheguemos à conclusão de que a escala do mundo galáctico implica na existência de alguma energia muito mais rápida que a luz e com a qual o homem ainda não está familiarizado.

Enquanto isso, se supusermos toda a Via Láctea movendo-se para diante, como todos os demais sistemas no universo, então poderemos dizer que o ângulo de nossa percepção fora do plano do presente deve ser proporcional à velocidade da Via Láctea dividida pela velocidade da luz. No cotidiano, um fenômeno exatamente comparável resulta da transmissão do som, o qual faz com que escutemos a distância um grito emitido segundos antes, o que nos capacita a ouvir mais profundamente no passado quanto mais distantes nos encontrarmos.

Assim, na realidade, não olhamos através de tal mar ou disco imaginário que representa o presente da Via Láctea. Vemos um cone que se estende através do tempo da galáxia ou de sua quarta dimensão. Enquanto estrelas mais próximas a nós aparecem-nos dez ou vinte anos atrás desse plano, outras brilham em suas posições de um século, um milênio ou dez mil anos atrás em proporção às suas distâncias. De nossa posição, todas essas estrelas que se estendem desde o presente até dezenas de milênios atrás são vistas sobrepostas, dando a ilusão daquele vasto anel ou muro de estrelas que de fato vemos.



Mas, como já calculamos, no extremo mais distante da galáxia, vemos cinco vezes mais profundamente no passado do que veríamos no extremo mais próximo. Justamente devido à maior distância, vemos muito mais de seu tempo ou quarta dimensão nessa direção e é natural que a massa visível de estrelas seja mais densa e espessa próximo a Sagitário, onde estão seu centro e sua maior extensão.

Pelo fato de a Via Láctea ser uma nebulosa espiral, quando olhamos para Sagitário, dirigimo-nos para o centro ou a fonte de sua energia criadora, exatamente como, quando olhamos para o Sol, dirigimo-nos para o centro ou a fonte de energia criadora do Sistema Solar. Quando olhamos Gêmeos, estamos de costas para esse centro, assim como à meia-noite olhamos a parte do céu oposta ao Sol. Aqui está uma medida objetiva dos tão acreditados ‘caracteres’ do zodíaco. Eles são de fato uma medida de nossa inclinação para o foco de nossa galáxia, tão definitiva quanto as horas do dia o são da nossa inclinação em relação ao Sol. Quando o Sol está em Sagitário, isso significa que as radiações solares e quaisquer outras radiações desconhecidas e superiores procedentes do foco da Via Láctea nos chegam da mesma direção ou estão em conjunção. Quando o Sol está em Gêmeos, isso significa que as radiações solares e galácticas nos chegam de direções opostas. E, quando olhamos o Sol nos signos intermediários de Virgem ou Peixes, significa que o vemos contra o vazio exterior ou contra o passado e o futuro invisíveis da Via Láctea, cuja radiação central chega-nos em ângulos retos aos raios solares.

No presente, não podemos declarar especificamente a natureza das radiações que podem ser emitidas pelo centro galáctico. Mas uma radiação geral de alguns metros de longitude de onda foi detectada sendo notavelmente mais forte na direção das nuvens de estrelas mais densas da Via Láctea e com o máximo vigor na direção de Sagitário.6 Essa radiação é considerada hoje uma característica definida da nossa galáxia e, particularmente, de seu centro cuja natureza física está oculta de nós por nuvens de estrelas. Tal radiação é distinta, mas semelhante àquela que conhecemos como raios cósmicos, os quais, ao chegar à Terra vindos de todos os ângulos e direções e sendo de uma freqüência mais elevada que qualquer outra conhecida que se origina no Sol, deve acarretar para nós matéria ou influência do centro vital de algum mundo ainda maior.

Supusemos esse próximo mundo maior ou cosmos acima do Sistema Solar como sendo a Via Láctea. Mas há muitas indicações de que a diferença entre os tamanhos é muito grande nesse caso. Mais adiante, quando começarmos a medir os tamanhos relativos e dimensões dos cosmos que somos capazes de identificar,7 veremos que o fator de multiplicação entre o Sistema Solar e a Via Láctea é muito maior que aquele entre a célula e o homem, entre o homem e a Natureza, entre a Natureza e a Terra e entre a Terra e o Sistema Solar. O Sistema Solar parece perdido nas distâncias da Via Láctea, assim como um homem estaria perdido na superfície da Terra, não fosse pelo ordenado mundo da Natureza do qual faz parte e que, por assim dizer, intermedia a Terra e ele.

O diâmetro da Terra, por exemplo, é um milionésimo do diâmetro do Sistema Solar, mas o deste talvez seja de apenas quarenta milionésimos o da Via Láctea. Quando encontramos tais relações em nosso próprio sistema, não é entre Sol e planetas, mas entre Sol e satélites de planetas. Isso equivaleria a dizer que, por analogia de massa e escala, deveríamos esperar que o Sistema Solar girasse ao redor de alguma entidade muito maior, que, por sua vez, giraria ao redor do centro da Via Láctea, exatamente como a Lua gira ao redor da Terra, que, por sua vez, gira ao redor do Sol.

Mas o que é e onde está esse ‘sol’ de nosso Sol? Várias tentativas foram feitas para discernir um sistema ‘local’ dentro da Via Láctea, em particular por Charlier, que, em 1916, parecia havê-lo estabelecido a 2.000 anos-luz de diâmetro e tendo seu centro a várias centenas de anos-luz mais além, em direção a Argos. Se estudarmos nossas cercanias imediatas na galáxia, encontraremos uma gradação interessante de estrelas, duas das quais são sugestivas desse ponto de vista. A dez anos-luz, encontramos uma estrela em escala semelhante ao nosso Sol e Sírius, umas vinte vezes mais brilhante. Entre quarenta e setenta anos-luz de distância, chegamos a outras cinco estrelas muito maiores, de 100 a 250 vezes mais brilhantes que nosso Sol; entre setenta e duzentos anos-luz, sete ainda maiores, de 250 a 700 vezes mais brilhantes; e, entre trezentos e setecentos anos-luz, encontramos seis imensos gigantes, dezenas de milhares de vezes mais brilhantes. A maior de todas essas, Canopus, que se encontra a seiscentos e vinte e cinco anos-luz atrás do rastro do Sistema Solar, é 100.000 vezes mais radiante que nosso Sol e poderia na verdade ser o ‘sol’ local do sistema de Charlier.

Entretanto, como em muitos desses problemas, somente quando abandonamos a teoria astronômica e retornamos à observação direta do céu e dos corpos celestes encontramos uma influência estelar mais imediata sob a qual o Sistema Solar deve estar sujeito.

Mas o objeto mais brilhante nos céus, depois daqueles pertencentes ao Sistema Solar é naturalmente a dupla estrela Sírius. Compõe-se de um imenso sol radiante, 26 vezes mais brilhante que o nosso e com uma trajetória circular de um período de cinqüenta anos com um satélite branco tão grande quanto Júpiter e 5.000 vezes mais denso que o chumbo. A massa da estrela luminosa, que é de duas vezes e meia a do nosso Sol e a da estrela opaca, que é equivalente a este, e sua influência sobre o Sistema Solar a menos de nove anos-luz afastado excedem de longe a de qualquer corpo extra-solar que possamos conceber. Tanto por distância física quanto por radiação e massa, um sistema como o de Sírius poderia de certa forma preencher a brecha excessiva entre os cosmos do Sistema Solar e da Via Láctea. Na verdade, a distância do Sol a Sírius – um milhão de vezes a distância da Terra ao Sol – cai naturalmente na escala de relações cósmicas mencionada. Ela legou à astronomia do século XIX uma excelente unidade de medida, o siriômetro, infelizmente abandonado nos dias de hoje.

Nenhuma informação astronômica contradiz a possibilidade de que o Sistema Solar circule ao redor de Sírius no curso do circuito deste último ao redor da Via Láctea, como Kant acreditava. Tal trajetória circular seria notada apenas com a alteração da posição de Sírius nos céus, assim como a de outras duas ou três estrelas. Num período de algumas centenas de milhares de anos, tal alteração passaria facilmente despercebida. Temos de fato evidências definidas para mostrar que é esse o caso. Como os antigos egípcios observaram, o movimento aparente de Sírius, medido pelo seu nascimento junto com o Sol, é um pouco menor do que o aparente movimento de todas as outras estrelas, o que reconhecemos na precessão dos equinócios. Considerando-se que a massa geral de estrelas surja vinte minutos mais tarde num dado dia de cada ano, constatamos que Sírius ascende apenas onze minutos depois. Isso corresponde à diferença no movimento aparente entre pontos fora de um círculo e o centro deste quando observado de um ponto em movimento sobre sua circunferência, assim como numa paisagem vista de um carro em movimento os objetos distantes e próximos parecem correr uns atrás dos outros.

Por essa observação, temos uma boa razão para acreditar que nosso Sol circule ao redor de Sírius. E, se considerarmos correta a cifra de 20 km por segundo para o movimento do Sol através do espaço, então essa translação requereria 800.000 anos. Em outras palavras, nosso Sol faria aproximadamente 250 revoluções sobre seu sol maior por cada circuito completo da Via Láctea. Mais adiante veremos que essa cifra de 800.000 anos é equivalente a cerca de um terço do tempo de vida da natureza ou a um mês do tempo de vida da Terra, o que se enquadra muito bem na relação geral entre os cosmos.8

Entretanto, outro fato surpreendente parece confirmar a idéia de um sistema local estelar com Sírius como centro. Se tomarmos as grandes estrelas que nos são familiares dentro de, digamos, quarenta anos-luz do Sol – Sírius, Procyon, Altair, Fomalhaut, Pollux, Vega e outras –, veremos que todas, menos duas, estão dentro dos 15º do mesmo plano.9 Há apenas uma explicação provável para isso: todas as estrelas próximas giram ao redor de um centro comum e essa seção é a eclíptica sobre a qual estão todas as suas órbitas. Supondo que Sírius seja o sol desses sóis, então o nosso Sol – e isto é o curioso – parece ocupar um lugar semelhante àquele ocupado pela Terra no Sistema Solar. Se for assim, então o sistema de Sírius pode ser considerado quase que exatamente um milhão de vezes maior em diâmetro que o Sistema Solar, e este é um milhão de vezes maior em diâmetro que a Terra, sendo esta um milhão de vezes maior em diâmetro que uma simples casa.

Que tipo de influência poderia chegar até nós de Sírius, com sua estranha combinação de uma radiação muito maior que a radiação solar e uma densidade muito mais assombrosa que qualquer outra concebível no interior mais escuro da mais densa lua, não podemos saber. Tais supracéu e infra-inferno são inimagináveis para nós e nem mesmo podemos saber se os raios cósmicos ou qualquer outra radiação supersolar estão associados com eles.

Podemos apenas descrever de um modo geral cada um dos mundos que consideramos banhados nas radiações ou influências de todos os mundos que lhes são superiores, da mesma maneira como nossa própria Terra está banhada simultaneamente pelos raios cósmicos e pelo calor solar. A soma dessas radiações constituirá o ‘meio’ no qual um mundo existe e sua variedade vai introduzir a possibilidade da escolha de resposta entre uma influência e outra.

Olhando de outro ponto de vista, esse ‘meio’ é composto de seções de mundos superiores. Já comparamos nosso Sistema Solar dentro de uma seção da Via Láctea a uma célula dentro de uma seção do corpo humano. A célula está para a seção humana e o Sol para a Via Láctea assim como os pontos estão para os planos. Dessa maneira, podemos dizer como lei que o meio no qual qualquer mundo vive, move-se e tem o seu ser está para ele como um plano para um ponto. A seção transversal do corpo humano é o plano no qual a célula se movimenta, a superfície da Terra é o plano da Natureza no qual o homem se movimenta, a eclíptica do Sistema Solar é o plano no qual a Terra se movimenta e o disco da Via Láctea é o plano no qual o Sol se movimenta.

A relação entre um ponto e uma linha é infinita e a relação entre uma linha e um plano é outra vez infinita. Assim, a relação entre um ponto e um plano é infinita ao quadrado. Isso significa que eles são duplamente incomensuráveis, duas novas dimensões foram acrescentadas. E, quando comparamos cada mundo, não com a seção do mundo superior no qual ele habita, mas com o corpo completo de tal mundo superior, a comparação é entre ponto e sólido ou o infinito ao cubo.

O quadrado ou cubo do infinito pode ser compreendido melhor por nós como a introdução do plano, propósito e possibilidade. Um número infinito de pontos forma uma extensão insignificante, mas um ponto multiplicado pelo infinito ao cubo pode constituir um bloco sólido no qual podemos sentar. Um número infinito de células forma apenas uma massa de protoplasma, mas células multiplicadas pelo infinito ao cubo constituem um corpo humano. Um número infinito de corpos orgânicos não significa nada, a não ser toneladas de polpa e seiva, mas os corpos orgânicos multiplicados pelo infinito ao cubo constituem o mundo harmonioso da natureza. Da mesma forma, ainda que não possamos compreender seu significado, a Via Láctea deve ser composta não de um infinito de sóis, mas de um infinito ao cubo de sóis.

No entanto, o corpo humano, o mundo da Natureza, a Terra, o Sistema Solar e a Via Láctea são ao mesmo tempo completos em si mesmos, cada um contendo um modelo e uma possibilidade do todo. Tais entidades, conectadas pela fugaz tríade de dimensões com entidades semelhantes em maiores e menores escalas, são corretamente chamadas de cosmos.

Duas questões devem surgir para o leitor neste ponto. A primeira é: o que exatamente constitui um cosmos? A segunda é: que bases existem para presumir quais cosmos superiores e inferiores ao homem são capazes de inteligência e consciência?

A palavra kosmos em grego significa ‘ordem’, ‘harmonia’, ‘comportamento correto’, ‘honra’, ‘um todo’, ‘manifestação externa de um todo’ e, finalmente, ‘ordem harmoniosa do todo’, ‘o universo em sua perfeição’. Usada pelos pitagóricos, ela também significou ‘um todo auto-evolutivo ou autotranscendente’. Conforme veremos mais adiante em maiores detalhes, a possibilidade de auto-evolução ou transcendência implica um plano muito especial e uma estrutura que algumas criaturas têm e outras não. Assim, o homem, que possui a possibilidade de aperfeiçoar-se e transcender a si mesmo, pode ser chamado um cosmos, ao passo que um cão, que parece ser um experimento terminado sem qualquer possibilidade adicional, não o pode. Pela mesma razão, uma célula sexual, que pode transcender a si mesma e tornar-se um homem, provavelmente seja um cosmos completo, ao passo que uma célula óssea não o é. Um planeta que pode transcender a si mesmo, tornando-se um sol, é um cosmos completo, enquanto que um asteróide não o é.

O sinal de um verdadeiro cosmos é de fato um tipo particular de projeto, citado no Gênesis na frase ‘Deus criou o homem à sua própria imagem’. Essa ‘imagem divina’, cujas características devemos estudar em detalhe, pode ser encontrada em todos os níveis e é a marca de um cosmos.

Isso, por sua vez, responde nossa segunda questão. Onde quer que encontremos, na natureza ou nos céus, a repetição exata desse projeto, que no caso do homem sabemos estar acompanhada pela possibilidade de inteligência e consciência moral, devemos presumir que ela torne possível inteligência e consciência em outra escala, assim como supomos que a impressão azul de um dínamo torne possível a geração de eletricidade, onde quer que esta vá materializar-se.

Além disso, desde que cosmos maiores dão origem a cosmos menores, devemos também presumir que eles desfrutam de inteligência e consciência num grau maior, assim como presumimos que o homem que faz uma máquina engenhosa é mais engenhoso que a máquina feita por ele.

Um livro é composto de capítulos, capítulos de parágrafos, estes de sentenças, estas de palavras e as palavras de letras. Uma letra e uma palavra têm significado em seu próprio nível, ainda que careçam de um propósito verdadeiro caso estejam fora do conjunto do livro. Assim, no universo, apesar de nossas limitações, esforçamo-nos por apreender o cosmos superior no sentido de alcançar o propósito do inferior.


(4) Isto é, com o dobro da distância, somente um quarto da quantidade de influência é sentida.

(4a) Ver ‘Modern Cosmology’ por George Gamow em Scientific American, março 1954.

(5) Essa suposição que pode ser verificada a olho nu foi sustentada pela detalhada recontagem de estrelas por Hertzspring, Perrine e Shapley entre 1912 e 1918.

(6) Notificado primeiramente por Jansky: ‘A Concise History of Astronomy’, Peter Doig, pgs. 202-3 e 301-2.

(7) Ver Apêndice II, ‘Tabela de Tempos e Cosmos’.

(8) Ver Apêndice II ‘Tabela de Tempos e Cosmos’.

(9) Esta seção através dos céus corta o equador celestial num ângulo de 60o por volta de 7:30 e 19:30 hs em ascensão direta e eleva-se a 55o de declinação nas vizinhanças do Arado.



Fig. 1 Corte transversal da Via Láctea