segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo IX - O Mundo da Natureza

I Os Seis Reinos Da Natureza


Há muitas coisas que sugerem que os reinos da Natureza permeiam a Terra com o mesmo significado com que os vários órgãos vitais servem ao corpo. Órgãos como o pâncreas ou as tireóides, ainda que corporificados materialmente num só lugar, segregam hormônios apropriados que alcançam todo o organismo. Assim, o reino mineral, por exemplo, mesmo tendo seu centro de gravidade no reino geológico das pedras e depósitos sedimentários, penetra cada aspecto da natureza e até mesmo do homem, em cujos ossos e sangue os sais minerais desempenham um papel importante. O reino vegetal, com seu centro de gravidade em árvores e plantas também existe no homem através da vida vegetativa dos tecidos e da carne. Mas na natureza ele é predominante enquanto que no homem está subordinado.

Portanto, os reinos da Natureza não são classes separadas de criaturas, mas níveis de uma forma de vida ou densidade particulares. As criaturas individuais diferenciam-se não tanto por pertencerem a este ou àquele reino mas principalmente pelo número de reinos naturais contidos nelas e aos quais devem obrigações.

Assim, um pedaço de rocha pertence única e exclusivamente ao reino mineral. A rosa que cresce sobre a rocha, por outro lado, pertence aos reinos vegetal e mineral, enquanto que a lagarta que come a rosa pertence a todos esses reinos e também ao reino dos animais invertebrados. Um cão é mineral por sua estrutura óssea, vegetal por seu tecido conectivo, semelhante à larva por seu sistema de digestão e, acima destes, vertebrado por sua coluna e pelo sistema nervoso que depende dela para trazer-lhe poderes de movimento, sensação, coordenação de percepções e ação lógica, tudo isso inconcebível para os invertebrados.

Como uma das principais causas de angústia e confusão no homem é o fato de ele ver habitualmente todos esses diferentes lados de si mesmo como igualmente humanos e individuais, seria proveitoso esclarecer essas diferenças em maiores detalhes.

Num sentido muito geral, os diferentes reinos da Natureza estão dispostos no globo de maneira que todas as matérias se organizem quando deixadas por conta própria – as mais densas no fundo e as mais leves acima. O reino mais baixo é o dos metais que parecem ter seu centro de gravidade na barisfera. É uma camada pesada de 2.500 quilômetros de espessura que encerra aquela desconhecida parte central da Terra que não transmite vibrações e parece ser mais ‘inerte’ e densa que qualquer coisa que possamos conceber existente na superfície terrestre. Do modo como a barisfera reage aos abalos sísmicos deduz-se que seus níveis mais inferiores estejam constituídos por ferro ou níquel submetidos a uma incrível rigidez pela pressão, diminuindo gradualmente em rigidez à medida que se aproximam da superfície. Esse é o reino dos metais.

Envolvendo a barisfera encontra-se a camada muito mais delgada de rochas e minerais conhecida como litosfera. Sua camada é de apenas 80 quilômetros de espessura, constituindo-se principalmente de basalto, granito e outras rochas vulcânicas vítreas. Essas rochas são formas cristalinas de sílica, ferro, titânio e magnésio e como parecem formadas pela oxidação ou combustão desses metais, podemos concebê-las como que vivendo ou alimentando-se dessa última. Elas formam o reino dos minerais.

Esse reino inclui em seu estrato mais superior o solo da superfície da Terra e este por sua vez está coberto pela fina película verde do reino das plantas, o qual alimenta-se de sais minerais. Duas mudanças muito definidas entram nesse ponto. O reino das plantas ou dos tecidos vivos é celular em estrutura e sensível à luz. Sendo celular está dotado de forma mutável num sentido bastante diferente das formas cristalinas fixas de minerais e metais. Sendo sensível à luz ele é capaz, por intermédio de um mecanismo fotossintético baseado na clorofila, de transformar a radiação solar em energia para seu próprio uso. Portanto, em contraste com os reinos inferiores que em comparação parecem amorfos e mortos, o mundo das plantas está particularmente sujeito à influência formativa dos planetas e à influência fornecedora de vida do Sol.

Vivendo e alimentando-se do reino das plantas está o extremamente delgado mas imensamente importante reino dos invertebrados. Dez entre doze dos principais grupos de animais, incluindo-se o infinito exército de larvas e insetos sobre a terra, moluscos e crustáceos no oceano, pertencem a esse reino que compreende centenas de milhares ou mesmo milhões de espécies. A maioria dos invertebrados desfruta do poder de locomoção e em troca de alimentarem-se de plantas, perfuram e arejam o solo para elas.

Já destacamos que a barisfera era aproximadamente 300 vezes mais espessa que a litosfera e de uma maneira muito geral a litosfera é aproximadamente 300 vezes a espessura do reino das plantas. Essa parece ser a ordem geral da relação dos sucessivos reinos naturais de um para outro, pois quando chegamos ao reino dos vertebrados encontramos uma camada muito mais esparsa e tênue. Cada centímetro quadrado da superfície temperada e tropical da Terra agita-se com a vida dos invertebrados mas os vertebrados, em comparação, requerem metros quadrados e até hectares de espaço para se movimentar.

Nesse ponto, uma mudança tão distinta quanto aquela que separa as plantas dos minerais evidencia-se novamente, São enormes as implicações de uma coluna vertebral e um sistema nervoso e cerebral nos vertebrados, por mais rudimentares que possam ser. Implica sistemas paralelos de nervos aferentes e motores, isto é, um sistema para conduzir impressões do mundo exterior para um centro onde são classificadas e acomodadas e de cuja disposição resultam certas deduções das quais provém uma ordem motora apropriada enviadaaos músculos por meio de um segundo sistema. Os vertebrados desfrutam potencialmente, em todo caso, do poder de ver e de atuar. São capazes de transformar não apenas radiação solarem geral para uso próprio como também as impressões individuais criadas por tal radiação. Reagem não apenas ao brilho da luz mas também a um padrão específico de luz, som e outras vibrações como aquelas formadas pela imagem do homem, seu cheiro e o barulho de seus sapatos.

Chegamos finalmente ao reino do homem, uma camada tão rarefeita e tênue que somente dez seres humanos são encontrados por quilômetro quadrado da superfície terrestre. O homem vive das plantas, de invertebrados e das partes correspondentes dos vertebrados. Quando perguntamos no quê objetivamente o homem difere dos outros reinos da Natureza, sentimo-nos a princípio aturdidos para uma resposta. O que há no homem que não seja metal, mineral ou vegetal e que não pertença ao menos potencialmente aos animais?

Existem certas armadilhas óbvias e serem evitadas ao tentarmos responder a essa questão. Devemos evitar, por exemplo, o uso de palavras diferentes para as coisas simplesmente porque se aplicam ao mundo humano. Devemos ser cuidadosos ao chamar ‘adaptação inteligente ao meio ambiente’ no homem ao que chamamos ‘condicionamento’ nos animais, ‘memória cultural’ no homem ao que chamamos ‘instinto gregário’ nos animais e assim por diante. Deste modo, os homens vivem em cidades mas as abelhas e cupins também vivem. Os homens transmitem conhecimento de geração a geração mas aparentemente as enguias migratórias também o fazem. O homem mantém-se sobre duas pernas mas assim também o fazem as avestruzes, enquanto que as cegonhas ficam até mesmo sobre uma só.

Após muitas diferenças aparentes terem sido desfeitas devido à escala ou ponto de vista, ficamos com uma lista muito pequena de características puramente humanas. Os homens, por exemplo, cozinham sua comida, usam ferramentas, vestem roupas, pensam em conceitos, são influenciados por uma noção de certo e errado e podem desenvolver almas.

A última idéia requer um pouco de explicação, a primeira será abordada mais adiante. As outras quatro surgem de um sentido muito especial de relacionamento, o surgimento da consciência de si em relação ao universo. Podemos dizer, por exemplo, que o uso de ferramentas é uma expressão prática desse senso; o uso de roupas, emocional ou artístico; o pensar em conceitos, intelectual e o senso de certo e errado, moral. Não pode haver ferramentas exceto onde o artesão sinta sua relação com o material inanimado. Não pode haver o certo e errado, exceto onde o homem sinta sua relação com outros seres vivos. Todas essas características surgem de um sentimento inerente na raça humana, mas individualmente muito vago e confuso: “Aqui estou eu, há outras criaturas e ao nosso redor está o universo.”

Mas na verdade esse sentido é apenas uma possibilidade para o homem comum. Não é uma realidade diária e constante para ele. O indivíduo homem é muito orgulhoso para atribuir mérito a tudo que os pioneiros da humanidade conquistaram dolorosamente em milhares de anos e deixaram disponível para ele. E ele freqüentemente acredita que por desfrutar o resultado do trabalho deles, compartilha da mesma percepção e estados de consciência. Ele tem que ser, na verdade, muito sincero consigo mesmo para admitir que grande parte do tempo ele não é mais que uma formiga em sua organização, um castor em sua construção, um símio vestindo roupas e um papagaio repetindo palavras.

O que é verdadeiramente humano ainda é somente potencial nele. Só o que podemos dizer é que parece ser um sistema nervoso superior o que lhe dá a possibilidade de ser consciente de sua própria existência e relação com o universo que o cerca. O homem pode ser consciente e através da consciência ele pode compreender. Somente nisso ele é homem. Portanto, ele é homem pela potencialidade de seu organismo mais que por sua atividade efetiva; assim como um vertebrado é vertebrado pela potencialidade de sua estrutura para a ação lógica de acordo com suas impressões. Nada além de um impulso e sensação que o homem encontra em si mesmo pertence aos reinos mais baixos da Natureza; seu único atributo humano é a potencialidade de consciência, o sentimento de estar separado e em uníssono com toda a criação. Se ele lembrar disto, muito se tornará mais claro para ele.

A mesma seqüência dos reinos da Natureza parece sugerir o verdadeiro destino dessa qualidade humana. Quando estabelecemos as funções da Terra – metais , minerais, vida das plantas (sem calor próprio), invertebrados (com calor próprio), vertebrados e homem – pareceu-nos estabelecer também uma curiosa progressão natural de comedores e comidos, de quem é alimentado e quem é o alimento.

As plantas comem sais metálicos, invertebrados comem matéria mineral, vertebrados comem plantas. O alimento do homem difere do de outros vertebrados por ser cozido e quente, enquanto o deles é frio e cru. Assim, do homem – seja por natureza ou artifício – podemos dizer que ingere alimentos da natureza da carne quente dos invertebrados. Que saibamos, apenas uma criatura come vertebrados inteiros, incluindo-se carcaças inteiras de cavalos, elefantes e asnos com coluna vertebral e ossos – e essa criatura é a Terra.

Se todo o universo come e é comido, o que então come o homem? A resposta parece ser alguma coisa maior que a Terra. O que é da natureza imediatamente superior à Terra é o Sol. O Sol comeria o homem.

Mas sabemos que os cadáveres dos homens, enquanto organismos vertebrados completos, são comidos pela Terra e como depósitos de sais minerais, são comidos pelos invertebrados, pelos vermes, Depois deduzimos que enquanto campo magnético eles alimentam a Lua. Quê significa então que os homens devessem ser comidos pelo Sol? Isto só poderia referir-se àquela parte do homem que o distingue de todos os outros vertebrados, ou seja, sua consciência. O Sol vive da consciência dos homens. Mais tarde veremos melhor o que pode significar esse enigmático princípio.


II Natureza no Espaço : Natureza no Tempo Geológico


A disposição dos reinos da Natureza que se apresentam para nós torna claro o que até agora tinha permanecido incerto. Algumas vezes tomamos a Terra como um cosmos e o Mundo da Natureza como um segundo cosmos; outras vezes tomamos os dois juntos como se formassem um único cosmos entre si. Essa imprecisão foi inevitável pelo papel curiosamente duplo da Natureza na escala geral da criação – servindo em parte como elemento integral do planeta Terra e em parte como mecanismo separado por direito próprio para criar conexões vitais entre uma parte do Sistema Solar e outra.

A Natureza (literalmente, ‘aquilo que está nascido’) recebe e transforma a luz do Sol, gerando a partir dela uma multiplicidade de formas vivas transitórias que ao desintegrarem-se vão alimentar a Terra com seus corpos e a Lua com seu magnetismo. Literalmente, a Natureza une o Sol, a Terra e a Lua.

Mas tendo agora analisado os diferentes reinos da Natureza, vemos que toda a Terra está envolvida por ela. Nenhuma parte é deixada de fora. A Natureza e a Terra formam assim um ser, um cosmos do qual toda a variedade de formas vivas que conhecemos constituem nada mais que suas funções superiores. A Natureza pode assim ser tomada como o lado emocional, criativo ou artístico do cosmos Terra, assim como quando dizemos Mozart ou Beethoven, não é em seus músculos ou ossos que pensamos mas em seus papéis criativos ou artísticos.

Assim, daqui para a frente tomaremos a Terra e a Natureza como um cosmos. Mas ao nos referirmos à Natureza, teremos especialmente em mente esse aspecto artístico e poético de nosso planeta, o qual – vestindo-se e despindo-se em novos trajes de forma e cor – envolve continuamente a humanidade em sua aura de beleza e deleite. Sem um conceito assim, todo nosso conhecimento científico não pode senão nos dar uma descrição inerte e monótona dela.

Embora esses diferentes reinos da Natureza – metal, mineral, vegetal, invertebrado, vertebrado e humano – encontrem-se sobrepostos em camadas ou estratos de matéria numa ordem natural de densidade decrescente, sabemos que na realidade não estão divididos exatamente mas interpenetram-se de uma forma muito sutil.

A lei que rege tal interpenetração torna-se clara quando conectada ao movimento browniano de partículas minúsculas. Grãos de poeira num raio de luz ou partículas de algum corante num copo de água, por exemplo, não obedecem individualmente o que chamamos lei da gravidade, mas impulsionadas pelo bombardeio de moléculas, cada uma executa uma dança errática e aparentemente sem sentido no meio ambiente em que estão. No entanto, quando se vê todo o campo, percebe-se que a totalidade de partículas acomodam-se de tal forma que sua difusão está perfeitamente graduada do denso ao rarefeito diminuindo numa progressão geométrica exata à medida que avançamos aos níveis superiores.

Essa lei de difusão que podemos observar melhor quando derramamos leite num copo de café gelado não está confinada apenas às partículas minúsculas. A disposição aparentemente acidental das mariposas no teto ao redor de uma lâmpada traduz-se numa perfeita gradação de densidade da luz à penumbra. A colonização errática de um novo país segundo os caprichos individuais dos imigrantes resulta numa difusão perfeitamente graduada da população a partir dos centros de comunicação e abundância para o território selvagem. Na realidade o povoamento da Terra feito pelo homem segue essa lei. Partículas individuais espalham-se desde um meio mais favorável para outro menos favorável numa perfeita gradação geométrica decrescente.

Exatamente do mesmo modo os reinos da Natureza difundem-se ou penetram os superiores e estes naqueles. Podemos mesmo imaginar o mundo natural em seu conjunto como um recipiente no qual as partículas de seis líquidos de diferentes gravidades específicas mesclam-se de acordo com essa lei. A idéia torna-se mais clara quando observamos como os diferentes reinos da Natureza têm seus centros de gravidade em diferentes períodos da tabela dos elementos. É evidente que os elementos de cada período em particular encontram-se concentrados em seu reino apropriado embora difundindo-se para cima e para baixo da forma que descrevemos.

Suponhamos, por exemplo, que o verdadeiro reino dos elementos radiativos não-naturais do período 7 seja o centro inerte da Terra. Minúsculas partículas dele são encontradas, todavia, na altura das camadas superiores da litosfera, ainda que não sejam encontradas no solo ou na superfície real da Terra, conforme já sublinhamos.

O centro de gravidade dos metais densos e terras raras do período 6 encontra-se provavelmente na barisfera. Também eles infiltram-se para cima, ocorrendo em filamentos mais próximos à superfície da Terra que os elementos radiativos, embora, assim como eles, não tenham um lugar natural acima da superfície, exceto por artifícios humanos.

A afinidade dos elementos do período 5 é com a litosfera. Esses elementos penetram, ainda que de forma rara, nos reinos orgânicos situados acima, exceção feita ao iodo, existente em quantidade considerável nos mares, na vida marinha e desempenhando também um papel estabilizador no organismo humano. Aqui, no entanto, começamos a notar não apenas difusão de partículas dos níveis inferiores para o nível superior, mas também o contrário, já que encontramos no mundo dos minerais, ferro, sílica e magnésio dos períodos superiores e mesmo oxigênio na forma dos óxidos desses metais.

No período 4 produz-se potássio, cálcio e metais tais como ferro e cobre, cujos sais constituem o solo, meio de existência para o reino das plantas e que fornece a chave para a estrutura celular e o sistema dos tecidos e da seiva, característico da vida vegetal. Esse reino também se caracteriza pela penetração descendente de carbono, nitrogênio e oxigênio.

O centro de gravidade do reino dos invertebrados encontra-se no período 3, onde encontramos sódio, o cloro do sal e o fósforo, necessário à fosforescência de muitos insetos e invertebrados marinhos. A água do mar é particularmente o meio dos invertebrados e é nos oceanos que maiores concentrações de sal e fósforo são encontradas. Muitos dos elementos desse período infiltram-se para cima em pequenas quantidades no organismo do homem.

Os gases nitrogênio e oxigênio do período 2 formam o ar que é o meio de existência do reino dos vertebrados e com o carbono são as bases de sua vida como tal.44

Finalmente deduzimos alguma conexão especial entre a potencialidade do homem e o hidrogênio que preenche toda a oitava do período1. A própria tensão, vitalidade e perspicácia de um ser humano depende, como sabemos, da concentração de íons de hidrogênio em seu sangue. No que se refere às funções superiores e seu poder de transmitir a radiação solar nas formas mais elevadas de energia o hidrogênio exerce de alguma forma no homem o mesmo papel que aquele que tem em relação à Terra. É a ionosfera ou esfera de hidrogênio, a cem quilômetros ou mais acima da superfície da Terra – o ‘céu’ dos antigos – que recebe e transforma a energia eletrônica do Sol em sua mais pura forma.

Vemos então que os elementos de cada período constituem, por assim dizer, o meio de vida para um reino da Natureza, no qual esse reino existe e do qual extrai os materiais característicos de sua estrutura. O reino dos metais na barisfera, o reino dos minerais na litosfera, o reino vegetal no solo, o reino dos invertebrados no oceano, o reino dos vertebrados no ar e alguma afinidade da natureza superior do homem com a atmosfera superior impregnada de sol – todos de maneira geral são exemplos desse princípio.

Devemos lembrar, contudo, que a natureza nunca se satisfaz com oitavas numa só dimensão. Todo fenômeno participa de oitavas que avançam em todas as direções. A estrutura da tabela de elementos torna-se clara somente quando vista como uma oitava ao quadrado. Da mesma forma, ainda que o ar pareça característico do período horizontal 2, ele na realidade inclui em sua composição todos os gases inertes – hélio, neônio, argônio, criptônio e xenônio – da nota vertical do. Embora o oceano pareça característico do período 3, ele inclui traços de todos os halógenos – flúor, cloro, bromo e iodo – da nota vertical . Embora o solo pareça característico do período 4, ele compreende todos os álcalis da nota vertical si. E de modo semelhante isto ocorre na litosfera e na barisfera.

É esse quadrado de oitavas que produz a incrível difusão para cima e para baixo sobre a qual anteriormente já chamávamos a atenção. Ela explica certas anomalias da matéria encontrada em lugares inesperados e que continuariam incompreensíveis se tentássemos entendê-las apenas com base nas oitavas horizontais. Significa que cada reino da Natureza entra em cada um dos outros, constituindo-se quartéis-generais, por assim dizer, de uma forma de vida que existe em todas as partes. Com esta idéia retornamos ao ponto de partida do início deste capítulo.

Dissemos que cada fenômeno tem lugar em oitavas que pertencem a todas as dimensões. Se uma oitava pode ser elevada ao quadrado, ela também pode ser elevada ao cubo. Assim, se encontrarmos a oitava dos reinos da natureza estendendo-se verticalmente do centro da Terra para a ionosfera e novamente em sentido horizontal dentro de cada um desses estratos, deveremos vê-la também na dimensão do tempo.

Na realidade, estendendo-se através das eternidades de tempo geológico, encontramos exatamente tal oitava. Nas rochas pré-cambrianas, livres de toda vida fóssil e datando de mais de mil milhões de anos, vemos o traço de um mundo mineral completo. Na era primária, apesar dos primeiros experimentos da Natureza com moluscos e trilobites, devem ter sido bosques cálidos e úmidos o que predominava na Terra – imensas massas de vida vegetal cujas reminiscências estão representadas por depósitos de carvão. No período secundário, os oceanos levantavam-se e caíam e neles a horda invertebrada de moluscos, amonites e corais em número infinito e tamanho gigantesco alcançou supremacia. O período terciário é aquele em que os mamíferos vertebrados, anunciados pelos monstruosos dinossauros do secundário, desenvolveram-se subitamente em milhares de formas engenhosas e delicadas. O período quaternário inclui toda a história desse experimento especial que resultou no homem tal como o conhecemos hoje.

Cada uma das eras geológicas representa a predominância de um dos reinos da natureza, tendo cada um seu período de supremacia seguido pela subordinação à criação seguinte. Em cada era fizeram-se os primeiros experimentos brutos na preparação do tipo de ser ao qual pertenceria a próxima era. Os solitários trilobites do primário anunciavam o mundo invertebrado do secundário; perdido em seu próprio tempo, o volumoso diplodocus é o precursor do ligeiro cavalo e do tigre da era seguinte; o macaco do terciário, parecido com um ser humano, supõe um mundo de homens verdadeiros no presente.

Esse experimento de formas posteriores nos períodos que as precedem corresponde à difusão descendente de elementos superiores que destacamos anteriormente. O molusco na era dos vegetais tropicais é como a sílica do período dos invertebrados incrustada no reino dos minerais. E num sentido inverso, as formas primitivas de vida que ainda existem na era do homem desempenham, assim como o iodo em seu corpo, um papel estabilizador no mundo superior dentro do qual elas penetraram.

Essa oitava geológica também mostra bem a duração variável de diferentes notas segundo sua densidade. Assim como a barisfera tinha uma espessura de 2500 quilômetros, a litosfera 80 quilômetros, a biosfera das plantas apenas algumas centenas de metros e o reino dos animais e do homem uma película de suprema delicadeza, também a seqüência de períodos geológicos mostra uma redução logarítmica. A era dos metais e minerais deve ter durado talvez, da formação da Terra até o período cambriano, mil milhares de anos. A duração da era primária da vida vegetal é estimada em 300 milhões de anos, a da secundária em 140 milhões de anos, a da terciária em 60 milhões de anos e a do nosso quaternário em 2 milhões de anos.45

As notas de uma oitava ascendente duram menos e menos tempo porque suas vibrações são sempre mais comprimidas. Os períodos desenvolvem-se mais curtos porque mais está acontecendo neles. “A vida humana mudou mais nos últimos 50 anos”, escreveu Sir James Jeans, “do que a vida dos répteis em 50 milhões de anos nas eras Jurássica e Permiana.”46 É característico das energias mais sutis que num menor espaço e em menos tempo possa acontecer mais. Assim, como dissemos anteriormente das vidas dos seres de diferentes escalas, todas as eras geológicas têm na realidade a mesma duração.

Mas essa crescente compressão das notas à medida que se elevam acarreta outra implicação. Quanto mais possa acontecer no tempo, mais limitado ele se torna e mais parcimoniosamente ele é contado. A era das vegetações tropicais, pela pura limitação de suas possibilidades, durou 300 milhões de anos mas, mesmo assim teve seu fim em seu devido tempo. Sir James Jeans provavelmente exagerou quando disse que nossa escala de tempo acelerou-se um milhão de vezes desde então. É o que se espera pelo menos, pois isso significaria que o homem teria nada mais que um milionésimo do tempo delas para realizar todas as suas possibilidades.


III A Percepção dos Animais


A questão de como os animais pensam ou vêem o mundo sempre interessou o homem. Como Ouspensky assinalou em ‘Tertium Organum’, o fato de que nenhum meio direto de comunicação entre o homem e os animais com os quais convive tenha sido sequer imaginado é prova suficiente de que faltam-lhes definitivamente certos poderes mentais – tais como desenvolver conceitos ou imaginar uma terceira dimensão – que o homem tem como certos e sem os quais o mundo seria irreconhecível para ele. Ouspensky tentou deduzir a natureza das percepções que constituem a psicologia animal ao imaginar um mundo de criaturas vivendo apenas em uma ou duas dimensões ao invés de três.

Tentaremos agora nos aproximar da mesma questão por um ângulo diferente, de um ponto de vista mais físico que filosófico.

Se começarmos com a classe dos insetos, por exemplo, perceberemos que o que separa fundamentalmente a percepção humana da percepção do inseto é o tempo. Suponhamos um inseto cujo tempo de vida seja de apenas um dia, como certos mosquitos de verão. De acordo com o princípio discorrido no Capítulo II, de que todas as vidas têm a mesma duração, tal mosquito viverá sua vida aproximadamente 30.000 vezes mais rápido do que um homem. Todas as formas de vida que alcançam o mosquito, medidas em vibrações por segundo humano, seriam reduzidas 30.000 vezes ou aproximadamente 15 oitavas quando medidas pelo tempo do mosquito.

O efeito de tal transposição depende, é claro, da presença e natureza dos órgãos receptores correspondentes sobre os quais, no caso do mosquito, conhecemos pouco. Mas podemos dizer teoricamente e de modo geral que para o mosquito o ‘som’ humano (da 4a à 15a oitava) desaparecerá por completo ou tornar-se-á uma pulsação rítmica lenta. As ondas de rádio e as baixas freqüências elétricas (da 25a à 30a oitava) adquirirão a natureza do magnetismo, calor e luz da eletricidade e os Raios X a natureza do calor. A luz, representada por sua vez pelos raios gama e o fato de esses raios não existirem na natureza, pode ter um certo significado cósmico. Pode significar que por certas razões, a Natureza, ao relegar criaturas à escala dos insetos, exilou-as em uma região onde não há luz, evitando assim a possibilidade de inversão da energia divina.

Podemos calcular muitas outras transformações estranhas do mundo derivadas do tempo do mosquito. Se a percepção de radiação muda, a percepção do espaço linear deve mudar proporcionalmente, já que nosso principal meio de medida espacial está baseado na distância percorrida por diferentes energias num dado tempo. O som, por exemplo, viajando a uma distância de 330 metros por segundo para o homem, não cobrirá mais que um centímetro por segundo para o mosquito. Se um homem está no topo de seu jardim e grita para um mosquito a 100 metros de distância, sua voz o alcançará cerca de três horas mais tarde numa série de abalos sísmicos que durarão oito horas. Na realidade, o homem encontrar-se-ia a uma distância equivalente a quase 3.000 quilômetros e seu grito apenas seria percebido pelo mosquito – se o fosse – da mesma maneira que os seres humanos sentem um leve terremoto ou a erupção de um vulcão distante. Em tal escala o centro da Terra está tão distante do mosquito como o Sol de nós, enquanto que o próprio Sol seria tão remoto como a estrela mais próxima.

A densidade também estaria transposta à escala de tempo do mosquito e em relação a seu tamanho e peso minúsculos. Uma tempestade significaria a queda de vários blocos redondos de água por vários anos, como icebergs de um oceano setentrional. A água para ele seria um sólido mas ele não seria atingido por uma gota de chuva, assim como um homem não seria atingido por uma geleira; ainda que algumas vezes grandes extensões de água, tais como poças, pudessem sofrer terremotos e a dura crosta criada pela tensão na superfície, romper-se e projetar o desafortunado mosquito num abismo sem fim. O ar para ele seria líquido e nele poderia nadar para baixo e para os lados ou flutuar em qualquer nível. Muito provavelmente o aroma das flores e o odor da putrefação tomariam por sua vez o lugar do ar respirável.

Grande parte disso pode ser verificado por observação direta e por simples experimentos. De imediato vemos que os mosquitos caminham sobre a água como se ela fosse sólida e nadam, flutuam e suspendem-se no ar, de lado ou de cabeça para baixo como se ele fosse líquido. Vemo-los também irresistivelmente atraídos por fontes de luz, não necessariamente por ser luz mas pela mesma razão que a migração dos pássaros segue certos campos invisíveis de magnetismo terrestre. E novamente podemos provar com exatidão que a vibração do som estará fora do alcance da percepção do mosquito pela inutilidade do tentar atemorizá-lo com gritos.

Algumas pessoas reivindicam por outro lado, que certos insetos e mesmo certos répteis pequenos como lagartos, podem deter-se mantendo-se imóveis pelo simples fato de olharmos para eles com atenção. Enquanto estivermos olhando fixamente para uma aranha, por exemplo, ela permanecerá imóvel. Quando a atenção momentânea for desviada ela desaparecerá numa fração de segundos. Ainda que os insetos sejam insensíveis ao som, o olhar humano focado com atenção pode em alguns casos conduzir certas vibrações mediante as quais alguns insetos reajam mecanicamente.

Em relação a esses insetos o homem situa-se como um cosmos superior perante um inferior e seu olhar atento, incalculável para ele mesmo, pode atuar sobre eles da mesma forma que o sol ou o vento atuam sobre o homem, alterando completamente sua velocidade de movimento e padrão de ação.

Tudo isso, na verdade, não é característico do mundo dos animais, mas das células, para as quais não há acima, abaixo, direita ou esquerda. Tampouco reagem ao som e no corpo do homem respondem diretamente às vibrações intangíveis de sua atenção. De fato, o tempo dos pequenos insetos coloca-os na categoria de um cosmos inferior e podemos compreendê-los melhor se pensarmos neles, não como criaturas com significado individual, mas como células livres das quais o tecido conectivo animal é irremediavelmente carente. Tais seres têm significado apenas por sua repetição, ou seja, no corpo completo do qual fazem parte – seja a colmeia, o formigueiro, o cupinzeiro ou a nuvem giratória de mosquitos suspensa no ar de uma noite de verão.

Nos pássaros pequenos e peixes, cujo tempo de vida de poucos anos situa suas percepções a quatro e não 15 oitavas de distância do homem, a individualidade tem ainda pouco significado. Um bando de estorninhos ou um cardume de peixes forma-se, volteia, gira e migra a imensas distâncias no ar ou no mar com a mesma unidade e coordenação que um enxame de abelhas ou um corpo humano. A relação direta com o cosmos da Terra, característica dos grandes mamíferos e expressada pelo sentido de acima, abaixo e pela lateralidade ainda é muito vaga num pássaro ou num peixe. Quando estão sós, certas aves domésticas como os patos podem desenvolver um comportamento bastante individual e afeição por um ser humano, mas tão logo retornem ao bando perdem de imediato essas reações distintas e até mesmo o reconhecimento da pessoa amiga.

Para as criaturas nessa escala de tempo, apenas as quatro oitavas mais baixas de som são perdidas. Mas seus próprios sons e cantos estão naturalmente dentro ou mais além das oitavas mais altas de som para o homem. O chilrear dos morcegos e o pio dos pequenos pássaros são freqüentemente inaudíveis para nós e isso é bastante compreensível quando percebemos que tais criaturas têm quatro oitavas a mais de som acima das mais altas que o homem pode ouvir.

Quanto ao fenômeno extraordinário da migração, em que bandos de pássaros viajam milhares de quilômetros por rotas exatamente repetidas ano após ano, é provável que tenhamos uma resposta nas mudanças sazonais no campo magnético da Terra e para as quais essa transposição de quatro oitavas tornou sensíveis os órgãos das aves. O fato de que os abutres possam distinguir claramente cadáveres ou carne morta de alturas imensas – enquanto para outros pássaros, pelo contrário, apenas animais vivos são distinguíveis e os mortos não – parece sugerir que a própria visão daquelas aves pode variar para incluir ou excluir certas emanações ultra violeta para as quais a visão inferior dos humanos é insensível.

De fato, temos que imaginar as cinco classes de ondas recebidas pelos cinco sentidos de diferentes criaturas, modificando-se para cima e para baixo na escala eletromagnética segundo seus diferentes tempos, da mesma forma em que uma relação de cinco freqüências em diferentes antenas de rádio poderiam ser sintonizadas para receber estações transmissoras diferentes. Neste sentido, muitos, senão todos os exemplos do assim chamado ‘sexto sentido’ na natureza podem provavelmente ser explicados por tal modificação que traz ao campo de um dos cinco sentidos uma classe de radiações que permanece fora daquelas normalmente percebidas pelo homem.

Um exemplo interessante da diferença de tempo e suas implicações é encontrada no limite entre pássaros e insetos. Como Olivier Pearson coloca: “A média de vida de um animal depende de seu tamanho; quanto menor o animal mais rápido ele vive...Centímetro por centímetro, quanto menor o animal mais alimento ele come, mais oxigênio consome, mais energia produz. Resumindo-se: tem um grau maior de metabolismo... O beija-flor tem o mais alto grau de metabolismo que qualquer pássaro ou animal... Cada grama de seu tecido metaboliza 15 vezes mais rápido que uma grama de uma pomba e mais de 100 vezes mais rápido que uma grama de um elefante.”47

Para poder viver a essa velocidade o beija-flor deve alimentar-se a cada dez ou quinze minutos, isto é, aproximadamente 60 vezes por dia em relação às três vezes em que o homem o faz. Juntamente com isso, deve hibernar a cada noite, da mesma forma e pela mesma razão que alguns animais maiores hibernam a cada inverno, simplesmente por não poderem conseguir a comida para manter seu gasto de energia. Observando o zunido quase invisível de suas asas e a incessante rapidez de seu vôo, temos na verdade a nítida impressão de uma criatura vivendo cem vezes mais rápido que o homem.

Se nos insetos e mesmo em pássaros e peixes, a Natureza parece ter estado experimentando sobre o tema das células livres, ao abordarmos os animais domésticos, parece-nos contemplar uma variação sobre o tema dos órgãos livres. Os tempos do cavalo, da vaca, do porco, do gato ou do cão estão separados do tempo do homem por não mais do que uma ou duas oitavas e suas reações e percepções são deste modo mais diretamente comparáveis às dele. Sobre essa escala obteremos uma compreensão mais interessante da natureza animal comparando não o tempo, mas o mecanismo.

Examinando a anatomia de diferentes animais por esta forma e comparando-a à do homem, vemos em cada caso uma função ou órgão extremamente exagerado, enquanto que o restante fica reduzido ao mínimo necessário para tornar esse experimento uma criatura independente. Assim, um cavalo é um sistema muscular em marcha, uma vaca é uma glândula mamária que caminha, um porco é um estômago ambulante, uma galinha é um ovário caminhante e um cão um nariz com patas. Uma compreensão muito verdadeira da psicologia animal pode certamente ser obtida ao aprender a concentrar a atenção numa simples função em si mesmo e ‘sentir’ diretamente ali a natureza de suas percepções particulares, interesses e necessidades.

Num cavalo, vemos e valorizamos o prazer do movimento, a habilidade e delicadeza de coordenação, a resposta sensual ao calor e ao contato e a imensa capacidade de trabalho que podemos descobrir no nosso próprio sistema músculo-motor.

No cão apreciamos não apenas seu poder olfativo para a caça, mas também a rápida resposta à mudança de ambiente e humor e a afeição fundamental ao dono e à casa que um alto senso de olfato desenvolvido traz.

A estrutura mecânica desses animais também revela muito deles e das funções que parecem simbolizar. O cavalo pode com facilidade e prazer saltar, pinotear, rolar, cabriolar, mover-se e olhar nas três dimensões disponíveis para ele. A estrutura do porco, por outro lado, é tal que depois das primeiras semanas de vida torna-se impossível para ele olhar para cima. Seu pescoço extremamente pesado e unido solidamente ao pesado corpo com a cortina suspensa de suas orelhas permite-lhe elevar seu olhar apenas a poucos centímetros do chão e nunca acima do nível de seus olhos. O porco vive num mundo plano, o céu não existe para ele. Para o estômago não pode haver astronomia.

Mas talvez a limitação mecânica mais determinante nesses animais seja o fato de que seus olhos estejam localizados nos lados da cabeça. Cada olho pode receber um vasto campo de impressões e pode mesmo ‘ver’ um arco de horizonte maior que os seres humanos. Mas esse traço também significa que eles não podem focalizar seu olhar em objetos específicos como os homens podem. E esse poder de enfocar traz com ele uma possibilidade psicológica extremamente importante da qual os animais estão definitivamente privados. O ato de enfocar os olhos cria uma relação definida entre o observador e o objeto observado. É o que torna possível a sensação: “Eu estou aqui e aquele objeto está ali.” Esta sensação é o início da autoconsciência.

Tal consciência inteligente de si mesmo dentro de seu ambiente nunca poderá ser plenamente alcançada pelos animais. A limitação de seu poder de focalizar os olhos não é mais que um sinal externo de uma diferença interna na estrutura nervosa que definitivamente os exclui do caminho que conduz à autoconsciência individual e à regeneração.

Ao mesmo tempo, certos animais parecem aproximar-se mais da possibilidade de consciência que outros. O gato, por exemplo, desenvolveu um elevado grau de poder de focalizar não seus olhos, mas seus ouvidos. Um gato mirando uma mosca ou um rato, com seu ouvidos intensamente focados em sua presa, parece expressar no máximo grau possível do mundo animal o senso de relação consciente: “Eu, gato – você, rato.”

E de fato o gato parece mostrar muitos sinais de autoconsciência, ausente até mesmo na maioria dos homens. Num dia quente, um cão se esparramará num corredor permitindo que seus membros disponham-se conforme possam, indiferente à probabilidade de ser pisado. Ele muito evidentemente não sabe onde estão as diferentes partes de seu corpo. Tal comportamento é impossível para um gato, sempre cuidadoso ao acomodar seu próprio corpo; não perdendo também com toda a evidência o sentido de seu corpo como um todo. A Natureza parece ter pregado uma peça curiosa no gato. Se um cão é um experimento na função do olfato, um gato é um experimento na função da consciência. Mas é consciência sem relação com a mente, sem significado e sem possibilidade de desenvolvimento. Comparando o gato e o homem começamos a compreender como a consciência pode existir sem inteligência e a inteligência sem consciência.

É uma curiosa ironia da Natureza que o homem tenha que adquirir por trabalho duro o que um gato desfruta naturalmente. A diferença é que o homem tem que adquiri-la sabendo que está adquirindo-a, sabendo porque a está adquirindo e sabendo que não é mais que um passo necessário para algo diferente. A nenhuma outra criatura no mundo da Natureza tal possibilidade está aberta.


(44) Muito material detalhado desta seqüência de conexões pode ser encontrado em “La Biosphére” por G. Vernadsky e em “The Cycle of Weathering” por B. B. Polynov.

(45) Richard M. Field em “Van Nostrand’s Scientific Encyclopedia”.

(46) Sir James Jeans: “Through Space and Time”, pág. 47

(47) “The Metabolism of Humming-Birds”, por Oliver P. Pearson, Scientific American, Janeiro 1953.