segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Capítulo XVI - A Sequência das Civilizações

I A Hora Terrestre das Civilizações



Quando olhamos a seqüência ou o declínio das civilizações mais objetivamente, vários fatos estranhos emergem. Em primeiro lugar encontramos mais ou menos os mesmos estoques raciais sendo incorporados ora no corpo de uma cultura de determinado caráter ora dentro de outra cultura baseada em capacidades, ideais e compreensões muito diferentes. Durante grande parte dos últimos dois milênios as raças vigentes da Europa permaneceram notavelmente imutáveis, continuando pura e claramente distintas entre si até os dias de hoje. E ainda assim, esse mesmo material, essa mesma aglomeração de células poderia ser formada dentro de diferentes civilizações com estilos extraordinariamente contrastantes.

Certamente a qualidade de cada uma delas corresponde ao tipo psicofísico e capacidade da raça que a originou. Uma civilização foi concebida pelos gregos, outra pelos romanos, uma terceira por franceses e uma quarta novamente por italianos. Breve, todas as outras raças da árvore genealógica européia imitam com maior ou menor sucesso o exemplo da líder e vendo numa escala de séculos, o empenho principal de todo o continente parece mudar de pensamento para trabalho, arte e misticismo de modo extraordinário e inexplicável.

Desde que o material do grande corpo dessas civilizações é o mesmo, o que mudou efetivamente para produzir interesses tão diferentes, realizações e ideais tão distintos em épocas sucessivas? Podemos traçar algum movimento cósmico que correspondesse a esse padrão de mudança?

Quando estudamos os tempos do universo, chegamos à conclusão que o tempo de uma respiração solar era reminescente do período da precessão dos equinócios, durante o qual a Terra desloca seu eixo ao redor de um círculo completo de estrelas fixas. O efeito desse movimento é que a posição do Sol no equinócio de primavera passa através do ciclo completo do zodíaco, sendo sua posição original restituída somente 25.765 anos depois. Assim, os signos do zodíaco utilizados como divisões matemáticas do percurso do Sol não correspondem mais às constelações atuais que têm esses nomes pois estas últimas foram, por assim dizer, deixadas para trás. Em outras palavras, a radiação do Sol atua na Terra numa combinação que muda lentamente com qualquer influência que possa ser recebida do centro da galáxia.

Num capítulo anterior pensamos na vida na Terra a partir da analogia de uma peça num palco onde as luzes coloridas dos planetas estivessem constantemente se movimentando para produzir efeitos emocionais variáveis. Mas ao mesmo tempo, pensávamos nesse efeito sendo sutilmente influenciado ainda de outra forma pela leve música tocada fora de cena, o que alteraria todo o sentimento do espectador sobre a peça sem que ele mesmo se desse conta. Em nossa analogia, essa música distante podia ser comparada ao efeito de nossa relação variável com o zodíaco, ou seja, com a Via Láctea. Se considerarmos então que uma civilização seja uma apresentação completa da peça, isso significará que cada performance terá um fundo musical muito diferente, o que por sua vez implica em que todo o efeito emocional será sutilmente mudado, com a mesma peça suscitando, na medida em que forem sendo evocados, lados muito diferentes da humanidade.

Como lembrávamos, o eixo entre a Terra e o Sol desloca-se gradualmente ao redor de todo o zodíaco em 25.765 anos. Esse período não apenas parece equivalente à respiração solar, mas, tomando a vida da Terra como sendo entre 11/2 e 2 mil milhões de anos ele também representa exatamente a metade de um dia terrestre. Assim, o tempo que esse eixo leva para passar através de um dos signos do zodíaco, 2.150 anos, corresponderá a determinada hora dentro desse grande dia da Terra e assim como uma das horas da manhã, do meio dia ou do crepúsculo dos dias comuns dos homens, cada hora cósmica terá sua própria qualidade, suas próprias possibilidades e seu próprio apelo emocional.

Além do mais, se considerarmos que essa hora terrestre de 2.150 anos forma uma oitava, cada nota dessa oitava irá durar perto de 300 anos. Esses três séculos parecem corresponder a uma geração da cultura, isto é, ao tempo entre o nascimento de uma civilização e o momento em que, tendo alcançado a maturidade, ela por sua vez dá nascimento a uma nova civilização que irá suplantá-la.

Vemos deste modo que a oitava das civilizações européias que interligam os últimos dois mil anos podem de certa forma representar o efeito no mundo dos homens das sete notas sucessivas de uma hora terrestre. E teoricamente, uma cadeia de 84 dessas civilizações poderia ter significado um simples dia na escala da Terra.

Além do ciclo europeu com o qual estamos familiarizados, certamente é difícil estabelecer qualquer coisa muito definida, embora uma oitava primitiva ou mesmo talvez duas oitavas de civilizações possam ser discernidas no Egito. Existem traços de outros milênios de culturas na América, China, Índia e Mesopotâmia.

Ainda que seja remoto, é interessante considerar as muitas lendas sobre uma grande catástrofe terrestre à qual deve-se a destruição do continente da Atlântida e a produção de uma quebra quase que completa na cadeia da cultura humana. Hoje, a comparação de evidências astronômicas, geológicas, arqueológicas e mitológicas parece confirmar tal catástrofe e situar sua data em algum lugar entre 11.000 ou 12.000 a.C.67

Naquele período distante, o sol estava no equinócio de primavera, não em Peixes ou Áries como esteve nesta última era, mas no signo de Libra. A relação total de influências solares ou galácticas pode então ter sido o reverso do que é hoje e pode ser que tal desastre estivesse de alguma maneira conectado com aquela noite terrestre que precedeu nossa atual cadeia de civilizações, separando-as pronunciadamente das ações do homem numa era anterior e não documentada.

Alguns pesquisadores modernos tentaram explicar essa interrupção na história humana através de algum cataclismo cósmico ou astronômico. O cosmologista vienense Hans Hoerbiger, desenvolvendo uma teoria de que grandes corpos planetários tendem a captar aqueles menores e finalmente desintegrá-los, sugeriu a desintegração de algum satélite anterior à nossa lua atual como sendo essa causa. Velikovsky, por outro lado, afirma que a Terra mudou sua órbita e magnetismo, Vênus transformou-se de cometa em planeta e Marte passou a uma distância considerável da Terra, todos em períodos históricos e com resultados históricos. Tais teorias são inadmissíveis em sua forma presente porque consideram o Sistema Solar como um jogo sem significado de esferas voadoras, onde qualquer acidente de tráfego devido a dirigir alcoolizado pode ser esperado. Se a idéia de um cosmos vivo é aceita, então as capturas de caráter físico e colisões não são mais plausíveis entre os planetas do Sistema Solar do que o seriam entre os órgãos do corpo humano. E pela mesma razão.

Ainda assim, existe claramente uma interrupção física na história da humanidade. Temos seis mil anos de história, talvez dez mil a mais de lenda. Além disso, a escuridão. Então, mais remotamente ainda, novamente claros traços de homens que reconhecemos e que numa certa extensão compreendemos. É um fato estranho que saibamos mais da humanidade de vinte mil anos atrás do que de dez mil anos.

Teria o homem cometido algum grande erro que tivesse que ser expurgado? Teria ele meramente passado através de algum intervalo terrestre que não dependesse dele mais que uma tempestade numa nuvem de mosquitos de verão? Estariam ambos os fatores – o destino humano e a pulsação cósmica – igualmente envolvidos? Não sabemos. Está claro apenas que alguma chave mestra para a história humana está perdida.

Quanto mais remotamente adentrarmos a história, maiores os monumentos, mais exato o conhecimento. A Esfinge e a Grande Pirâmide, do período anterior às dinastias, são ambas mais vastas em conceito e mais significativas em detalhes do que tudo o que vem depois.

No Peru, a arquitetura pré-incaica é mais perfeita que a inca e nas fabulosas ruínas antigas de Tiahuanaco, na qual alguns blocos de pedra pesando quarenta toneladas estão aparados e encaixados como gesso são até mais perfeitos ainda. Muitas das mais estranhas realizações do homem não têm origem conhecida. Como Ignatius Donnelly assinala, nenhum animal doméstico foi domesticado dentro da memória que se tem da história humana; todos os animais que são domésticos agora já estavam domesticados no começo da história. Por quem? Como?

Não apenas materialmente, mas em grandiosidade de filosofia, pureza de religião, ousadia em sua astronomia e sutileza de simbolismo, o que encontramos na antigüidade em sua maioria não se compara a qualquer coisa efetuada desde então. O mapa das constelações pelos Caldeus, a exata medição dos ciclos estelares que duraram milhares de anos pelos egípcios, a invenção das letras, dos hieróglifos e escritos, o conceito perdido de divindades que criam divindades. Dificilmente podemos imaginar maiores realizações. Nada disso poderia ter sido descoberto por acidente por homens comuns. Tudo sustenta a marca de uma escola consciente.

Quando retrocedemos dez mil anos mais para as pinturas rupestres somos surpreendidos por uma grande diferença. Encontramos o desafio físico do caçador, a habilidade do arqueiro, seu traço patético na impressão da palma de sua mão nas paredes, faminto por carne e sexo, o medo e o amor de sua presa. Mas nenhum traço de escola. O homem está vivendo num mundo onde os mais poderosos seres não são nem estrelas nem deuses, mas o bisão e o mamute. E ele simplesmente situa-se entre eles.

Em algum lugar entre Altamira e Egito, em algum lugar entre 20.000 e 10.000 anos atrás, escolas para o alcance da consciência parecem ter sido estabelecidas sobre a Terra. De alguma forma os homens atraíram a ajuda de forças superiores no universo, foram admitidos a cooperar conscientemente num esquema cósmico. Essa é a chave que está perdida. Isso é o que os homens distinguem vagamente quando olham para Atlântida, um lugar onde toda a cultura era única, todo conhecimento novo, onde todas as civilizações subseqüentes, linguagens e religiões tiveram sua origem comum.

Tínhamos dito que a natureza da escola é invisível. Quando as escolas foram estabelecidas pela primeira vez na Terra e começaram a imensa tarefa de abrir os olhos dos homem meio animal para a natureza do universo e suas possibilidades nele, elas devem ter atuado abertamente. Tais homens não poderiam ter respondido de outra forma. Desde então, as escolas tornaram-se invisíveis. Por alguma razão cósmica todos os traços desse primeiro impulso de esforço humano consciente foi apagado. E ao homem comum foi admitido, talvez até mesmo encorajado, a pensar que ele tivesse conquistado tudo sem ajuda. Esse é parte de seu teste, parte de sua possibilidade de alcançar compreensão independentemente.

O estudo da maioria das pinturas das cavernas ensina-nos algo mais. Estas – aparentemente os primeiros traços artísticos deixados pelo homem na Terra – datam do assim chamado período Auriciano, perto de 40.000 anos atrás. Mostram-nos pesados mamutes, arraigados como árvores em sua imobilidade, um crânio de rena com cornos, linhas serpenteantes que poderiam ser trilhas através da floresta, mãos pesadas e o torso grosso de uma mulher sem pernas. Tudo é pesado, estático, arraigado pacientemente na terra como que para sempre. Um mundo lunar, linfático – as palavras vêm involuntariamente.

Metade do período total de tempo desde o homem Auriciano decorre antes que cheguemos ao próximo período, o Madaleniano. Nas mesmas ou semelhantes cavernas da França e Espanha, notavelmente em Altamira, encontramos desenhos de um caráter completamente diferente. Aqui tudo está no mais violento dos movimentos. Um bisão em convulsões nos seus espasmos de morte, cascos galopantes do estouro de um rebanho, homens delgados correndo, equilibrados, tensionando seus arcos, atirando suas flechas. Até o olhar para esses desenhos implica ação, tensão, movimento impetuoso. É um mundo mercurial, puramente tireóideo.

Quando comparamos aqueles primeiros homens, cuja vida toda foi ruminação e estes últimos cuja vida foi toda ação, com os homens dos nossos próprios dias em quem o pensamento é tão evidentemente dominante, uma idéia mais interessante começa a desenvolver-se. Poderiam na história humana, diferentes funções serem estimuladas na mesma ordem e da mesma forma que o são na vida do homem individual? Nos Capítulos X e XI vimos como essas funções parecem desenvolver-se a partir de um centro, tanto em sua anatomia física quanto em seu tempo de vida. Timo, pâncreas, tireóide, paratireóides, supra-renais, pituitária anterior e posterior, gônadas e pineal. Como uma cadeia de ação retardada cada uma parecia colocar a próxima em funcionamento e com o tempo ser suplantada por esta.

Suponhamos a mesma seqüência de estímulos na vida da humanidade. Somente aqui, como vimos ao estudar geologia, o tempo tem um movimento reverso àquele do homem individual. Ao invés de declinar a cada ano que passa, como acontece com o homem, para a Terra e para a humanidade o tempo torna-se cada vez mais abundante. Os períodos primordiais são mais extensos, os últimos mais curtos. A escala logarítmica para o estímulo de funções sucessivas segue para trás, não para a frente.

Suponhamos então, como tentaremos mostrar mais tarde que no presente atual uma pressão totalmente nova está sendo trazida para sustentar os poderes mentais da humanidade através do estímulo da pituitária anterior. Suponhamos que o período de dominância da pituitária posterior tenha durado mil anos e que cada período funcional precedente tivesse o dobro de duração daquele que o seguiu. Recapitulando o esquema de vida individual experimentado no Capítulo 11, teremos uma tabela como a que segue:

Data .................Duração de Vida ..... Glândula e Tipo...........Período

60.000 anos atrás ....... 32.000 anos ............ Timo- Solar ......................... ?

30.000 anos atrás ....... 16.000 anos ..........Pâncreas-Lunar.......Aurinaciano Madaleniano (pedra)

15.000 anos atrás ........ 8.000 anos ................Tireóide-Mecurial .................... Egípcio


5.000 a.C. ...................4.000 anos ....... Paratireóides-Venusiano.....Caldeu Antigo, Indiano (cobre)


1.000 a. C. ................. 2.000 anos.........Supra-renais-Marcial ....... GrecoRomana, Iraniana (ferro)


1.000 d.C. ................. 1.000 anos ....... Pituitária Posterior-Jovial.....Européia, Medieval e Renascença.(papel)


Presente............................................ Pituitária Anterior-Saturnino........... Moderno (eletricidade)

Evidentemente é difícil abarcar de imediato todos os traços do homem numa certa época em todas as partes do mundo e chegar a uma conclusão clara sobre a especial compreensão funcional que desfrutaram. Mas o período Auriciano, como vimos, é estranhamente linfático e o Madaleniano espantosamente mercurial. As grandes e lentas civilizações de mestres construtores do Egito, Suméria e Índia Antiga que vieram à luz cerca de 5.000 a.C. com ferramentas de cobre têm todas as características do equilíbrio, solidez e tranqüilidade de crescimento que associamos às paratireóides e Vênus. Novamente, a invenção de armas de ferro cerca de 1.000 anos a.C. parecem conduzir a um período de paixão, turbulência e mudança que interrompeu as formas fixadas do mundo antigo e encheu a Europa, Oriente Médio e China com alertas marciais por dois mil anos. E mais uma vez, o último milênio produziu e reconciliou uma profusão jovial de realizações em todos os lados psico-emocionais da vida de uma forma que o mundo nunca tinha visto até então.


Tal tabela refere-se ao crescimento da humanidade, não à sua regeneração: a seu desenvolvimento e não ao seu florescimento bom ou sábio.


Este não é o lugar para desenvolver a idéia em maiores detalhes. Mas um aspecto dela é importante. Na vida individual vimos que os períodos do pâncreas e da tireóide são pré-natais, pertencentes à gestação. O homem Auriciano e Madaleniano, trabalhando no escuro de cavernas-úteros, sugere gestação numa outra escala. Na vida individual, em algum lugar entre o momento da tireóide e o momento das paratireóides, entre a sagacidade e a infância, vem o nascer da luz e do ar, com tudo o que estes implicam.


Em algum lugar entre 15.000e 5.000 a.C., algum lugar do qual não temos traço, nasceu a humanidade? Nascida para o ar, luz, cultura, tradição e herança da evolução consciente? Seriam as escolas esotéricas, estabelecidas pela primeira vez na Terra de acordo com algum plano universal as parteiras desse nascimento? O que era esse direito de nascer e quem eram as testemunhas? Estas estão entre as maiores questões que podem ser perguntadas e é um vago pressentimento delas o que até hoje persiste a respeito da palavra ‘Atlântida’.




II Nascimento e Renascimento das Culturas 68




A civilização ancestral à nossa cultura é evidentemente a grega. Antes dela a Europa era um Éden florestal povoado por tribos dispersas com hábitos tribais. Não havia produzido cidades, literatura, nem ciência geral ou religião. As civilizações anteriores – no Egito, Mesopotâmia, Índia e China – tinham sido desenvolvidas entre povos de raças muito diferentes e sob diferentes condições climáticas, não podendo portanto, serem consideradas como pertencentes a essa linha particular de desenvolvimento.


Não conhecemos a identidade dos homens conscientes que a princípios do século VI a.C. conceberam a primeira civilização verdadeira na Europa. Há o quase legendário Sólon, promulgador de leis, poeta, reformista e civilizador, o tradicional ‘pai de seu povo’, com seu contemporâneo Tales de Mileto, figura igualmente indefinida de primeiro cientista, observador e demonstrador das leis da natureza e do universo. Estes apenas emergem parcialmente do invisível ‘período de incubação’ do qual falamos. Talvez não sejam mais que figuras representativas. Os verdadeiros fundadores devem ter trazido o corpo intensamente concentrado de conhecimento necessário a um novo princípio que fosse análogo ao de alguma civilização já altamente desenvolvida – provavelmente a egípcia – e parece possível que tenham sido homens dessa raça.


Na verdade, Platão mais especificamente nos relata que Sólon, seu ancestral, foi ensinado por sacerdotes egípcios durante sua visita a Sais, por volta de 590 a.C. e Clemente de Alexandria acrescenta que Pitágoras adquiriu sua ciência da mesma fonte. No ‘Timeu’ fica claro que a escola de Sais revelou deliberadamente o conhecimento mantido oculto por muito tempo aos visitantes gregos, “pois eram grandes amantes dos atenienses e diz-se que de alguma forma ela o transmitiu a estes.” Esse relacionamento, esotericamente falando, era de pais para filhos.


Em todo caso, é no tempo de vida de seus seguidores que os perfis de uma nova cultura tornam-se magnificamente aparentes. Em oitenta anos, no litoral da Grécia e ao sul da Itália, onde antes construía-se apenas com madeira e telhas, surgem os templos mais sutis já feitos pelo homem. Para tornar possível essa realização técnica, Pitágoras já havia desenvolvido as leis internas da harmonia e trabalhou em suas manifestações para criar uma nova arquitetura e uma nova música. Anaximandro, um discípulo de Tales, tinha inventado os instrumentos básicos de uma nova tecnologia – o gnômon, o relógio e a esfera astronômica. Escultores desconhecidos tinham despertado a estatuária egípcia de sua imobilidade atemporal e criaram a figura do kouroi, o homem de olhos vivos da nova era. Pintores de vasos colocaram uma mitologia simbólica da relação entre homens e deuses em cada casa e a forma dramática da tragédia, criada por Thespis, revelou o eterno choque entre a obstinação do homem e as leis superiores do universo em grandes festivais dramáticos onde, desta forma, toda a população podia ‘ser purificada com piedade e terror’.


Ainda assim, por trás dessa diversidade sentimos uma fonte informativa, algum centro oculto de vitalidade que é sugerido, ainda que nunca revelado, pelo estranho papel dos Mistérios de Elêusis.


Portanto, ao término de uma vida, uma nova forma tinha se estabelecido para cada aspecto e função da nova civilização. Sua ‘personalidade’ estava completa, faltava somente que todas as implicações técnicas e intelectuais dessas novas formas fossem aperfeiçoadas, elaboradas e popularizadas, tornando-se mais tarde estilizadas, exageradas e decadentes.


É interessante observar neste ponto o trabalho das leis de escala. Vimos como o organismo humano cresce de acordo com uma curva definida, desde uma simples célula até vários bilhões delas. Assim acontece com uma civilização. Assim a cultura grega, com todas as suas potencialidades sintetizadas no início do século VI dentro de um único homem ou de um punhado de homens, na metade desse mesmo século já tinha absorvido algumas centenas dos melhores e mais criativos indivíduos e no final havia ‘organizado’ dentro de um novo modelo de vida milhares de cidadãos de Atenas, Creta, Siracusa e meia dúzia de outros centros.


Esse crescimento ou incorporação de um número cada vez maior de ‘células’ humanas continuou firmemente. Ao longo do século V, colônias no Mar Negro, Sicília e Ásia elevaram gradualmente a população do mundo grego a centenas de milhares. No século IV, pela instrumentalidade de um conquistador mundial, Alexandre, o Grande, a escala alcançou a casa dos milhões.


Ao mesmo tempo, em proporção exata a esse ‘crescimento’, a intensidade da helenização diminuiu e os últimos milhões incorporados ao corpo político grego tenderam mais a obscurecer sua natureza – assim como num homem adulto camadas acumuladas de gordura, ainda que incorporadas a seu corpo, podem prejudicar sua verdadeira natureza e possibilidades. Teriam, sem dúvida, efetivado inteiramente sua destruição não fossem homens mais conscientes como Sócrates, Platão, Aristóteles e outros continuarem a ser produzidos do centro da civilização ou da parte mais alta dela. Eles mantiveram o organismo vivo. Sem eles esse organismo tornar-se-ia um Frankenstein lançando-se à destruição.


Ainda assim, chega o momento em que a vida interna da cultura é insuficiente para conter a tendência patológica que sempre está esperando para atacar um organismo maduro. As conquistas se desvanecem e o mundo grego começa, como um homem velho, a contrair-se e abater-se. Quando não tem mais que quatro séculos e meio de vida cai sob o influxo da nova civilização romana e vive a partir de então uma vida de servidão, ensinando ou favorecendo sua jovem ama até que oitocentos anos depois de sua fundação a pátria grega seja arrasada pelos godos e a civilização helênica finalmente morra como organismo independente.


Mas de onde surgiu essa nova civilização romana? No começo do século IV a.C., quando a civilização grega já tinha dois séculos e meio atrás de si, existia em Sanos a escola de Epicuro e em Atenas a escola dos estóicos presidida por Zenon. Quem passou nessa época de tais escolas para a fronteira bárbara da cidade de Roma, não o sabemos. Mas sabemos que por essa época o mesmo fenômeno de assombroso crescimento, de súbita e brilhante manifestação em cada fase da atividade humana, ocorre na Itália como tinha ocorrido anteriormente na Grécia. E sabemos também que essa nova civilização romana desde seus dias mais primordiais até sua devastação pelos hunos e vândalos, oitocentos anos mais tarde, foi instruída pelos ideais do epicurismo e do estoicismo.


Ainda assim, a essência da cultura romana era muito diferente da grega. Seus monumentos não eram templos mas vias e aquedutos e seu instrumento de expansão não era a filosofia e sim as legiões que marchavam sobre essas vias. Assim, após três séculos de crescimento, sua musculatura de estradas e acampamentos militares servia a um império ainda maior que aquele anterior unificado pelo sistema nervoso da filosofia grega.


Civilização................. Transmissão de Idéias....................... Monumento



Grega Romana .............Drama, música, Código de leis ......Templo, teatro, estradas, aquedutos


Cristã-Primitiva ............................Oração .......................................Novo Testamento

Cristã-Monástica............. Manuscritos e iluminuras ...................... Mosteiro, abadia

Cristã-Medieval .....................Ritual, escultura ............................... Catedral, igreja

Renascimento ................ Livros impressos, pintura ..................Universidade, escola

Sintética ...............................Rádio, cinema ..............................Aparato eletromagnético



Foi então que nesse momento de sua maturidade foi concebido dentro do mundo romano um homem que conhecemos historicamente como Cristo e que, de acordo com os relatos, em alguns poucos anos de atividade não apenas posicionou os fundamentos da próxima civilização mas também estabeleceu certa forma hereditária ou ideal para todas as gerações de culturas que se sucederam. Nesse caso, temos traços literários definidos de um fundador único, de seu círculo imediato de doze discípulos e dos ‘Atos dos Apóstolos’ pelos quais em poucas décadas o novo conhecimento, ideais e organização foram difundidos através de todo o Mediterrâneo Oriental.


Essa Civilização Cristã Primitiva tinha seu centro de gravidade num nível mais sutil que a grega ou a romana. Seu maior monumento não foi nem a estrada nem o templo, mas um livro, o Novo Testamento, e em suas primeiras etapas cresceu e estava unida não por um sistema político ou artístico, mas por um extraordinário sistema metafísico de refinamento. Seu centro de gravidade, por assim dizer, situa-se mais próximo à sua alma que em qualquer um de seus antecessores.


Mas ainda nesse caso, o corpo material da civilização cresceu de acordo com as mesmas leis e desde as ‘sete igrejas na Ásia’ do primeiro século, ela reconheceu sua maturidade imperial com o reconhecimento da Cristandade como dogma oficial do Império Romano por volta do ano 320 d.C.. A Civilização Cristã abarcou o mundo, declinou e degenerou. Oito séculos após sua concepção, o Papado, sua expressão temporal mais alta, era objeto de barganha comercial no mercado romano.


Assim, a Civilização Cristã Primitiva morreu. Mas em 529, um homem que foi talvez seu mais alto produto, São Bento, fundou em Monte Cassino um mosteiro onde, num pequeno círculo fechado, tudo foi reconstruído, feito outra vez desde o princípio, numa nova forma, apta a uma nova era. Era o nascimento da Civilização Cristã Monástica.


Sobre esse novo princípio há algo muito interessante. Com as civilizações Grega, Romana e Cristã Primitiva, passamos as três primeiras notas de uma grande oitava histórica. Aqui chegamos a um intervalo – os Anos Negros – onde a violência, ignorância e anarquia varreram a Europa como uma onda.


São Bento criou uma forma especialmente adaptada para passar esse intervalo. O mosteiro era uma caixa de sementes. Dentro dela estavam colocados os genes de uma nova cultura. E então ela foi lacrada. Ao mesmo tempo, a máxima ‘orare et laborare’ permitiu que cada mosteiro fosse auto-suficiente, um mundo em miniatura por trás dos muros que os fizeram meio prisão e meio castelo. Ali tudo o que era de valor do passado foi mantido – manuscritos copiados dos gregos e dos romanos, simbologia bizantina transferida para miniaturas pintadas, segredos de música e medicina preservados, o ‘opus dei’ ou trabalho de regeneraçãom, empreendido. A grandiosidade física do mundo antigo foi como que reduzida à escala molecular, como a memória nas células do córtex cerebral, esperando um tempo no qual pudesse manifestar-se abertamente uma vez mais.


Ao término de dois séculos, milhares de tais mosteiros tinham florescido na França. Uma vez mais, somente uma multiplicidade de unidades auto-suficientes teriam esperança de ultrapassar o caos.69 Sobre eles as condições pioravam incessantemente. Sarracenos do sul, magiares do oriente e nórdicos do Canal descendo rio abaixo pelos vales, incendiando vilas e colheitas e destruindo cidades antigas. Toda a autoridade e segurança central tinha desaparecido. “Três homens não podem encontrar dois sem mandá-los para a morte.”


Mas à medida que os séculos passam o sistema monástico também envelhece e descuida-se. Regras são esquecidas, o ensinamento desencorajado, abades leigos casam-se e vivem como senhores feudais, enchendo os claustros com guardas e caçadores. Segurança e garantia, principais condições que permitiram que as civilizações fossem preservadas, debilitam-na e solapam-na insidiosamente.


No século XI é hora de as escolas prosseguirem no mundo novamente. Os mosteiros tinham sido sua Arca. Agora, como Noé, elas devem outra vez cultivar a terra assim que o dilúvio retroceda.


Nasce a Civilização Cristã Medieval. Tão subitamente como sempre, uma imensa onda de esperança, energia e esforços num simples tempo de vida transforma a face da França. Seu momento de emergência é impressionante. Em 1095, na resguardada abadia de Cluny, em Burgundy, uma imensa igreja num novo estilo é consagrada, precursora de todas as catedrais da Idade Média e a maior – salvo São Pedro – já construída. Ao término de uma geração, essa extraordinária nova imagem do universo aperfeiçoada na quietude do mosteiro está sendo imitada em cada cidade e aldeia da Europa Ocidental. O trabalho é feito não por clérigos, mas por maçons anônimos. As escolas tinham vindo ao mundo novamente.


Tais são os monumentos físicos que vemos, eles mesmos provas de sua origem. Nesse caso podemos estudar em alguns detalhes o imenso trabalho com dois séculos de duração necessários para preparar seu nascimento. Cluny, externamente um mosteiro como qualquer outro, foi fundado em 910 quando, como disse o Concílio de Trosly, “os homens destruíam-se uns aos outros como peixes do oceano.” Um vale esquecido, igualmente distante das atribuladas cortes de Paris, Aachen e Pávia, foi escolhido e a escritura rezava numa maldição de trinta linhas que ninguém, nem o próprio Papa poderia violar sua independência absoluta. Por descendência direta, os doze monges que para ali vieram, trouxeram a tradição do próprio Monte Cassino.


O significado dessa continuidade e dessa tradição não aparece senão lentamente. Primeiro os clunienses transformaram sua própria região, melhorando a agricultura, plantando vinhas e guarnecendo os rios com peixes. Logo foram chamados para reformar outros mosteiros. Onde quer que a paz fosse estabelecida, novas casas surgiam. Ao término de um século eles administravam milhares de quilômetros quadrados e tratavam diretamente e de igual para igual com duques, reis e com o imperador.


Pelo ano 1000 são os clunienses que tomam os primeiros passos efetivos contra a anarquia e a violência. Passo a passo eles asseguram a Trégua de Deus. Primeiramente, lutar nos finais de semana fica proibido; nem monges desarmados, homens acompanhando mulheres ou indo à igreja podiam ser atacados, todos poderiam recorrer ao santuário do altar. Mais tarde a trégua estende-se a metade da semana e a todas as festas religiosas. Barões rebeldes são cerimoniosamente excomungados por transgredi-la. Mas dificilmente a tradição da violência morre. O fidalgo que aterroriza viajantes e a região mantida por seu castelo dificilmente é persuadido. E em 1095 são novamente os clunienses, com uma astúcia que talvez tenha sido sua ruína que empreendem a Primeira Cruzada que de imediato fornece à França um reino no oriente e que por empregar os incorrigíveis saqueadores traz, no mínimo, paz à pátria.


Outra linha de tradição direta do mundo clássico tinha sido preservada pelos Mestres Comacenos, herdeiros dos colégios romanos e que – de acordo com a história – escaparam da perseguição de Diocleciano para estabelecerem-se numa ilha de Lake Como, de onde influenciaram toda a arquitetura da Europa Ocidental, do século IX ao XI. Parece provável que o Abade Odo de Cluny, em suas numerosas viagens para a Itália através dos Alpes tenha feito contato direto com os comacenos, pois do século X em diante Cluny torna-se um centro de formação de primeira importância e temas comacenianos freqüentemente aparecem em seu trabalho.


No século XI existem centros clunienses por toda a França, salvo nas áreas influenciadas por conexão com escolas – Chartres com sua especialidade em medicina, Rheims em música e Monte Saint Michel em astronomia. Uma missão conjunta de Cluny e Chartres vai para a Espanha árabe para estudar e trazer o Alcorão, logaritmos, tratados de astronomia, álgebra e alquimia. Com a conquista normanda, são os clunienses que colonizam o selvagem noroeste da Inglaterra. Quando Sanchez, o Grande, reconquista dos mouros o norte da Espanha é o apoio deles que ele busca e ao construir a imensa catedral de São Tiago de Compostella na costa do Atlântico, eles organizam milhares de quilômetros de rotas de peregrinação para levar idéias, cultura, comércio e possibilidades para o território recém conquistado.


Dos clunienses, na verdade, pode-se dizer que inventaram a peregrinação criando redes de relicários que pela primeira vez levaram movimento intencional a uma sociedade estagnada. Peregrinação significa dia santo para o trabalho diário do servo, um mundo mais amplo e aberto para o inimaginável. Significa difusão de habilidades, artes e melhorias na agricultura. Poucos podiam retornar de Canterbury, Compostella e Roma sem novas impressões, novas idéias e até mesmo uma intuição do grande trabalho interno que residia por trás desses lugares.


Toda essa imensa tarefa não era senão preparação para aquela nova cultura que finalmente floresceu na Europa Ocidental nos séculos XII e XIII. Assim que floresceu ela saiu das mãos dos clunienses. O ‘iussu et imperio Hugonis’, a ordem e império do Abade Hugo, que em seu auge incluiu 15.000 estabelecimentos estendendo-se de Portugal à Polônia e administrou terras tão grandes quanto os maiores reinos da Europa, amadureceu, foi espoliada e desintegrou-se. O mundo que ela tinha trazido à luz tornou-se destruído por monstruosas perseguições e disputas dogmáticas: a Inquisição. O pensamento congelou-se em superstição e academicismo. Como sempre, o que a princípio tinha estabelecido tudo o que era novo e promissor, tentou impedir qualquer mudança. A pressão latente aumentou. E após novecentos anos de sua fundação, as hordas da Revolução Francesa arrasaram tão profundamente a grande Abadia de Cluny que nenhum traço de sua magnificência permaneceu.


Mas uma vez mais, dentro da cultura dessa época, outra nova já tinha sido concebida. No exato momento em que o fogo da Inquisição Espanhola mostrava a que profundezas a idéia medieval podia cair, uma nova luz surgiu na Itália. Tal como antes, um recanto inesperado, longe dos pesados impérios em guerra foi seu local de nascimento. Mas para manter essa nova era, nem abades nem sacerdotes e sim uma rica família de banqueiros tornou possíveis as condições.


Cósimo Medici era o principal cidadão de Florença à época em que essa pequena cidade tornava-se foco tanto de oposição ao Papa de Roma quanto de apaixonada devoção à antigüidade clássica e cujas estátuas, templos e manuscritos – depois de mil anos de indiferença – estavam sendo agora descobertos. Essas figuras nuas, colunas lisas e mentes claras, pareciam – em contraste com a superstição, elaboração e ritual da Idade Média – abrir uma janela para o paraíso. Cósimo colecionou ao redor de si o melhor das descobertas e uma plêiade de jovens artistas que estavam fascinados por elas – Donatello, Ghiberti, Della Robbia e Lippi. Ele adquiriu manuscritos gregos e latinos, abriu a primeira biblioteca pública na Europa e em 1440 foi reconhecido como primeiro patrono do que já era chamado ‘O Novo Aprendizado’.


Um estranho fato ocorreu então. Em 1438 o Imperador João Paleólogus de Constantinopla, com uma comitiva de sábios, artistas e clérigos veio ao ocidente num último empenho de conseguir ajuda contra os turcos. Um concílio com o Papa e a Igreja Ocidental foi organizado em Ferrara. Quando este estava para ser iniciado, Cósimo Medici persuadiu o Imperador, o Papa e toda a assembléia a transferir-se para Florença, ele próprio financiando tudo. Nenhuma ajuda ocidental foi conseguida e o Imperador voltou para Constantinopla de mãos vazias para encarar sozinho a tragédia inevitável.


Mas nos bastidores algo muito importante tinha acontecido. Homens de escola da comitiva do Imperador pareciam estar procurando um refúgio para sua tradição. Cósimo, com alguma intuição do papel de Florença e da necessidade de sua época, parecia estar procurando por uma escola. Ou talvez ele já pertencesse a uma escola e reconheceu seus iguais. Uma compreensão foi alcançada. Quatorze anos mais tarde Constantinopla ruiu como tinha que ser. Mas tudo que era importante já havia sido transferido para Florença.


Diz-se que a idéia de sua famosa Academia Platônica foi sugerida a Cósimo pelo erudito grego Plethon. Não sabemos o que aconteceu. Sabe-se apenas de encontros aos finais de semana na Villa Careggi ou em Fiesole. Vemos pinturas de Botticelli ou Dosso Dossi nas quais os modelos, como que lembrando-se de si parecem atuar conscientemente a expressão dessa idéia. E no afresco “A viagem dos Reis Magos” de Benozzo Gozzoli que circunda a capela do Palácio Medici-Riccardi parece-nos ver seu auto-retrato de grupo. Todos que tomavam parte – sacerdotes gregos, artistas como Fra Angélico e o próprio Gozzoli, novos filósofos como Pico de la Mirandola e Marsilio Ficino – peregrinam através das colinas e bosques da Toscana em direção à Natividade sobre o altar. O velho Rei é o Patriarca de Constantinopla, o jovem Rei o menino Lorenzo de Medici e o segundo Rei que cavalga em direção contrária à Natividade, anunciando-a e repercutindo-a, o Imperador Paleólogus. É o registro de um grupo.


Desse grupo saíram Politian e Mirandola para lançar um renascimento literário, Botticelli e Verocchio para criar o artístico, Reuchlin para semear as sementes da Reforma na Alemanha e Linacre para fundar o Colégio dos Físicos em Londres. A ele pertenceram Leon Battista Alberti, pai da arquitetura renascentista, cuja inspiração foi a divina proporção e o sistema pitagórico de números ali ensinado por Ficino. Lorenzo, seu diretor nomeado, descobriu e educou o garoto Michelangelo e escolheu o jovem Leonardo da Vinci para trabalhar em Milão. Sobre a arte, técnica, literatura, ideais e liberdade que gerou, a cultura ocidental tem subsistido em memória viva.


Assim, uma cultura nasce de outra, cada qual gerada da semente de alguma fonte estrangeira, mas esotérica – a medieval pelo novo conhecimento do mundo árabe, o Renascimento por eruditos vindos para o ocidente pela queda de Bizâncio e a nova civilização dos nossos próprios dias pela liberação da antiga sabedoria da Índia e do Tibete. Para aqueles familiarizados, o nascimento de uma nova civilização deve repetidamente ao longo da história ter o significado de que tudo teve de ser reconstruído, tudo teve que ser feito outra vez do início, numa nova forma, adaptável a uma nova era. Olhando para trás, do nosso ponto de vista, ao longo de toda a descendência da história, podemos ver que cada novo começo não foi na realidade senão um tremendo esforço para continuar. Não havia começo, apenas uma continuação da vida da humanidade. Para aqueles que tiveram que começar a engendrar uma nova fase do desenvolvimento humano, esse começo foi vida ou morte. Mas do ponto de vista das estrelas nada foi alterado, porque a humanidade e todas as suas potencialidades permanece a mesma.




III A Era da Conquista do Tempo




Quanto mais estudarmos esse ciclo de civilizações passadas mais freqüentemente nos depararemos com as questões: O que é nossa civilização? Quais são suas características? Como ela pode se desenvolver? Estaremos assistindo a um novo nascimento ou apenas uma morte óbvia?


São questões difíceis de responder. Vistos mais intimamente, a decadência freqüentemente parece progresso e o progresso decadência, assim como um dia de primavera e um dia de outono podem por um momento ser indistinguíveis.


Ainda assim, se olharmos para trás veremos que certamente vivemos num mundo diferente daquele que existiu há cem anos atrás – diferente em ideais, expressão, compreensões, interesses, possibilidades e em todas as outras formas. E se considerarmos uma geração de cultura entre 300 e 400 anos e o nascimento da civilização do Renascimento por volta de 1450 d.C., outra vez torna-se claro que uma nova era já teria surgido para nós.


Mas quando começou? Como ela é reconhecível? Por quais sinais podemos distinguir a nova em desenvolvimento a partir da antiga agonizante?


O traço principal dessa nova cultura que poderá algum dia ser chamada ‘A Era da Conquista do Tempo’ não foi aparente a princípio. Assim como o Renascimento, a idade da conquista do espaço, começou não com a descoberta da América, mas com a invenção do desenho de perspectiva que capacitou pela primeira vez o homem a projetar com precisão três dimensões de espaço dentro de duas. Da mesma forma essa nova época foi lançada por novidades mecânicas e filosóficas cujo real significado ficará oculto no futuro.


Certamente ‘a conquista do tempo’ é uma anomalia, assim como ‘a conquista do espaço’ também o foi. Ninguém conquista nem o tempo nem o espaço. Eles representam e sempre representarão duas projeções diferentes do nosso universo, o plano e a elevação, por assim dizer. E é tão impossível ‘conquistar’ qualquer um deles quanto ‘conquistar’ a superfície de uma mesa ou uma maçã, ainda que tais superfícies possam ser estudadas, exploradas e penetradas e suas configurações permanentemente alteradas assim como quando alguém sente, apalpa e finalmente morde a maçã. E nesse período, cujas concepções remontam-se por volta de 1865, os homens de fato aprenderam a explorar, compreender e entrar com o tempo numa relação diferente daquela que haviam desfrutado até então.


Entre as inúmeras invenções desse período só precisamos escolher três para demonstrar essa tendência. Em 1872, Edward Muybridge antecipou a cinematografia rompendo o movimento em unidades constituintes com câmeras coordenadas que registraram as posições sucessivas de cavalos de corrida. Oculta nessa invenção encontrava-se a possibilidade de colocar essas ‘unidades’ de movimento em formas diferentes, ou seja, reproduzir eventos mais rápida e lentamente do que realmente ocorriam ou o inverso. Num átimo foi mostrada uma técnica de quebrar uma ilusão com a qual os homens tinham vivido por milhares de anos – a de que o tempo flui numa só direção em velocidade uniforme.


Quatro anos mais tarde, Alexander Graham Bell inventou o microfone. E mais uma vez dentro dessa invenção aparentemente simples estava a possibilidade de um único homem dirigir-se não a centenas mas a milhares de homens simultaneamente, de projetar sua voz e presença sobre todo o mundo, sem intermédio do tempo. Previamente, a comunicação humana além do alcance do ouvido estava baseada no tempo. Se um homem quisesse dirigir-se a um grande número de outros homens ele tinha que falar a uma multidão num lugar, locomover-se para um segundo lugar e ali falar, locomover-se novamente para um terceiro e assim por diante. Mesmo se escrevesse um livro, este teria que ser impresso e as cópias enviadas aos lugares ou países onde os leitores vivessem. Tudo isso significava tempo.


Uma terceira invenção, a do fonógrafo, por Edison em 1877, teve o efeito inverso. Antes, as ondas de som desapareciam quase que instantaneamente após sua produção. Não havia meios de preservá-las além do tempo que levavam para reverberar ou ecoar: meio minuto no máximo. Agora, subitamente o som poderia ser preservado da mesma maneira que por séculos as imagens visuais tinham sido preservadas. Um discurso pronunciado hoje podia ser exatamente reproduzido daqui a dez ou cem anos. O tempo foi subitamente introduzido como uma dimensão em fenômenos onde antes não havia lugar para ele.


Há de fato uma condição definida dessa mudança na relação do homem com o tempo e essa condição começou a ser descoberta na década de sessenta do século XIX. Movimento mecânico implica tempo, uma vez que o movimento eletromagnético em relação à percepção humana é instantâneo. Um carrinho de mão, por exemplo, pode existir num só lugar num determinado momento; a luz, por outro lado, pode existir em muitos lugares simultaneamente. Desde o começo do mundo os homens têm sido rodeados por fenômenos dessas duas ordens. Mas até o século XIX eles tinham permanecido inteiramente distintos. O movimento de uma impressão sensorial que depende de vibrações eletromagnéticas, era instantâneo e não-perdurável.


As invenções que constituíram a semente da Era do Tempo surgiram da descoberta gradual de que os movimentos mecânico e eletromagnético eram intercambiáveis. Ao mudar as ondas eletromagnéticas em movimento mecânico como no cinema ou no fonógrafo, o tempo foi introduzido onde não havia estado antes. Ao substituir movimento mecânico por impulsos eletromagnéticos, como no rádio ou no telefone, os fenômenos fizeram-se instantâneos, enquanto que antes podiam efetuar-se apenas pela ajuda do tempo.


Mesmo na medicina, a substituição de drogas naturais que atuavam sobre os órgãos por drogas sintéticas que atuavam sobre as células ou pelo tratamento de ondas curtas, que atua sobre as moléculas, foi uma tentativa de acelerar o processo de cura transferindo-o para o tempo mais rápido de um cosmos inferior. Tudo isso implicou um novo intercambiamento entre dimensões.


A bíblia dessa novas possibilidades foi ‘Um Tratado sobre a Eletricidade e o Magnetismo’ publicado por Clerk Maxwell em 1865. E foi necessário uma geração para que suas leis se traduzissem em realidade. Em 1895 veio o cinema, o telégrafo e a descoberta do radio, esse curioso filho do mundo dos minerais e do mundo da luz. Dez anos mais e Einstein, com sua teoria da relatividade empenhava-se sem grande êxito a pintar um quadro fantástico do universo que começava a ser revelado perante os incompreensíveis olhos dos homens. Em 1950, os instrumentos efetivos de penetração no tempo – o cinema, o rádio, a televisão, o gravador e a penicilina – estavam disponíveis como brinquedos para todos aqueles que na era anterior tinham possuído livros ou pinturas.


Enquanto isso, a tensão imposta à antiga ordem por essas mudanças no valor do tempo e pelo sentido de universalidade surgido delas não poderia ficar confinada ao mundo da ciência. Logo ficou claro que essas modificações deveriam operar também na esfera política e acarretar ali mudanças similares engendrando homens de comportamento análogo. O pequeno principado elástico que se expandia e contraía com as alianças da família reinante dificilmente sobreviveria a tamanha pressão. Algo maior, mais rígido e mais consciente de sua própria unidade era necessário.


Uma tendência em direção à aliança de unidades menores para criar outras maiores já havia estado se desenvolvendo previamente há mais de cem anos. Essa tendência mostrava-se agora numa preocupação apaixonada pelas fronteiras, na qual tanto as grandes nações (no desejo de consolidar sua ganância) quanto as menores (com medo de perder sua identidade) participaram igualmente. Assim a idéia inicial da ‘Grande Bretanha’, traduzia-se agora por ‘Itália Unida’, ‘Todas as Rússias’, ‘Alemanha Maior’ e assim por diante. A maior nação era de fato o mais próximo daquilo a que o prejuízo humano poderia chegar naquele momento, a essa irmandade universal que implicava nos avanços técnicos do dia.


A aparente contradição entre esse crescente sentido de nacionalismo e a tendência geral à difusão era apenas o resultado de uma pausa nessa tendência que se fazia visível. Na Idade Média, um homem pertencia à unidade de seu ‘senhorio’, sua cidade ou sua ordem religiosa e os homens das cidades vizinhas eram tão estrangeiros como o seriam depois aqueles de países vizinhos. No século XVIII um homem nascido na Inglaterra era mais ‘Cornish’ ou ‘Kentish’ que inglês – era mais o condado que representava a unidade que a nação que não atuava nem poderia atuar na prática como um todo, exceto simbolicamente por intermédio de seus dirigentes ou de seu exército propriamente dito. Mas em 1865 a nação tinha de fato se tornado a unidade social e os homens com razão consideravam-se ingleses, franceses ou alemães. Ainda que as nações tivessem existido durante muito tempo, isso representou uma grande extensão da imaginação humana.


Na realidade há muito que sugere que a unidade natural para a qual um homem sente fidelidade orgânica, sua ‘terra’, seja medida por um dia de viagem. É o que ele pode ver do nascer ao por do sol. Mesmo nos primeiros anos do século XIX essa era uma região de não mais de oitenta quilômetros. Então, com a aparição das estradas de ferro, um dia de viagem não era de oitenta mas de oitocentos quilômetros. É surpreendente que na Europa as nações que começaram a sentir um patriotismo novo e apaixonado eram em sua maior parte dessa escala de tamanho. Assim como em meados do século XX o hábito de pensar em continentes e subcontinentes foi induzido no homem pelo alcance do aeroplano num dia de vôo.


De fato, a autoconsciência crescente das nações que se desenvolveram notavelmente de 1860 em diante tem outro aspecto. Fornece um paralelo em outra escala com o crescimento da autoconsciência que por razões cósmicas também seria evidentemente esperado do indivíduo e que estudaremos em detalhe mais adiante.


Como sempre o novo conceito de estado cristalizou-se ao redor de indivíduos dramáticos. Assim como o Rei Arthur, Charlemagne e El Cid tinham personificado a primeira Inglaterra, primeira França e primeira Espanha, também agora novos heróis nacionais que personificam seu renascimento levantam-se repentinamente ou são inventados. Esses heróis representavam ‘unidade’, ‘reforma’ e ‘democracia’. Eles representavam a luta contra as castas e contra o princípio aristocrático que – funcionasse ou não – era obrigado agora a representar o papel de vilão, já que o ‘povo’, de acordo com a nova tendência de difusão, assumiu a parte nobre. Assim, os mesmos heróis que nos países mais antigos, maduros e estáveis apareceram como escritores e filósofos, nos mais jovens e emergentes, surgiram como rebeldes políticos e unificadores.


Nos Estados Unidos o Lincoln camponês e pobre tinha que simbolizar a derrota do velho sul aristocrático; no México, o índio Juarez a derrota do conquistador europeu; na Itália, o marinheiro genovês Garibaldi a derrota do poder político da religião. Todos eles representaram a nova unificação de seus países e todos os três haviam de ser transformados pela imaginação popular em figuras supra-humanas, muito maiores e mais grandiosas do que foram em vida: novos heróis nacionais.

Tanto os físicos que agora tratavam de ver tudo em termos de vibrações quanto os políticos que tratavam de consolidar áreas cada vez maiores dentro de suas respectivas fronteiras, representavam uma tendência profunda em direção à síntese, em direção à unificação. A Cruz Vermelha Internacional de 1864, a União Postal Internacional de 1875 e a Primeira Internacional de Trabalhadores de 1864 formam outras expressões do mesmo impulso para ultrapassar fronteiras e reconciliar o distante com o próximo seguido espontaneamente da superação de certas barreiras até então rígidas do tempo.


Contudo, tudo isso havia sido antecipado de uma forma curiosa. Ao mesmo tempo que os cientistas estavam fazendo suas descobertas surpreendentes, completamente independente deles, uma plêiade extraordinária de poetas e escritores tinha surgido nos grandes países do ocidente. A seu próprio modo eles também estavam reconstruindo todo o passado, futuro e o múltiplo presente do homem moderno.


Em 1870 Victor Hugo tinha 68 anos, Hans Andersen 65, Tennyson 61, Whitman 51, Tolstoy e Ibsen 42 e Nietzsche 26. Todos estavam em pleno momento de criação. A presença desse grupo de poéticos profetas no ocidente num só momento é em si mesma extraordinária. Todos eram profundamente religiosos mas de uma maneira nova e livre, não confinada a nenhuma doutrina. Todos possuíam um hábito e um alcance, uma imensidão de visão de tempo e espaço que as descobertas da nova era tornavam possível pela primeira vez. E todos de forma muito especial resumiram e encarnaram o espírito de seus países, como que reconstruindo a herança de cada um deles para que sobrevivesse na era que estivesse por vir.


No florescimento do gótico, tais homens teriam sido abades ou clérigos e no Renascimento pintores e filósofos. Agora apareciam fundamentalmente como escritores, mas escritores que como Hugo e Tolstoy podiam, se houvesse ocasião, penetrar e atuar no mundo externo da política e da reforma social e aparecer ali com maior estatura – nunca menor – que os políticos profissionais e homens de estado.


Em seu efeito sobre o tempo, a tarefa desses homens foi curiosamente paralela àquela dos cientistas já mencionados. Era a de remodelar o passado de seus próprios países e tornar aquele passado aceitável de um novo ponto de vista. Um exemplo surpreendente é ‘Notre Dame de Paris’ de Victor Hugo. Nesse livro ele evoca não apenas a Paris medieval com uma realidade fantástica como também introduz nesta um ponto de vista humanitário que ali nunca existiu. E faz isso de tal forma que o quadro de Paris medieval é permanentemente alterado – para todos os homens que vêm depois torna-se um componente da realidade e reconstrução de Hugo e eles jamais poderão desconsiderar seu trabalho.


Da mesma forma, Andersen reconstruiu e fixou permanentemente um quadro da Escandinávia pré-cristã, Tennyson reconstruiu e fixou permanentemente um quadro da Inglaterra arturiana, Tolstoy reconstruiu e fixou permanentemente um quadro da Rússia Napoleônica e Whitman reconstruiu e fixou permanentemente um quadro da América de Lincoln. Em cada caso a reconstrução foi tão grande, tão completa e correspondeu tão verdadeiramente a certas atitudes da nova era que foi aceita quase que de imediato e preferencialmente a qualquer outra memória.


Num aspecto, todos esses homens desempenharam o estranho papel de melhorar o passado, ou seja, torná-lo aceitável para o presente e para o futuro, o que corresponde a todos os fundadores de uma era. Esse trabalho extraordinário e que cada homem que cultiva a memória é forçado a realizar em relação à própria vida, eles efetuaram em relação a seus países. A tarefa da reconstrução do passado é o primeiro passo essencial para qualquer mudança real no futuro. Karl Marx também se deu conta disto quando preparou o caminho para o bolchevismo mediante a reconstrução da história a partir de uma base de ‘motivos econômicos’ e ‘luta de classes’.


Mas Hugo, Andersen e Whitman trabalharam sobre o tempo de forma inversa a Marx. Em lugar de eliminar os ideais que existiam e regulavam o passado substituindo-os com os motivos humanos mais baixos de cobiça e violência como fez Marx, eles tentaram projetar no passado ideais mais elevados do que os que realmente prevaleceram, ou em qualquer nível, ideais mais compreensíveis à nova era. Assim, esse empreendimento, tenha tido sucesso ou não, foi o de regenerar o passado, ao passo que o de Marx, novamente, bem sucedido ou não, só pôde servir para degenerá-lo.


Os mesmos homens também ajudaram a reconstruir a consideração geral dos ideais humanos e da própria religião. As próprias invenções que removeram o tempo da comunicação humana e neutralizaram o espaço tornaram inevitável que certas formas religiosas fixas e compreensões que tinham servido muito bem a certos tipos raciais ou grupos autônomos se vissem sujeitas a tensões impossíveis quando defrontadas com outras formas, também perfeitamente satisfatórias para as raças que as praticavam, mas que, se colocadas lado a lado umas das outras pareceriam apenas contraditórias. Tal amplitude não poderia vir de dentro das igrejas ou de guardiões de formas religiosas particulares, pois sua tarefa era claramente a de preservar a pureza de seus ritos. Quando tais empreendimentos foram feitos, geralmente eles conduziram a uma tal debilitação da prática religiosa que nada restou a não ser uma débil forma de benevolência social.


Esses novos profetas poéticos, todavia, foram mais livres e exatamente por sua falta de laços com uma forma determinada estavam capacitados para liberar através do mundo um forte e fresco vento de tolerância e maior compreensão. Não fosse o tempo, não haveria já cristianismo antes de Cristo? Não fosse o espaço, não seriam os mesmos os deuses do Oriente e do Ocidente? Parecia que tudo o que fosse verdadeiro teria que reunir-se num todo, mostrando-se mais complementar que hostil. Tal nova visão universal da religião e de Deus está expressada por Whitman em ‘Chanting the Square Deific’ (1871), por Victor Hugo em ‘Religions et Religion’ (1880), por Toltoy em ‘No que eu creio’ (1884).


Esse abraço e reconciliação de diferentes formas e mensagens, sem destruir sua individualidade cujo paralelo foi possível no reino físico pelo novo uso de ondas eletromagnéticas é muito característico da nova linha de pensamento religioso que começa a desenvolver-se entre 1860 e 1870. E o que Hugo e Whitman fizeram para a religião numa forma ampla e poética, eruditos e místicos desenvolveram independentemente e com um estilo próprio.


Foi em 1876 que o erudito e orientalista alemão Max Müller lançou em Oxford seu programa para uma tradução dos ‘Livros Sagrados do Oriente’ que incluíam as escrituras-chave do Hinduísmo, Budismo, Zoroastrismo, Islã e China. Um ano antes, uma russa, Madame Blavatsky, tinha fundado a Sociedade Teosófica e que foi a primeira tentativa para uma nova religião sintética ou básica que demonstrasse a unidade fundamental de todas as formas religiosas anteriores. Enquanto isso, uma grande figura religiosa do Oriente, Ramakrishna, entre 1865 e 1875 praticou um após outro, não apenas todos os ritos de diferentes seitas hindus mas também as do Islã e do Cristianismo com a meta de alcançar por esses diferentes caminhos o mesmo propósito transcendental.


Como resultado de uma geração dessa nova visão ‘universal’ do misticismo e da religião, o Dr. R. M. Bucke foi capaz em 1901, de empreender uma psicologia objetiva de consciência mais elevada ou ‘consciência cósmica’, como ele a chamou, sem distinção de raça, credo ou época.


Assim, o conjunto da nova cultura parecia estar baseado na possibilidade completamente nova de transcender as divisões do espaço através do escape do tempo unidimensional. Essa tentativa, no entanto, desenvolveu-se sobre duas linhas muito distintas. Os cientistas, físicos e desenhistas concentraram-se na possibilidade de um escape mecânico a partir do tempo, enquanto que os poetas, escritores e místicos estudaram a possibilidade de um escape consciente. O que continuava faltando era uma ponte que interligasse os dois pontos de vista.


Olhando retrospectivamente o gênesis das civilizações anteriores, onde todos os aspectos e aplicações do novo conhecimento pareciam derivar de uma única fonte – seja nos Mistérios de Elêusis no século VI a.C. ou na ordem Cluniense no século XI d.C. – perguntamo-nos se em algum lugar ou entre algum povo, esses dois lados aparentemente contraditórios da cultura do século XIX não estavam de fato unidos numa compreensão superior. Existiu em algum lugar uma escola oculta de regeneração da qual todas irradiaram-se?


A extraordinária velocidade de difusão das idéias no século XIX e as novas possibilidades de transporte que em poucos meses puderam dispersar os discípulos de tal escola através do mundo é difícil precisar. Certamente as próprias características dessa era parecem implicar que novas idéias podem simultaneamente surgir para a vida em muitos lugares, sem comunicação direta.


Ao mesmo tempo, é estranho como muitos dos trabalhos-chave que acompanharam seu nascimento e têm a qualidade peculiar das escolas de conhecimento direto parecem derivar de Roma.


O ‘Fausto’ de Goethe foi completamente reconstruído depois do famoso ‘Viagem à Itália’ de 1796 e que parecia ter adiado por tanto tempo e em sua velhice atribuiu seu sucesso ao fato de que “ele conserva permanentemente o período de desenvolvimento de uma alma humana”. Do mesmo período em Roma data seu ‘Teoria das Cores’ que proclama que a luz é a forma mais elevada de energia que conhecemos e que as cores não são senão modificações ou corruptelas da luz pura. Identicamente, a mesma idéia é expressada poeticamente por Shelley em 1821, imediatamente após seu retorno de Roma:


Life, like a dome of many-coloured glass,


Stains the white radiance of Eternity ...



A vida, como um domo de cristal multicor


Tinge o branco esplendor da Eternidade...


Adonaïs

Isso é particularmente surpreendente quando nos recordamos que exatamente nesse tempo, Roma era a cena do nascimento da escola alemã de pintores pré-rafaelitas, cujo trabalho estava baseado numa nova compreensão da cor conectada à idéia de uma percepção diferente e da mudança de ser requerida para alcançá-la. Em 1848 a Irmandade Pré-Rafaelita inglesa surgiu do mesmo grupo. E embora seja difícil traçar os Impressionistas franceses a essa fonte, exceto possivelmente por meio da visita de Manet a Roma no final dos anos 50, é notável que desde o princípio a meta do Impressionismo fosse precisamente pintar luz pelo uso contrastado de cores puras em lugar de cores misturadas. Os artistas tinham que tornar-se conscientes de suas próprias impressões resultantes da luz e reproduzi-las, pois é por meio destas que cada homem vive e é introduzido à realidade.

Nos anos 60, a analogia de Clerk Maxwell entre as oitavas de cor e som, tom e matiz, sonoridade e sombra, levou finalmente o estudo da luz pelos pintores à relação direta com o novo conhecimento da eletricidade e magnetismo e demonstrou sua sujeição às mesmas leis que governam outros inúmeros fenômenos anteriormente considerados de forma desconexa.

Essa nova teoria da luz e das vibrações foi usada por outro do grupo de Roma, Charles-Sebastian Cornelius, para reconciliar o fenômeno dos mundos material e espiritual em livros como ‘Sobre a Influência Recíproca do Corpo e da Alma’ (1871). Enquanto isso, quase ao mesmo tempo as implicações dessa mesma compreensão no reino do tempo começaram também a ser reveladas. O ‘Peer Gynt’, de Ibsen, que sugere essa e muitas outras verdades esotéricas em forma dramática, foi escrito durante sua estadia em Frascati, próximo a Roma em 1867, assim como o ‘Eterno Retorno’ de Nietzsche, durante sua viagem à Itália em 1881. Este último, que pela primeira vez conecta a idéia de recorrência (implícita na teoria eletromagnética das vibrações) com as questões da consciência e do desenvolvimento do homem, iria influenciar profundamente, primeiro Hinton e mais tarde Ouspensky, cuja explicação das três dimensões do tempo abriu caminho para uma reconciliação final entre o novo conhecimento da ciência moderna e as antigas idéias de eternidade e regeneração.

Não podemos saber com exatidão que espécie de escola existiu em Roma entre 1800 e 1880, da qual tantas idéias criativas da nova era puderam emanar. Ainda assim em todos os seus traços encontramos a mesma compreensão – luz como única força criadora e unificadora do universo, a oitava como a modificação da luz pura em forma e cor, e tempo, recorrência e o alcance de todas as possibilidades como as três etapas da ascensão do homem à natureza da luz.

Assim, se for perguntado qual é a característica da nova era e como ela pode ser distinguida da anterior, podemos responder agora: O que separa e divide pertence ao passado, o que reconcilia e une pertence ao futuro. E o caminho para a unidade encontra-se por intermédio da evasão do tempo.




67. H.S. Bellamy, ‘The Atlantis Mith’, particularmente pg. 113.


68. Ver Apêndice VIII, ‘O Ciclo de Civilizações’.


69. Compare o papel dos terrosos raros na tabela de elementos, Capítulo VII, I.


Figura 13: A Seqüência de Civilizações na Europa