segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Índice

I A Estrutura do Universo

I O Absoluto

II A Via Láctea no Mundo das Nebulosas Espirais

III O Sistema Solar na Via Láctea


II Os Tempos Do Universo

I A Relação entre Espaço e Tempo

II Dias e Vidas dos Mundos

III Momentos de Percepção


III O Sistema Solar

I O Longo Corpo do Sistema Solar

II O Sistema Solar como Transformador

III A Interação do Sol e dos Planetas


IV Sol, Planetas e Terra

I Os Três Fatores de Causalidade

II Os Seis Processos na Natureza

III Os Quatro Estados da Matéria


V O Sol

I O Ser Físico do Sol

II Hidrogênio em Luz

III Possibilidades no Sol


VI A Harmonia dos Planetas

I As Oitavas Planetárias

II O Significado da Harmonia

III A Circulação de Luz: Visível e Invisível


VII Os Elementos da Terra

I Oitavas dos Elementos

II Velocidades de Difusão

III A Tríplice Criação da Química Orgânica


VIII A Lua

I A Lua como Contrapeso

II A Lua como Imã

III A Lua como Fruto da Terra


IX O Mundo da Natureza

I Os Seis Reinos da Natureza

II Natureza no Espaço : Natureza no Tempo Geológico

III A Percepção dos Animais


X O Homem como Microcosmo

I Os Sistemas Anatômicos e seus Reguladores

II Tipos: Endócrinos e Astrológicos

III A Corrente Sangüínea como Índice do Ser do Homem


XI O Homem no Tempo

I A Desaceleração do Tempo do Homem

II Os Marcos da Vida

III O Calendário: Tempos Super-humanos e Subumanos


XII Os Seis Processos no Homem (I)

I Crescimento

II Digestão

III Eliminação e o Papel dos Compostos Orgânicos


XIII Os Seis Processos no Homem (II)

I Corrupção

II Cura

III Regeneração


XIV Psicologia Humana

I Personalidade, Essência e Alma

II Lembrança de Si, Consciência e Memória

III O Papel dos Tipos Humanos


XV A Forma das Civilizações

I Funções e Castas : Células e Homens

II A Alma de uma Civilização: Os Quatro Caminhos

III O Absoluto Descendente Ou Religião Comparativa


XVI A Seqüência das Civilizações

I A Hora Terrestre das Civilizações

II Nascimento e Renascimento das Culturas

III A Era da Conquista do Tempo


XVII Os Ciclos de Crescimento e Guerra

I Fisiognomia : O Espelho de Mercúrio

II Vênus e a Fertilidade

III Marte e a Guerra


XVIII Os Ciclos de Crime, Cura e Conquista

I Os Asteróides, a Economia e o Crime

II Júpiter ou os Harmônicos das Luas

III Saturno e a Conquista


XIX O Ciclo do Sexo

I Moda: As Fases Masculina e Feminina de Urano

II A Psicologia do Sexo

III O Sexo como Busca da Perfeição


XX O Ciclo de Regeneração

I Períodos Favoráveis

II O Trabalho das Escolas

III A Escola como um Cosmos


XXI O Homem na Eternidade

I Morte

II Recorrência

III Além da Recorrência


Apêndices

I A Mente Lógica e Super Lógica na Iluminação Científica (Introdução)

II Tabela de Tempos e Cosmos (2)

III A Teoria das Oitavas (6)

IV Tabelas Planetárias (6)

V Tabela de Elementos (7)

VI Tabela de Funções Humanas (10)

VII Tabela de Compostos Orgânicos (12)

VIII O Ciclo das Civilizações (16)

IX Ciclos Planetários e Atividade Humana (17)

X O Ciclo de Guerra (17)

XI Relação entre os Sistemas Jovial e Solar (18)

XII O Ciclo do Sexo (19)

XIII O Ciclo de Regeneração (20)

XIV Bibliografia

Índice Remissivo

Índice de Nomes Próprios


Lâminas


I O Sistema Solar Na Via Láctea

II O Longo Corpo Do Sistema Solar

III A Geração De Energia No Sol

IV A Conjunção De Vênus

V A Circulação De Luz

VI Os Elementos, Os Reinos Da Natureza E Os Planetas

VII O Homem Como Microcosmo

VIII O Relógio Da Vida Humana


Prefácio

Rodney Collin Smith irradiava algo que impressionava a todos que encontrava. Até agora desconhecido dos leitores em língua portuguesa, a publicação deste livro preenche uma lacuna considerável para os interessados no conhecimento difundido pela tradição do Quarto Caminho. Rodney Collin foi discípulo de Piotr Damianovich Ouspensky, filósofo e matemático russo, autor da síntese do conhecimento difundido no ocidente por George Ivanovich Gurdjieff. As circunstâncias que cercaram a aproximação e o afastamento desses carismáticos líderes espirituais ainda hoje são objeto de especulação. Rodney Collin costumava dizer que o que divide e separa pertence ao passado e o que une e harmoniza pertence ao futuro. A publicação do seu primeiro livro em português é o momento para celebrar esse ensinamento de fundo tão humano e atual.

Há um momento certo para tudo, mas não há tempo a perder”, frase atribuída a Rodney Collin, parece mesmo algo proveniente deste discreto porém impressionante mestre, nascido em 26 de abril de 1909 em Brighton, Inglaterra. Ainda não há uma biografia publicada, e as informações existentes sobre a sua vida e trabalho são relatos breves de familiares e amigos. Sabemos que era filho de um comerciante bem sucedido, pelo menos vinte anos mais velho que a esposa, esta interessada em astrologia e teosofia. Rodney e seu irmão Richard, quatro anos mais novo, receberam em idade muito jovem a influência de um lar cristão, onde a literatura esotérica era aceita. Após graduar-se bacharel em comércio pela London School of Economics, Rodney iniciou uma série de viagens, durante as quais coletou material para as suas primeiras publicações. Tentou uma carreira jornalística, desde cedo escrevendo muito, tanto profissional quanto privadamente, mantendo uma considerável correspondência com amigos e discípulos. Trechos das suas cartas constituíram a base de The Theory of Conscious Harmony, publicada postumamente.

Seu casamento com Janet Buckley trouxe-lhe a companheira ideal para a continuidade das suas buscas. Por seu intermédio conheceu Ouspensky e juntos seguiram seu ensinamento, com breves momentos de separação, enquanto Janet apoiava, inclusive financeiramente, o início do trabalho de Madame Ouspensky na Fazenda Franklin, em New Jersey, Estados Unidos. Dessa união nasceu Chloe, educada para apoiar o trabalho dos pais. Em 1947, a pequena família estabeleceu-se na Cidade do México. Nessa época, Rodney Collin tinha um certo número de seguidores ingleses e mexicanos; foi quando seu trabalho desenvolveu uma nova forma, distinta daquela aprendida de Ouspensky. Foi quando se aproximou da prática religiosa católica, ponto de inflexão que atingiu todo o seu trabalho.

Rodney Collin continuou viajando muito, inclusive pela América do Sul, onde tinha seguidores em vários países de língua espanhola. Foi em Cuzco, Peru, que morreu de forma acidental, aos 48 anos de idade, em 3 de maio de 1956. Sua influência no Brasil é desconhecida até os anos 80, quando sua obra começou a ser difundida em grupos de estudos privados, culminando com a presente publicação. Outras publicações em português são desconhecidas ou permaneceram restritas a pequenos grupos ligados ao trabalho do Quarto Caminho.

A estrutura da Teoria da Influência Celestial foi concebida nos dois últimos meses que precederam a morte de Ouspensky, seu mestre e um dos seus melhores amigos. Segundo relatou à sua família, Ouspensky morreu segurando a sua mão. Tal foi o choque produzido pelo desenlace, que passou dias em um estranho e incomunicável isolamento, num estado de espírito alterado, no qual teve acesso à maior parte das idéias contidas neste volume. Este episódio da sua vida requeriria muita explicação e outra oportunidade para ser minimamente entendido.

Rodney Collin e sua família estavam vivendo num “trailer” dentro da propriedade conhecida como “Lyne Place”, residência de Ouspensky e de alguns membros do seu grupo. Logo após a morte de Ouspensky, encontrou uma casa na rua St. James em Londres e mudou-se para lá. Neste novo ambiente e imbuído da inspiração e criatividade que a forte experiência havia causado, lançou-se ao trabalho que levaria alguns anos para completar, apoiado em todo o esforço por Janet.

Ainda persiste uma dúvida sobre qual texto deste livro seria o original. Parece pouco provável que Rodney Collin tenha escrito a primeira versão em espanhol. Em 1947, quando se mudou para o México, ele e um grupo de amigos fundaram a “Ediciones Sol”, que distribuiu muitas das suas publicações pelos países latino-americanos. John Grepe seu braço direito à época, ainda hoje guarda parte dos manuscritos originais. Em 1952, Ediciones Sol publica um texto muito semelhante, sob o título em espanhol “Desarollo de la Luz”. Em abril de 1953, em Tlalpam, México, Rodney Collin apresenta uma versão em inglês, com um conteúdo maior, texto que então é publicado em Londres no ano seguinte. A presente tradução foi realizada tendo sempre os dois textos à frente, em espanhol e em inglês. No entanto, quando houve diferenças, foi privilegiado o texto em inglês.

É para a introdução deste volume que nossa atenção se volta, pois é o momento no qual o autor explica em certo detalhe os princípios que o motivaram. Poucas páginas de conhecimento condensado, que após leitura e releitura minuciosa, revelam muito das idéias e sentimentos subjacentes a este enorme e original trabalho. São idéias pouco comuns, algumas delas polêmicas, muitas inovadoras e bastante atuais; mas acima de tudo, idéias que tratam da humanidade e do cosmos da maneira mais ampla. Nas palavras do autor, em sua Introdução:

... aproximar nosso olhar do ser humano e sua vida interior, com a mesma perspectiva com a qual estudamos o universo. E olhar para o universo com a mesma perspectiva com a qual estudamos o ser humano e sua vida interior”.

O livro foi organizado em vinte e um capítulos e catorze apêndices, que ilustram aspectos específicos do texto. Uma rápida análise da sua estrutura mostra que o autor preocupou-se em iniciar com o princípio de tudo: “Filosoficamente, o homem pode supor a existência de um Absoluto”. Daí progride sistematicamente para o estudo do universo, do sistema solar, da Terra e da Lua, até chegar ao homem como um microcosmo. Nos seus apêndices são encontrados mapas, tabelas e esquemas, coletados durante o trabalho de produção deste volume e que documentam o tamanho do empreendimento do autor.

Apesar de estimular o intelecto pela riqueza simbólica que apresenta, o leitor é conquistado pelo estilo simples e direto do autor. É preciso lembrar que o livro foi escrito num determinado contexto. Com a evolução da ciência em geral, e em particular, a tecnologia de informação, a matemática e a biologia, algumas das afirmações do autor só muito recentemente foram verificadas ou modificadas. Na sua maior parte, no entanto, a Teoria continua a seduzir as mentes mais brilhantes. Rodney Collin alerta que apesar da sua aparência científica, não pretendeu com isto escrever um compêndio de fatos científicos, ou mesmo uma forma de apresentar teorias de difícil demonstração.

O texto torna-se mais rico quando entendemos que em seu sentido mais amplo faz parte da tradição do que é conhecido como o Quarto Caminho. Este é um método de crescimento e aperfeiçoamento individual que está firmado sobre o trabalho de desenvolvimento da atenção. Neste contexto, atenção é definida como um dos aspectos da consciência. Segundo o método, uma pessoa pode gradativamente aumentar a sua consciência a partir das práticas da divisão da atenção e a lembrança de si.

A todos os que buscam um conhecimento mais profundo do Quarto Caminho, este livro torna-se imediatamente uma referência. Da sua leitura e estudo poderão derivar aquilo que Rodney Collin tentou inspirar em cada uma das linhas que escreveu – a tentativa de “reconstrução” do sistema de Gurdjieff e Ouspensky, ou para usar já o seu próprio ensinamento, a tentativa de regenerar o conhecimento em si mesmo. Nesta época em que vivemos, com tantas possibilidades e aberturas, a leitura deste livro dará aos leitores uma sensação de alvorecer, de algo muito novo e fresco. Algo difícil de definir com palavras, mas que pode ser percebido por qualquer um que trabalha para atingir um nível de consciência superior.


Algumas poucas pessoas têm que seguir em frente. Quando Ouspensky morreu, senti que alguns de nós tinham que “romper o casulo”. Agora sinto o mesmo.

Fragmento de uma carta de Rodney Collin, 5 de março de 1956



Carlos Del Nero



Introdução

Em todas as épocas, os homens procuraram reunir todo o conhecimento e experiência de seus dias num conjunto compacto que explicaria a relação deles com o universo e suas possibilidades nele. De uma forma simples, nunca obtiveram êxito. A unidade das coisas não é perceptível à mente comum num estado comum de consciência. Desviada pelas incontáveis e contraditórias orientações da natureza humana, a mente comum reflete um mundo tão múltiplo e confuso quanto o próprio homem. Uma unidade, um modelo, um significado que tudo engloba - se ele existe - poderia apenas ser discernido ou experimentado por um tipo diferente de mente, num diferente estado de consciência. Seria perceptível apenas por uma mente que tivesse ela mesma se tornado unificada.

Que unidade, por exemplo, poderia ser percebida mesmo pelo mais brilhante físico, filósofo ou teólogo que, enquanto viaja distraidamente em seu assento, zanga-se ao receber um troco inferior ao esperado, não se dá conta do quanto irrita sua mulher e, de maneira geral, permanece sujeito à trivial cegueira da mente comum que trabalha com sua habitual falta de atenção? Qualquer unidade alcançada em tal estado poderia existir apenas em sua imaginação.

Assim, a tentativa de reunir todo o conhecimento num único conjunto sempre esteve ligada à procura de um novo estado de consciência. E ela não teria significado e seria fútil se estivesse desconectada de tal busca.

Talvez pudéssemos dizer que as poucas tentativas que obtiveram êxito e chegaram até nós mostram sinais de serem unicamente produtos secundários de tal busca, quando ela alcançou sucesso. Os únicos convincentes modelos do universo em existência são aqueles deixados por homens que evidentemente alcançaram uma relação com o mundo e sua consciência dele, completamente diferente daquela pertencente à experiência comum.

Tais modelos do universo devem não apenas apresentar a forma interna e a estrutura deste, mas revelar também a relação do homem com ele, seu momento presente nele e seu possível destino dentro dele. Nesse sentido, algumas catedrais góticas são completos modelos do universo, enquanto que um planetário, à parte toda sua beleza, conhecimento e exatidão, não o é. Ele omite por completo o homem. Naturalmente, a diferença reside no fato de que as catedrais foram direta ou indiretamente projetadas por homens que pertenciam a escolas para o alcance de estados mais elevados de consciência e que tinham a vantagem da experiência adquirida nessas escolas, enquanto que os projetistas do planetário são cientistas e técnicos que, embora inteligentes e qualificados o bastante em suas áreas, não podem pretender um conhecimento particular das potencialidades da máquina humana com a qual têm que trabalhar.

Na verdade, se possuíssemos determinadas chaves para sua interpretação, o fato mais surpreendente com respeito a esses antigos ‘modelos do universo’ que surgem em épocas, continentes e culturas bastante separadas entre si seria precisamente a sua similaridade. Tanto que esse seria um bom argumento para defender a idéia de que uma consciência de ordem superior sempre revela a mesma verdade, baseando-se unicamente no estudo comparativo de outros modelos do universo existentes e que parecem derivados dela - por exemplo, a Catedral de Chartres, a Grande Esfinge, o Novo Testamento, a Divina Comédia ou certos diagramas legados pelos alquimistas do século XVII, os desenhistas das cartas do Tarô e os pintores de ícones russos e estandartes tibetanos.

Uma das principais dificuldades no caminho de tais estudos comparativos reside no fato de que todos esses modelos estão expressos em diferentes linguagens, e isso, para a mente comum e despreparada, implica que linguagens diferentes expressem verdades diferentes. Esta é, na verdade, uma ilusão característica do estado em que o homem se encontra. Mesmo uma pequena melhoria em sua percepção revela, pelo contrário, que a mesma linguagem, a mesma formulação pode encerrar compreensões diametralmente opostas, enquanto que linguagens e formulações que à primeira vista nada têm em comum podem de fato se referir à mesma coisa. Por exemplo, embora as palavras ‘honra’, ‘amor’ e ‘democracia’ sejam universalmente usadas, é quase impossível encontrarmos duas pessoas que lhes atribuam o mesmo significado. Ou seja, diferentes usos da mesma palavra podem ter significados bastante incompatíveis. Por outro lado - por mais estranho que possa parecer tal pensamento -, a Catedral de Chartres, um maço de cartas de tarô e certos bronzes de divindades tibetanas profusamente armadas e com muitas cabeças são de fato formulações exatas das mesmas idéias; isto é, são exatamente compatíveis.

Faz-se assim necessário considerar neste ponto a questão da linguagem em relação com a construção de um modelo do universo, do delineamento de um padrão de unidade. Fundamentalmente, a linguagem ou forma de expressão está dividida de acordo com o quanto ela recorre a uma ou outra função do homem, familiar ou potencial. Uma determinada idéia pode ser expressa, por exemplo, em linguagem filosófica ou científica, apelando à função intelectual do homem; pode ser expressa em linguagem religiosa ou poética, o que apela à sua função emocional; pode também ser expressa em rituais e danças, a fim de apelar à sua função motora; e pode até mesmo ser expressa por meio de aromas ou posturas físicas, para apelar à sua fisiologia instintiva.

Naturalmente, os melhores ‘modelos do universo’ criados pelas escolas no passado, aspiravam combinar tais formulações do que desejavam expressar em muitas linguagens, de modo a afetar muitas ou todas as funções ao mesmo tempo e, assim, compensar parcialmente a contradição entre os diferentes aspectos da natureza do homem, à qual já nos referimos. Na catedral, por exemplo, foram combinadas com êxito as linguagens da poesia, postura, ritual, música, aroma, arte e arquitetura; e algo similar parece ter sido feito nas dramáticas representações dos mistérios de Elêusis. Em outros casos ainda, como na Grande Pirâmide, por exemplo, a linguagem da arquitetura parece ter sido usada não apenas pelo simbolismo de sua forma, mas com o intuito de criar na pessoa que atravessasse a construção num determinado sentido, séries definidas de choques e impressões emocionais, as quais continham significações em si mesmas e eram calculadas para poder revelar a real natureza da pessoa exposta a elas.

Tudo isso se refere ao uso objetivo da linguagem, isto é, ao uso de uma linguagem definida para evocar uma idéia definida com conhecimento prévio do efeito que se criará, da função que será afetada e do tipo de pessoa que responderá a ela. Outra vez temos que admitir que tal uso objetivo da linguagem não é conhecido ordinariamente - exceto, talvez, numa forma elementar de propaganda - e cujo mais elevado uso pode apenas se derivar, direta ou indiretamente, do conhecimento adquirido em estados de consciência mais elevados.

Paralelas a essas linguagens reconhecíveis pelo homem por meio de suas funções comuns, existem outras formas de linguagem que procedem e que apelam a funções supra-normais, isto é, funções que podem desenvolver-se no homem, mas das quais ele ordinariamente não desfruta. Há, por exemplo, a linguagem de uma função emocional superior na qual a formulação tem o poder de evocar um grande número de significados, sejam eles simultâneos ou sucessivos. Algumas das mais belas poesias, cuja profundidade jamais se esgotará e que sempre revelam algo de novo quando lidas, nunca serão plenamente compreendidas e podem pertencer a essa categoria. Mais evidentemente, os Evangelhos estão escritos em tal linguagem e, por essa razão, cada versículo evoca a uma centena de homens uma centena de significados diferentes, mas nunca contraditórios.

Na linguagem de uma função emocional superior - e, em particular, na função intelectual superior -, os símbolos desempenham um papel muito importante. Estes se baseiam na compreensão de verdadeiras analogias entre um cosmos maior e outro menor, onde uma forma, função ou lei num cosmos é utilizada para insinuar formas, funções e leis correspondentes em outros cosmos. Essa compreensão pertence exclusivamente a uma função superior ou potencial do homem e deve produzir sempre uma sensação de confusão e até de frustração quando pretendemos alcançá-la com funções comuns, tais como são as do pensamento lógico.

No entanto, graus mais elevados de linguagem emocional não requerem nenhuma expressão externa e, por isso mesmo, não podem ser mal interpretados.

Essa digressão sobre a linguagem é necessária para explicar em parte a forma do presente livro. Porque este também, devemos admiti-lo, pretende ser um ‘modelo do universo’ - isto é, um conjunto ou um desenho do conhecimento de que dispomos, disposto de forma a demonstrar um todo ou uma unidade cósmica.

Está certamente envolto em linguagem científica e por isso se dirige primordialmente à função intelectual e a pessoas nas quais tal função predomina. Na verdade, o autor reconhece que essa linguagem é a mais lenta, a mais tediosa e, em alguns sentidos, a mais difícil de seguir de todas as linguagens. A da poesia, dos mitos e dos contos de fadas, por exemplo, penetraria mais profundamente e poderia levar as idéias com muito mais força e fluidez à compreensão emocional do leitor. Talvez mais tarde seja possível uma tentativa nessa direção.

Ao mesmo tempo, o leitor acostumado à linguagem e pensamento científicos encontrará dificuldades. O uso livre que se faz da analogia em todo o livro poderá parecer-lhe uma incongruência. E, para seu proveito, é melhor dar aqui a explicação mais completa possível e de antemão esboçar um sincero reconhecimento dos defeitos desse método.

Uma das principais características do pensamento moderno é uma contradição entre o modo que o homem olha para o mundo externo, fora de si mesmo, e o modo como ele olha o mundo interno, dentro dele.

Com relação ao mundo externo, ele não podia ser mais objetivo, mais convincente da aplicação universal das leis, expressas por fórmulas e consistentemente mensuráveis em seus efeitos. Nesse campo, qualquer crença que traga dúvidas ao princípio de mensurabilidade, por exemplo, ou qualquer crença na inteligência e consciência de seres numa escala maior que a do homem estão em perigo de serem olhadas como superstição.

Com relação ao mundo interno, por outro lado, o homem raramente foi mais subjetivo, mais convencido da validade de seus caprichos, imaginação, esperança e medo e pouco disposto a admitir que seu mundo interno está sujeito a leis, pura e simplesmente. A maior parte da moderna psicologia, e especialmente a psicanálise, está baseada nessa subjetividade. E, nesse campo, é precisamente a crença em leis e mensurabilidade - por exemplo, a crença de que muito da psicologia humana é o resultado de calculadas interações de tipos, ou a crença de que o mundo interno do homem está sujeito a leis similares àquelas que governam os mundos astronômicos ou microscópicos - que é chamada superstição.

Houve períodos em que a inteligência foi vista como a regra principal em ambos os campos, como, por exemplo, no início da Idade Média. E houve outros períodos em que uma lei imutável era vista como tal, como, por exemplo, no racionalismo do século XVIII. Mas talvez nunca tenha havido um período em que houvessem tão evidentes contradições nas atitudes do homem perante os dois.

Quando encontramos essa contradição no cotidiano, ou seja, quando encontramos um homem que julga o mundo ao redor dele por um padrão e a si e suas ações por outro bastante diferente, tomamos isso como sinal de um ponto de vista primitivo e inculto. E, ainda que essa mesma contradição seja a principal característica do pensamento geral de nossa época, nós a chamamos de iluminação ou emancipação. Não vemos que aí reside a raiz de tanta cegueira, infelicidade, decepção e falência moral, como se fosse um caso individual.

Uma das metas deste livro é precisamente sanar essa contradição - olhar para o homem e sua vida interna do mesmo ponto de vista que olhamos para o universo; e olhar para o universo do mesmo ponto de vista que olhamos para o homem e sua vida interna. Se a tentativa parece superstição, ela deve-se, ao menos em parte, ao tempo, que é o verdadeiro culpado.

Em nossa tentativa de reconciliar o mundo interno e o externo, de qualquer modo, chegamos a uma dificuldade bastante real e que deve ser confrontada. Essa dificuldade está conectada com o problema do reconciliar métodos diferentes de conhecer. O homem tem dois caminhos para estudar o universo. O primeiro é por indução: ele examina um fenômeno, classifica-o e tenta inferir leis e princípios a partir dele. Esse é o método geralmente utilizado pela ciência. O segundo é por dedução: tendo percebido, revelado ou descoberto certas leis gerais e princípios, ele tenta deduzir aplicações dessas leis em vários estudos especializados e na própria vida. Esse é o método geralmente utilizado pela religião. O primeiro método começa com ‘fatos’ e tenta alcançar ‘leis’. O segundo começa com ‘leis’ e tenta alcançar ‘fatos’.

Esses dois métodos pertencem ao trabalho de diferentes funções humanas. O primeiro é o método da mente lógica comum, que está permanentemente disponível para nós. O segundo deriva-se de uma função em potencial no homem, geralmente inativa por falta de energia nervosa de intensidade suficiente e que podemos chamar de uma função mental superior. Essa função, nas raras ocasiões em que atua, revela ao homem leis em ação; ele pode ver o mundo fenomênico como o produto de leis.

Todas as formulações verídicas de leis universais procedem recente ou remotamente do trabalho dessa função superior em algum lugar e em algum homem. Ao mesmo tempo, para a aplicação e a compreensão de leis reveladas no decorrer de grandes espaços de tempo e cultura, quando tal revelação não está disponível, o homem tem de apoiar-se na mente lógica comum.

Isso de fato é reconhecido hoje no pensamento científico. Em sua Natureza do Universo (1950), Fred Hole escreve: “O procedimento em todos os ramos da física, seja na teoria da gravidade de Newton, na do eletromagnetismo de Maxwell, na da relatividade de Einstein ou na do quantum, é o mesmo em sua raiz. Ele consiste de dois passos. O primeiro é supor, por algum tipo de inspiração, um conjunto de equações matemáticas. O segundo é associar aos símbolos empregados nas equações quantidades físicas mensuráveis.”1 A diferença entre essas duas mentes não poderia ter sido melhor colocada.Mas aqui o grande dilema da compreensão humana surge. Essas duas mentes nunca podem compreender-se uma à outra. Há grande diferença de velocidade entre elas. Assim como é impossível, devido às suas diferenças de velocidade, a comunicação entre um camponês caminhando por uma estrada com uma carga de lenha e um automóvel que cruza por ele a cento e oitenta quilômetros por hora, também é impossível a comunicação entre a mente lógica e a mente superior. Para a mente lógica, os traços deixados pela mente superior parecerão arbitrários, supersticiosos, ilógicos e improváveis. Para a mente superior, o trabalho da mente lógica parecerá pesado, desnecessário e fora do assunto tratado.2

De modo comum, essa dificuldade é superada mantendo-se esses dois métodos separados, dando-se a eles diferentes rótulos e diferentes campos de ação. Os livros de religião ou os de matemática superior, que lidam com leis e princípios, abstêm-se de empregar o método indutivo. Livros de ciência, que lidam com acumulações de fatos observados, abstêm-se de presumir leis adiantadamente. E, desde que diferentes pessoas escrevam e leiam livros de uma espécie ou outra, ou que as mesmas pessoas os leiam com partes bastante diferentes de suas mentes, os dois métodos conseguem conviver juntos sem muito atrito.

No presente livro, contudo, os dois métodos são empregados simultaneamente. Certos grandes princípios e leis do universo, que encontraram expressão em diferentes países e em todas as épocas e que, de tempos em tempos, são redescobertos por homens individuais por meio do trabalho momentâneo de uma função superior, têm aqui sua ênfase. Deles se fazem deduções que descendem do mundo fenomênico comumente acessível a nós principalmente pelo método analítico. Ao mesmo tempo, faz-se uma tentativa de estudar e classificar ‘fatos’ e fenômenos a nosso respeito e, por inferência, ordená-los de modo que tais classificações nos conduzam ascendentemente por leis abstratas que descendem do alto.

Pela razão dada acima, que eles derivam de funções diferentes e com velocidades totalmente diferentes, os dois métodos de fato nunca se encontram. Entre deduções admissíveis das leis gerais e inferências admissíveis dos fatos, resta sempre uma zona invisível, onde ambas deveriam unir-se, mas tal união permanece sempre invisível e improvável.

Por essas razões, o autor está pronto a admitir que o projeto do presente livro - que procura reconciliar os dois métodos - talvez seja inviável. Percebe também que uma tentativa dessa ordem envolve inevitavelmente uma espécie de prestidigitação, quase um truque. E também percebe que esse malabarismo não enganará o cientista profissional, ligado exclusivamente ao método lógico.

Ao mesmo tempo, está convencido, por um lado, de que a ciência contemporânea, sem princípios, encaminha-se para uma especulação e um materialismo cada vez mais obtusos; e, por outro lado, que princípios religiosos ou filosóficos, não coordenados com o pensamento científico que caracteriza nossa época, podem hoje suscitar interesse apenas numa minoria. Essa convicção persuade-o a assumir o risco. Aqueles que utilizam exclusivamente o método lógico nunca estarão satisfeitos com os argumentos dados, os quais - admitamos - contêm defeitos lógicos e vazios. Por outro lado, para aqueles que estão dispostos a aceitar os dois métodos, esperamos apresentar provas suficientes que tornem possível a cada leitor tentar ultrapassar por si mesmo o vazio entre o mundo dos fatos cotidianos e o mundo das grandes leis.

Essa tarefa não poderia ser realizada em nenhum livro, nem seria um número maior de fatos ou conhecimento comumente disponíveis para a ciência, seja hoje ou no futuro, o que poderia torná-la possível. Mas, com ajuda e esforço, ela pode ser realizada por cada indivíduo para sua própria satisfação.

Entretanto, para o homem comum, interessado em seu próprio destino mas não particularmente na ciência, podemos apenas dizer num exame mais cuidadoso que ele talvez ache este livro não tão científico quanto parece. A linguagem científica é a linguagem da moda hoje, assim como a linguagem da psicologia era a linguagem da moda há trinta anos, a linguagem passional era a linguagem da época elizabetana e a religiosa era a linguagem da Idade Média. Quando as pessoas são induzidas a comprar creme dental ou cigarros por argumentos e explicações pseudo-científicas, evidentemente isso corresponde de alguma forma à mentalidade da época, e verdades devem também ser expressas cientificamente.

Ao mesmo tempo, isso não sugere que a linguagem científica utilizada é um disfarce, um fingimento ou falsificação. As explanações dadas são, até onde seja possível verificar, bastante corretas e correspondem aos fatos atuais.3 O que se afirma é que os princípios utilizados poderiam, com igual correção, ser aplicados a qualquer outra forma da experiência humana, com resultados de igual ou maior interesse. E são esses princípios que têm importância, mais do que as ciências às quais estão aplicados.

De onde vêm esses princípios? Para responder essa questão, torna-se necessário reconhecer meu débito a um homem e explicar de certa forma como esse débito se originou.

Encontrei Ouspensky pela primeira vez em Londres, em setembro de 1936, quando fazia leituras públicas. Essas ‘conferências’ tratavam de um sistema extraordinário de conhecimento que havia encontrado e que era impossível de comparar-se a qualquer outro que eu já havia conhecido. No entanto, o sistema não era novo; pelo contrário, dizia-se que era muito antigo, que sempre havia existido de forma oculta e que seus sinais de tempos em tempos podiam ser vistos surgindo na superfície da história, de uma forma ou de outra. Ainda que esse sistema explicasse de maneira extraordinária coisas incontáveis a respeito do homem e do universo que até então pareciam inexplicáveis, seu único propósito - como Ouspensky constantemente enfatizava - era auxiliar o homem a despertar para um plano diferente de consciência. Qualquer tentativa de utilizar esse conhecimento com propósitos diferentes ou mais ordinários era descartada ou proibida.

Mas, não obstante a perfeição surpreendente desse ‘sistema’ em si mesmo, ele nunca poderia separar-se por inteiro do ‘ser’ do homem que o expunha: o próprio Ouspensky. Quando alguma outra pessoa tentava explicá-lo, o ‘sistema’ degenerava-se, perdia qualidade de alguma forma. E ainda que ninguém pudesse neutralizar por completo a grande força das mesmas idéias, era claro que o ‘sistema’ não podia estar separado de um homem de certo nível inusitado de consciência e de ser. Somente um homem assim poderia suscitar nos outros as mudanças fundamentais de compreensão e de atitudes necessárias para alcançá-lo.

Esse ‘sistema’, na forma pura e abstrata em que foi originalmente transmitido, foi registrado pelo próprio Ouspensky em Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido. Qualquer um que desejasse comparar os princípios originais com as deduções que são feitas aqui deveria ler esse livro, assim poderá julgar por si mesmo se as aplicações e o desenvolvimento das idéias são legítimos ou não. E de fato, de certo ponto de vista, está em seu direito, por assim dizer.

Pessoalmente, sentia-me numa encruzilhada naquela época e, quando encontrei Ouspensky a sós pela primeira vez, em Gwyndyr Road, disse-lhe que era um escritor nato e pedi-lhe conselhos sobre os caminhos que se abriam ante mim. Disse-me então com muita sensatez: “Melhor que você não se comprometa muito, mais tarde podemos encontrar algo para que você escreva”.

Isso era típico da estranha confiança inspirada por Ouspensky, já que me pareceu uma resposta completa para meu problema, ou melhor, senti que não tinha mais porque me preocupar com aquilo, que um peso havia sido tirado de cima de mim. De fato, resultado dessa conversa, durante dez anos não escrevi praticamente nada. Havia demasiadas coisas a fazer. Mas, por fim, Ouspensky cumpriu sua promessa. E a maior parte do presente livro foi escrita nos dois meses que precederam imediatamente a sua morte, em outubro de 1947, como resultado direto do que ele procurava realizar e mostrar nesse tempo. Posteriormente, um segundo livro, que continua onde este acaba, foi escrito após sua morte.

Durante o intervalo de dez anos, Ouspensky expôs de várias formas - teórica, filosófica e prática - todos os diferentes aspectos do ‘sistema’. Quando cheguei, muitos dos que o rodeavam haviam estado estudando dessa forma, procurando penetrar até o resultado indicado por ele durante dez ou quinze anos e estavam capacitados a ajudar um recém-chegado como eu a entender muito do que era e do que não era possível. Infatigavelmente Ouspensky explicava, infatigavelmente nos mostrava nossas ilusões e nos sinalizava o caminho - ainda que tão sutilmente, que, se alguém não estivesse preparado para compreender, suas lições passavam despercebidas e somente anos depois podia-se recordar o incidente e dar-se conta então do que ele havia estado demonstrando. Métodos mais violentos podem ser possíveis, mas, em certas ocasiões, eles podem deixar feridas difíceis de cicatrizar, mesmo com o tempo.

Ouspensky nunca trabalhou para o instante. Poderíamos dizer com muita propriedade que não trabalhou nem mesmo para o tempo - trabalhou para a recorrência. Mas isso exige muita explicação. Em todo caso, era perfeitamente evidente que trabalhava e planejava com um sentido de tempo completamente diferente daquele que nós tínhamos, ainda que àqueles que o solicitavam impacientes, querendo alcançar resultados mais rápidos, ele sempre dissesse: “Não, o tempo é um fator. Não podemos deixá-lo de lado”.

Assim se passaram os anos. E, ainda que em verdade muito tivesse sido alcançado, com freqüência nos parecia que Ouspensky estava muito à frente de nós, que ele tinha algo do qual carecíamos, algo que para ele tornava práticas certas possibilidades que, para nós, continuavam sendo teóricas e que, à parte todas as suas explicações, não descobríamos como alcançar. Alguma chave essencial parecia haver-se perdido. Posteriormente, essa chave apareceu. Mas isso é outro assunto.

Ouspensky foi para a América durante a guerra. Em conexão com esse estranho desenvolvimento de possibilidades que ficou conhecido por ‘conferencias de Ouspensky’, lembro-me de como em Nova York, por volta de 1944, ele nos deu uma tarefa e disse que ela seria interessante para nós. Consistia em ‘classificar as ciências’ de acordo com os princípios que tinham sido expostos por meio do sistema; classificá-las ‘de acordo com o mundo que elas estudavam’. Referiu-se à última classificação das ciências - a de Herbert Spencer - e disse que, ainda que interessante, ela não era satisfatória nem do nosso ponto de vista, nem do ponto de vista de nosso tempo. Escreveu também a seus amigos na Inglaterra sobre essa tarefa. Uns cinco anos depois, quando o presente livro estava perto de ser terminado, percebi que ele era de fato uma resposta à tarefa de Ouspensky.

Ele voltou à Inglaterra em janeiro de 1947. Estava velho, doente e muito fraco. Mas também tinha algo a mais. Era um homem diferente. Muito da personalidade vigorosa, extraordinária e brilhante, aquela que seus amigos conheciam e da qual desfrutaram por tantos anos, tinha ficado para trás, e muitos daqueles que o encontraram novamente ficaram chocados e perplexos, enquanto, para alguns outros, foi dada uma nova compreensão do que era possível no caminho do desenvolvimento.

No começo da amarga primavera de 1947, ele organizou várias reuniões em Londres, para todos os que já o tinham ouvido e para outros que ainda não. Falava-lhes de uma forma nova. Disse-lhes que abandonava o sistema. Interrogou-os acerca do que desejavam, dizendo-lhes que apenas de tal base poderiam começar o caminho da lembrança de si e da consciência.

É difícil expressar a impressão criada. Por vinte anos na Inglaterra, antes da guerra, Ouspensky tinha quase que diariamente explicado o sistema. Tinha dito que tudo deveria referir-se a ele, que as coisas poderiam apenas ser compreendidas em relação a ele. Para aqueles que o haviam escutado, o sistema representava a explicação de todas as coisas difíceis, indicava o caminho para todas as coisas boas. Suas palavras e linguagem tornaram-se mais familiares que o idioma natal. Como eles poderiam ‘abandonar o sistema’?

Àqueles que ouviam com atitude positiva o que ele tinha a dizer-lhes, era como se um grande peso lhes tivesse sido tirado. Perceberam que, no caminho da evolução, o verdadeiro conhecimento deve primeiro ser adquirido e então abandonado. O que exatamente torna possível uma porta ser aberta talvez torne impossível a abertura da próxima. E alguns então pela primeira vez começaram a ter idéia de onde poderia estar aquela chave que estava faltando e que poderia levá-los ao lugar onde Ouspensky estava e eles não.

Depois disso, Ouspensky retirou-se à sua casa de campo, onde via poucas pessoas e raramente falava. Agora ele demonstrava e realizava em atos e em silêncio a mudança de consciência cuja teoria ele havia exposto por tantos anos.

A história daqueles meses não pode ser contada aqui. Mas, ao amanhecer de um dia de setembro, quinze dias antes de sua morte, após estranha e longa preparação, ele disse aos poucos amigos que estavam com ele: “Vocês devem começar outra vez. Devem fazer um novo começo. Devem reconstruir tudo por si mesmos do próprio início.”

Este era então o verdadeiro significado de ‘abandonar o sistema’. Todo sistema de verdade deve ser abandonado para que possa germinar outra vez. Ele os libertara de uma expressão da verdade que poderia ter-se tornado um dogma, mas, em vez disso, essa expressão iria gerar uma centena de formas vivas que terminaria por afetar vários aspectos da vida.

Mais importante do que tudo, ‘reconstruir tudo por si mesmo’ evidentemente significava ‘reconstruir tudo em si mesmo’, ou seja, criar realmente em si a compreensão que o sistema havia feito possível e alcançar a meta da qual ele falava - superando real e permanentemente a velha personalidade e adquirindo um novo nível de consciência.Assim, se o presente livro é tomado como uma ‘reconstrução’, é apenas uma reconstrução do conjunto de idéias que nos foi dado numa forma e linguagem particulares. Apesar de sua aparência científica, não tem importância alguma como compêndio de fatos científicos ou mesmo de uma nova maneira de apresentá-los. Qualquer significado que possa ter reside no fato de ele ser derivado, embora que de segunda mão, das reais percepções de uma consciência superior e na indicação de um caminho pelo qual tal consciência possa outra vez ser alcançada.

R.C.

Lyne, agosto de 1947

Tlalpam, abril de 1953


Capítulo I - A Estrutura do Universo

I O Absoluto



Filosoficamente, o homem pode conceber um Absoluto. Tal Absoluto abrangeria todas as dimensões possíveis no tempo e no espaço. Ou seja:

Incluiria não apenas o universo inteiro que o homem pudesse perceber ou imaginar, mas todos os demais universos semelhantes que pudessem ser encontrados além de seu poder de percepção.

Incluiria não apenas o momento presente de tais universos, mas também seus passados e futuros ou o que isso pudesse significar em suas escalas.

Incluiria não apenas tudo o que fosse realizado no passado, presente e futuro de todos os universos, mas também tudo o que potencialmente pudesse ser realizado neles.

Incluiria não apenas todas as possibilidades para todos os universos existentes, mas também todos os universos em potencial, mesmo aqueles que não existissem ou nunca viessem a existir.

Tal concepção é puramente filosófica para nós. Logicamente, deve ser assim, mas nossa mente é incapaz de captar tal fórmula ou dotá-la de sentido.

No próprio momento em que pensamos no Absoluto, pensamos nele já alterado, seja de uma forma ou de outra. Temos de pensar nele na forma de algum corpo, qualidade ou lei. Tal é a limitação de nossa mente.

O efeito ou influência de um corpo sobre outro varia em três sentidos:


(a) Na proporção inversa ao quadrado de sua distância4 – medimos esse efeito como radiação, ou efeito ativo do maior sobre o menor.

(b) Em proporção direta à sua massa – tal efeito é medido como atração ou efeito passivo do maior sobre o menor.

(c) Em proporção direta à sua distância – tal efeito é medido como tempo ou efeito retardado entre a emissão da influência do maior e sua recepção pelo menor.

Estas constituem, com efeito, as três primeiras modificações da unidade, as três primeiras modificações do Absoluto. Imaginemos uma esfera de ferro incandescente representando a unidade. Sua composição, peso, tamanho, temperatura e radiação constituem algo, um ser. Mas seu efeito sobre o que a circunda desenvolve-se de acordo com três fatores – ilumina-os e aquece-os na proporção inversa ao quadrado de sua distância, impulsiona-os em proporção direta à sua massa e afeta-os após certo retardamento em proporção direta à sua distância. Se sua massa e radiação forem constantes, esse terceiro fator, ainda que realmente presente, permanecerá invisível e imensurável. Mas, em relação aos objetos que estiverem em diferentes relações a essa esfera radiante, o efeito combinado desses três fatores será diferente e distinto. Assim, as variações no efeito dessa unidade radiante, apesar da interação desses três fatores, tornam-se infinitas.

Dessa forma, já afirmamos aqui duas coisas: uma unidade radiante e seus arredores. Imaginemos agora uma esfera na qual o pólo sul seja incandescente e o pólo norte esteja a 0º. Se supusermos que essa esfera seja fixa em sua forma, tamanho e massa, quanto maior o calor no pólo sul, maior a calefação de matéria em seus arredores e, portanto, maior a condensação de matéria nos arredores do pólo frio. Se esse processo for projetado ao infinito, radiação e massa separar-se-ão completamente, o pólo sul representando pura radiação e o pólo norte pura massa. Assim, dentro da própria esfera, esses três fatores – radiação, atração e tempo – criarão um número infinito de condições físicas e de relações entre um pólo e outro. As três modificações da unidade terão criado uma variedade infinita.

Qualquer ponto da esfera receberá uma quantidade definida de radiação do pólo sul, sentirá um grau definido de atração do pólo norte e estará separado de ambos os pólos (seja recebendo impulsos ou refletindo-os de volta para os pólos) em períodos definidos de tempo. Juntos, esses três fatores comporão uma fórmula que fornecerá uma definição perfeita de qualquer ponto particular da esfera, o que indicará exatamente sua natureza, possibilidades e limitações.

Se chamarmos de céu o pólo norte e de inferno o pólo sul, teremos uma figura que representará o Absoluto da religião. No presente, contudo, nossa tarefa é aplicar esse conceito ao Absoluto da astrofísica, a esse quadro do Todo que a ciência moderna luta para discernir através de distâncias insondáveis e durações inimagináveis que agora se abrem diante dela.

Temos de imaginar toda a superfície da nossa esfera universal, com seus dois pólos de radiação e atração, sendo salpicada por galáxias em crescimento, assim como a superfície do sol é salpicada de vórtices de fogo. Esse ‘crescimento’ de galáxias implica expansão de um pólo de absoluta unidade em luz à infinita extensão de multiplicidade, distância e contração de volta a um pólo de absoluta unidade em matéria. Mesmo assim, os pólos de luz e de matéria não são nada mais que extremos opostos do mesmo eixo. E todo esse ‘crescimento’ é apenas a superfície do universo na eternidade.4a

Essa esfera universal não está sujeita à medida ou à lógica humana. Tentativas de medições realizadas em diferentes formas reduzem ambas ao absurdo, e deduções igualmente plausíveis sobre ela conduzem a conclusões diametralmente opostas. Isso não é surpresa quando lembramos que ela é a esfera de todas as possibilidades imagináveis e inimagináveis.

Olhando, por exemplo, de nosso ponto infinitesimal no interior de um ponto para a superfície dessa esfera, os homens podem fotografar com telescópios galáxias cuja luz leva um milhão de anos para nos alcançar. Ou seja, eles vêem essas galáxias como elas eram há um milhão de anos. Ao mesmo tempo, a ciência moderna também acredita que toda essa esfera infinita tenha sido criada há somente cinco milhões de anos, numa explosão momentânea de luz num único lugar, e que, desde então, ela esteja expandindo-se. Suponhamos então que os telescópios fossem cinco vezes mais penetrantes que aqueles existentes hoje. Os astrônomos veriam então a criação do universo. Veriam a criação de nosso próprio universo no começo do tempo por infinita penetração na distância.

Tais anomalias são possíveis somente numa esfera universal do tipo que nós imaginamos, em que um pólo representa radiação ou o ponto de criação e o outro pólo atração ou o ponto de extinção e em que todos os pontos estão assim simultaneamente conectados e separados pela interminável superfície curva do tempo.

De certo ponto de vista, todas as galáxias e todos os mundos podem ser vistos como se estivessem movimentando-se lentamente do pólo de radiação para o equador de expansão máxima apenas para reduzirem-se novamente até o pólo final de massa. De outro ponto de vista, pode ser a força de vida, a própria consciência do Absoluto quem esteja fazendo essa interminável peregrinação. E novamente, de acordo com nossa própria definição do Absoluto, todas as partes, possibilidades, tempos e condições dessa esfera universal devem existir juntas, simultânea e eternamente, mudando continuamente e permanecendo as mesmas.

Em tal esfera, todos os diferentes conceitos da antiga e moderna física podem unir-se. A esfera toda é aquele espaço fechado postulado por Riemann. A nova idéia de um universo em expansão, que duplica suas dimensões a cada 1.300.000.000 de anos, é uma expressão do movimento do pólo de radiação para o equador de expansão máxima. Aqueles que o descrevem como criado no fogo absoluto e que se faz cada vez mais frio até sua morte final por esfriamento e condensação têm os olhos no movimento inverso. Einstein, na tentativa de satisfazer a necessidade de uma terceira força com sua intangível e incomensurável ‘repulsão cósmica’, agrega a esse quadro de dois pólos a superfície mediadora e conectante de retardamento ou tempo.

Todas essas teorias são igualmente corretas e incorretas, assim como as daqueles cegos de um conto oriental que, ao descreverem um elefante pelo tato, um deles dizia que ele era como uma corda, outro como um pilar e um terceiro ainda como duas fortes lanças.


Tudo o que podemos dizer é que o Absoluto é Um e que, dentro dele, três forças, diferenciando a si mesmas como radiação, atração e tempo, criam entre elas o Infinito.

II A Via Láctea no Mundo das Nebulosas Espirais


Entretanto, dentro do Absoluto, podemos considerar as maiores unidades reconhecíveis pelo homem. São as nebulosas galácticas, perto do centro de uma das quais, conhecida como Via Láctea, existe o nosso Sistema Solar. Ainda que a existência de outras nebulosas além da nossa tenha-se tornado conhecida somente com modernos telescópios, milhões delas estão evidentes agora e centenas têm sido claramente observadas. A mais próxima está a 800.000 anos-luz de distância e está para nossa Via Láctea assim como um homem a vinte passos de outro.

A aparência dessas nebulosas, cada uma das quais consistindo de incontáveis milhões de estrelas, é muito diferente. Algumas parecem linhas de luz, outras têm forma de lente e outras ainda são como espirais nas quais torrentes de sóis parecem brotar do centro como uma chuva radiante. Essa variação deve-se, em parte, ao estágio de crescimento das próprias nebulosas e, em parte, ao ângulo pelo qual são vistas.

A maioria das nebulosas, incluindo-se a Via Láctea, tem de fato o mesmo padrão básico. São aparentemente vastos discos de estrelas separados por infinitos de distância uns dos outros; tão imensos que as estrelas que os formam, por seu próprio número, parecem fluir e correr como um gás ou um líquido sob a influência de alguma grande força centrífuga. Essa força dá a elas um movimento ou forma espiralado, tal qual um redemoinho na areia dá movimento espiralado à coluna de poeira que se levanta.

Sem dúvida, nossa Via Láctea também possui essa forma centrífuga, mas naturalmente isso só poderia ser visto de fora. Para nós, situados dentro de seu plano, ela surge como uma linha curva ou arco de luz nos céus acima de nós. Por contraste, vemos o Sol como um plano curvo ou disco e planetas magníficos do mesmo modo. Aproximando-nos mais da nossa própria escala, o que podemos explorar desta Terra é uma curva sólida ou a superfície de uma esfera.

Essas três formas – arco, disco e esfera – são aquelas nas quais três grandes escalas de entidades celestiais apresentam-se à percepção humana. Não são essas, evidentemente, as formas reais dessas entidades, pois sabemos muito bem que a Via Láctea, vista de qualquer outro lugar, por exemplo, não pareceria com uma linha, mas, assim como outras galáxias, com um disco giratório.

Ainda assim, essas formas aparentes dos mundos celestiais são muito importantes e interessantes. Elas podem dizer-nos muito, não apenas da estrutura do universo, mas também da percepção do homem, e, por esse meio, da relação dele com esses mundos e da própria relação desses mundos entre si.

A relação entre uma curva sólida, uma curva plana e uma linha curva é a relação entre três, duas e uma dimensão. Podemos dizer que percebemos a Terra em três dimensões, o Sistema Solar em duas dimensões e a Via Láctea em uma dimensão. Percebemos outras galáxias apenas como pontos. Quanto ao Absoluto, não podemos percebê-lo em nenhuma dimensão, pois ele é absolutamente invisível.

Assim, a escala de mundos celestiais – Terra, Sistema Solar, Via Láctea, a Totalidade das Galáxias e o Absoluto – apresenta à percepção do homem uma progressão especial. Para cada ascensão nessa escala, uma dimensão torna-se invisível para ele. Essa curiosa ‘perda’ de uma dimensão ainda é aparente em níveis além de sua percepção, mas ele pode imaginá-los. Em relação ao Sistema Solar, a Terra não é mais uma esfera sólida, mas uma linha de movimento, enquanto que, em relação à Via Láctea, o Sistema Solar não é mais um plano, mas um ponto. Em cada caso, uma dimensão inferior ‘desaparece’.

Ao mesmo tempo, desde que cada cosmos seja por si mesmo tridimensional, ou seja, possua altura, largura e espessura, a cada expansão de escala uma dimensão superior será adicionada, sendo inatingível e invisível à inferior. Um tijolo tem sua própria altura, largura e espessura, mas um conjunto alinhado de tijolos possui apenas uma dimensão de uma casa – a largura – cuja altura e espessura serão de dimensões superiores para o tijolo.

De modo semelhante, o homem, ele mesmo um sólido tridimensional, ou seja, tendo sua própria altura, largura e espessura, pode viajar sobre toda a superfície da Terra, cuja configuração em sua escala é o mundo tridimensional no qual vive. Na escala da Terra, entretanto, essa superfície é apenas bidimensional, agregando-se a ela uma nova terceira dimensão – a espessura da Terra –, inconcebível e impenetrável para o homem. A terceira dimensão da Terra é, dessa maneira, uma espécie superior e diferente de terceira dimensão, incomensurável com a terceira dimensão do homem.

Nessa grande hierarquia celestial, cada mundo superior parece descartar a dimensão inferior do mundo imediatamente abaixo e agregar uma nova dimensão acima ou além do alcance desse mundo. Cada um desses mundos completos existe em três dimensões de espaço, ainda que possua uma dimensão a mais que o de baixo e uma a menos que o de cima. Isso significa que cada mundo é parcialmente invisível para os mundos maiores ou menores que ele. Mas, enquanto a dimensão inferior do mundo menor é o que desaparece em relação ao maior, a dimensão superior do maior é o que é invisível para o menor.

De nosso ponto de vista, quanto maior o mundo celestial, mais dele deve ser invisível, ao passo que as partes dos mundos superiores que são visíveis para o homem pertencerão sempre aos aspectos mais inferiores ou elementares desses mundos.

Agora podemos começar a compreender melhor o significado da aparência linear da Via Láctea. Significa que a Via Láctea é amplamente invisível. O que vemos dela é uma ilusão de nossa percepção limitada. O aparente ‘arco de luz’ deve ser um efeito do nosso não ver em suficientes dimensões.

Quando vemos linhas ou círculos aparentes ao nosso redor, sabemos muito bem o que fazer para investigar os corpos aos quais pertencem, quer nos movimentemos em relação a eles ou os movamos em relação a nós. Sentado à mesa numa sala escura, vejo aquilo que parece uma linha de luz. Assim que me levanto, a linha transforma-se num círculo. Estendo minha mão para ele e seguro um objeto que resulta ser um copo. Antes que o copo fosse alcançado, apenas o anel da borda revelado pela luz era visível, primeiro ao nível da minha visão e depois de cima. Agora, quando manuseado, minha relação diferente com ele em espaço e tempo revela que ele não é nem uma linha nem um disco, mas sim um corpo sólido contendo uma interessante bebida.

Não podemos fazer isso em relação à Via Láctea nem a outras galáxias. Na escala delas, não podemos modificar sequer um ponto a nossa posição, seja no espaço ou no tempo. Em relação a elas, somos pontos fixos e não há maneira pela qual possamos mudar nossa visão delas. Até mesmo os movimentos da Terra e do Sol não produzem mudanças perceptíveis no ponto de vista do homem em milhares de anos, e esses milhares de anos, comparados com a idade das galáxias, não têm a mínima duração. É como se estivéssemos condenados por toda a vida a ver apenas a borda do copo. E podemos supor igualmente que não é nada mais que um anel ou uma seção transversal da galáxia que os homens vêem, e eles sempre verão com sua percepção corpórea.

Qual seria a natureza real da Via Láctea e sua relação com outras galáxias? O que é uma nebulosa em si? Estaríamos perdidos não fosse o fato de que essa relação entre os mundos celestiais, da Terra, Sistema Solar e Via Láctea, deva, por analogia, ter paralelos nos mundos inferiores de elétrons, moléculas e células. Essa relação entre mundos interpenetrantes é por si mesma uma constante cósmica, devendo ser verificada tanto acima quanto abaixo. Em sua própria escala, revelada pelo microscópio, uma célula é um organismo sólido tridimensional, mas, para o homem, é um ponto incomensurável. Entre os mundos microscópicos, a mesma adição e subtração de dimensões pode ser observada, mas com a diferença de que ali a natureza e o ser do mundo superior, sua relação e poder sobre os mundos inferiores dentro dele pode ser conhecida e observada, pois esse mundo superior é o próprio homem.

A situação de nosso Sistema Solar dentro da Via Láctea é quase que exatamente a mesma que a de uma célula sangüínea dentro do corpo humano. Um glóbulo branco também está composto de um núcleo ou sol com seu citoplasma ou esfera de influência e rodeado por todos os lados por incontáveis milhares de células similares ou sistemas, formando o todo um grande ser cuja natureza dificilmente seria suscetível de ser concebida.

No entanto, se compararmos o corpo humano a algum grande corpo da Via Láctea e uma célula dele ao nosso Sistema Solar e quisermos encontrar um ponto de vista comparável ao de um astrônomo na Terra, teríamos de imaginar a percepção de algo como um simples elétron de uma molécula dessa célula. O que tal elétron poderia conhecer do corpo humano? O que ele poderia conhecer de fato de sua célula ou até mesmo de sua molécula? Tais organismos seriam tão vastos, sutis e onipotentes em relação a ele, que o significado deles estaria totalmente além de sua compreensão. Ainda que o elétron pudesse perceber algo do universo que o circunda e mesmo que essa impressão estivesse muito distante da realidade, seria interessante para nós imaginá-la.

Tais elétrons, pela insignificância de seu tamanho e duração, seriam também, assim como os homens dentro da Via Láctea, pontos fixos ou unidimensionais, incapazes de mudar a visão de seu universo ainda que fosse na espessura de um fio de cabelo. A célula deles estaria percorrendo sua artéria, assim como o Sol ao longo de sua trajetória na Via Láctea, realizando milhares de circuitos dentro do grande corpo no curso de sua existência. Mas, para o elétron, isso nada significaria, porque em toda a duração de sua vida fugaz a célula não teria avançado nenhuma distância mensurável.

Como pontos, os elétrons olhariam sobre uma seção fixa do corpo humano em ângulos retos à artéria na qual sua célula fosse destinada a se mover. Tal seção transversal constituiria assim seu universo visível ou presente. Dentro desse universo, eles se dariam conta, sobretudo e antes de mais nada, do núcleo resplandescente de sua célula, fonte de toda luz e toda vida para eles e para todo o sistema de mundos em que vivessem. Olhando para além desse sistema, no zênite, isto é, fora de sua seção transversal e acima, para dentro de sua artéria, eles não veriam nada – seria onde sua célula e seu universo estariam indo para o futuro. Um espaço igualmente vazio estaria abaixo deles, no nadir. Seria dali que seu universo teria vindo e tal ‘ponto’ seria seu passado.

Contudo, se eles olhassem para fora, seguindo o plano presente de seu universo, veriam resplandecer por todos os lados o que pareceria ser um anel brilhante formado por um número infinito de outros núcleos celulares ou sóis, meio distantes do sol deles. Se fossem um pouco mais ‘audaciosos’, perceberiam que essa aparência de anel seria uma ilusão devido à perspectiva da distância e, em vez disso, suporiam ser ele um vasto disco de células dos quais o deles não seria senão um dentre vários milhões de outros discos. Posteriormente, medindo a densidade da nuvem celular nos vários pontos do compasso, poderiam até mesmo calcular que sua posição estaria mais próxima do centro ou de uma das bordas do disco. Dessa forma, eles localizariam seu próprio sistema dentro de sua galáxia. Esse disco ou nuvem em forma circular seria a Via Láctea deles.

Em muitos sentidos, os descobrimentos dos elétrons fariam paralelo às descobertas dos astrônomos humanos e eles se defrontariam com problemas muito semelhantes. À medida que estudassem a Via Láctea de outras células e aplicassem os métodos de medição mais sutis, poderiam, por exemplo, alcançar a idéia de que todas as células ou sóis estariam retrocedendo imperceptivelmente, assim como fizeram os astrônomos em circunstâncias parecidas. A partir disso, os astrônomos concluíram que os sóis da Via Láctea teriam sido todos criados juntos, numa massa de densidade compacta, e que, desde então, eles teriam estado expandindo-se a partir do centro num disco que constantemente se dilatava e rarefazia. Falam-nos de um ‘universo em expansão’. Se os elétrons chegassem a uma conclusão análoga em relação ao seu universo, estariam com toda certeza descrevendo o que acontece numa seção transversal do corpo humano depois da adolescência, quando as células deixam de multiplicar-se, mas as já existentes expandem-se, dilatam-se e saturam-se de água e gordura, produzindo o efeito de um corpo expandindo-se em circunferência.

Finalmente, quando os elétrons tivessem esgotado a especulação sobre sua Via Láctea, poderiam descobrir a uma imensurável distância além de seus limites, mas ainda sobre o mesmo plano, linhas delgadas e nuvens que pareceriam universos semelhantes. Poderíamos reconhecer tal descoberta como a seção transversal de outros corpos humanos. Mas para os elétrons eles seriam nebulosas extragalácticas.

O estudo dessas nebulosas distantes pode introduzir algumas questões curiosas para o observador de eletrônica. Algumas delas seriam vistas simplesmente como linhas de luz e ele se daria conta de estar olhando para a borda de um disco galáctico semelhante àquele em que ele mesmo se encontra. Outras, no entanto, pareceriam circulares ou espiraladas, assim como certas nebulosas o são para nós. Nesse caso, ele estaria olhando para elas como alguém no futuro ou no passado olharia para seu próprio universo.

Como isso seria possível? Significaria que o elétron, mesmo incapaz de imaginar a forma do ser ao qual infinitesimamente pertencesse, estaria vendo as silhuetas de outros seres similares – outros homens em pé, deitados ou sentados, muito distantes do plano através do qual seu universo estivesse movendo-se. Tais homens ou universos estariam espalhados sobre uma paisagem para onde o universo do elétron chegaria depois ou onde já tivesse estado. Isso implica que o elétron os olharia como alguém no futuro ou no passado olharia seu próprio universo. O elétron finalmente estaria olhando para uma ‘galáxia’ humana do lado de fora do tempo desta. Desse modo, ele obteria – talvez pela primeira vez – uma idéia da forma e da natureza de sua própria ‘galáxia’, ou seja, o homem.

De maneira semelhante, estudando nebulosas extragalácticas, os astrônomos supõem a forma de nossa própria galáxia. Além disso, eles encontraram maior concentração de tais nebulosas no zênite e nadir de nossa Via Láctea, ou seja, no plano através do qual ela se move, não encontrando nenhuma em ângulos retos ao longo do plano de seu diâmetro, supondo assim uma ‘camada obscura’ nesse lugar. Mas infelizmente nosso elétron astrônomo não poderia observar outros universos nem acima nem abaixo de seu próprio caminho, ou seja, no céu sobre sua cabeça ou na terra sob seus pés. A natureza de tais universos mover-se-ia apenas sobre a superfície de uma esfera ainda maior – a Terra.

Na primeira parte deste capítulo, supusemos o vasto exército de nebulosas movendo-se sobre a superfície de uma esfera maior – o próprio Absoluto. Talvez a ‘camada obscura’ seja uma confirmação dessa idéia e, se assim for, não é então uma mera extensão de nebulosas que está oculta de nós, mas sim a própria natureza desse Absoluto.

Assim, se nossa analogia fosse verdadeira, ela provaria o significado do fenômeno celestial que se apresenta para nós como Via Láctea e outras galáxias mais distantes. Elas representariam seções de corpos imensos, inconcebíveis e eternos para nós e dos quais nada poderíamos dizer, a não ser que eles devessem estar vivos. Mas é verdade? Não pode haver resposta direta. Podemos dizer apenas que outra escala de vida, estudada corretamente, revela fenômenos intimamente comparáveis àqueles que percebemos nos céus e cuja imensa escala está além da nossa compreensão. E podemos acrescentar ainda que, posto que as leis naturais devam ser universais e que por si mesmo o homem não pode inventar um esquema cósmico, a analogia, mostrando correspondências entre padrões criados por leis acima e abaixo, talvez seja a única ferramenta intelectual suficientemente vigorosa para determinadas questões.

Ela pode, de qualquer modo, revelar as relações existentes. Assim, ao estudar o elétron no corpo humano, podemos ver bem a escala do ser que luta para avaliar estrutura, tempo de vida e propósito das muitas galáxias em comparação com o fenômeno que ele testemunha.



III O Sistema Solar na Via Láctea

Salvo forma e distância, temos muito pouco conhecimento sobre as nebulosas extragalácticas. Sobre nossa própria galáxia, a Via Láctea, podemos dizer mais. De acordo com idéias recentes, ela é uma nebulosa espiralada com talvez 60.000 anos-luz de diâmetro e 10.000 anos-luz de espessura.

Podemos captar essa parte visível da Via Láctea como um plano ou um mar de estrelas ao redor de cujo centro circula nosso Sistema Solar – um ponto localizado exatamente sobre esse oceano. Desde que essa jornada levaria centenas de milhares de anos para ser efetuada, ela parece à observação extremamente limitada do homem estar estacionada contra o fundo imutável de estrelas fixas, da mesma forma que um navio no meio do oceano parece estar parado para seus passageiros tendo o horizonte marítimo como referência. Mesmo que o navio de nosso Sistema Solar mova-se, seu curso dirige-se atualmente para a brilhante estrela Vega, que brilha além e um pouco acima do plano da própria Via Láctea.

Isso significa que o movimento do navio não é exatamente paralelo à superfície do oceano, mas o corta transversalmente em um ângulo como se emergisse de uma onda. Isso, por sua vez, significa que o corte transversal do navio ou plano do Sistema Solar no qual os planetas se movem não está em ângulo reto à superfície do oceano galáctico, mas inclinado 55º em relação a ele.


Na prática, estabelecemos tanto o grande plano da Via Láctea quanto o plano menor do Sistema Solar pelas constelações ou fabulosas formações de estrelas que estão ao redor do horizonte de cada um. São elas que marcam os pontos do compasso do plano do Sistema Solar: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Em Gêmeos e Sagitário, o plano do Sistema Solar é cortado pelo plano maior da Via Láctea ou, utilizando nossa outra imagem, a seção transversal do navio intersecciona a superfície do oceano. Dessa forma, as constelações de Gêmeos e Sagitário ficam em ângulos retos ao curso do Sistema Solar e, como este está viajando ao redor do centro da Via Láctea, um deles deve representar a direção desse centro e o outro a direção de sua borda mais próxima. De fato, a massa de estrelas próxima a Sagitário é mais densa, como deveríamos esperar observando através do centro e da espessura da galáxia, assim como mais ampla, parecendo dividida em duas camadas, como se estivéssemos de fato vendo mais da espessura da galáxia a uma distância maior. Próximo a Sagitário, estaria então o centro da galáxia e, próximo a Gêmeos, a fronteira mais próxima do espaço extragaláctico.5

Devemos buscar uma explicação dessa estranha idéia de que o homem pode ver um pouco no passado da galáxia, um pouco na profundidade ou espessura do oceano sobre o qual seu Sistema Solar navega. Como isso é possível? A Via Láctea é tão vasta, que a luz leva 60.000 anos para atravessá-la de um lado a outro. Significa que sua extremidade mais próxima está a 10.000 anos-luz de distância de nós e a mais distante a aproximadamente 50.000 anos-luz. Em outras palavras, as estrelas mais remotas em direção a Gêmeos aparecem para nós na posição que ocupavam há 10.000 anos, enquanto as de Sagitário parecem estar onde permaneciam há 50.000 anos, tempo em que o homem talvez estivesse surgindo na face da Terra pela primeira vez.

Estamos literalmente olhando para o passado da Via Láctea. Quanto mais longe olharmos, mais profundamente vemos seu passado. A explicação dessa capacidade de olhar além do presente galáctico está na lentidão dos impulsos de luz que provêm de nosso único meio de percepção se comparada à vastidão quase inimaginável que deve atravessar. Mais adiante, quando discutirmos as velocidades de difusão de diferentes tipos de energia, talvez cheguemos à conclusão de que a escala do mundo galáctico implica na existência de alguma energia muito mais rápida que a luz e com a qual o homem ainda não está familiarizado.

Enquanto isso, se supusermos toda a Via Láctea movendo-se para diante, como todos os demais sistemas no universo, então poderemos dizer que o ângulo de nossa percepção fora do plano do presente deve ser proporcional à velocidade da Via Láctea dividida pela velocidade da luz. No cotidiano, um fenômeno exatamente comparável resulta da transmissão do som, o qual faz com que escutemos a distância um grito emitido segundos antes, o que nos capacita a ouvir mais profundamente no passado quanto mais distantes nos encontrarmos.

Assim, na realidade, não olhamos através de tal mar ou disco imaginário que representa o presente da Via Láctea. Vemos um cone que se estende através do tempo da galáxia ou de sua quarta dimensão. Enquanto estrelas mais próximas a nós aparecem-nos dez ou vinte anos atrás desse plano, outras brilham em suas posições de um século, um milênio ou dez mil anos atrás em proporção às suas distâncias. De nossa posição, todas essas estrelas que se estendem desde o presente até dezenas de milênios atrás são vistas sobrepostas, dando a ilusão daquele vasto anel ou muro de estrelas que de fato vemos.



Mas, como já calculamos, no extremo mais distante da galáxia, vemos cinco vezes mais profundamente no passado do que veríamos no extremo mais próximo. Justamente devido à maior distância, vemos muito mais de seu tempo ou quarta dimensão nessa direção e é natural que a massa visível de estrelas seja mais densa e espessa próximo a Sagitário, onde estão seu centro e sua maior extensão.

Pelo fato de a Via Láctea ser uma nebulosa espiral, quando olhamos para Sagitário, dirigimo-nos para o centro ou a fonte de sua energia criadora, exatamente como, quando olhamos para o Sol, dirigimo-nos para o centro ou a fonte de energia criadora do Sistema Solar. Quando olhamos Gêmeos, estamos de costas para esse centro, assim como à meia-noite olhamos a parte do céu oposta ao Sol. Aqui está uma medida objetiva dos tão acreditados ‘caracteres’ do zodíaco. Eles são de fato uma medida de nossa inclinação para o foco de nossa galáxia, tão definitiva quanto as horas do dia o são da nossa inclinação em relação ao Sol. Quando o Sol está em Sagitário, isso significa que as radiações solares e quaisquer outras radiações desconhecidas e superiores procedentes do foco da Via Láctea nos chegam da mesma direção ou estão em conjunção. Quando o Sol está em Gêmeos, isso significa que as radiações solares e galácticas nos chegam de direções opostas. E, quando olhamos o Sol nos signos intermediários de Virgem ou Peixes, significa que o vemos contra o vazio exterior ou contra o passado e o futuro invisíveis da Via Láctea, cuja radiação central chega-nos em ângulos retos aos raios solares.

No presente, não podemos declarar especificamente a natureza das radiações que podem ser emitidas pelo centro galáctico. Mas uma radiação geral de alguns metros de longitude de onda foi detectada sendo notavelmente mais forte na direção das nuvens de estrelas mais densas da Via Láctea e com o máximo vigor na direção de Sagitário.6 Essa radiação é considerada hoje uma característica definida da nossa galáxia e, particularmente, de seu centro cuja natureza física está oculta de nós por nuvens de estrelas. Tal radiação é distinta, mas semelhante àquela que conhecemos como raios cósmicos, os quais, ao chegar à Terra vindos de todos os ângulos e direções e sendo de uma freqüência mais elevada que qualquer outra conhecida que se origina no Sol, deve acarretar para nós matéria ou influência do centro vital de algum mundo ainda maior.

Supusemos esse próximo mundo maior ou cosmos acima do Sistema Solar como sendo a Via Láctea. Mas há muitas indicações de que a diferença entre os tamanhos é muito grande nesse caso. Mais adiante, quando começarmos a medir os tamanhos relativos e dimensões dos cosmos que somos capazes de identificar,7 veremos que o fator de multiplicação entre o Sistema Solar e a Via Láctea é muito maior que aquele entre a célula e o homem, entre o homem e a Natureza, entre a Natureza e a Terra e entre a Terra e o Sistema Solar. O Sistema Solar parece perdido nas distâncias da Via Láctea, assim como um homem estaria perdido na superfície da Terra, não fosse pelo ordenado mundo da Natureza do qual faz parte e que, por assim dizer, intermedia a Terra e ele.

O diâmetro da Terra, por exemplo, é um milionésimo do diâmetro do Sistema Solar, mas o deste talvez seja de apenas quarenta milionésimos o da Via Láctea. Quando encontramos tais relações em nosso próprio sistema, não é entre Sol e planetas, mas entre Sol e satélites de planetas. Isso equivaleria a dizer que, por analogia de massa e escala, deveríamos esperar que o Sistema Solar girasse ao redor de alguma entidade muito maior, que, por sua vez, giraria ao redor do centro da Via Láctea, exatamente como a Lua gira ao redor da Terra, que, por sua vez, gira ao redor do Sol.

Mas o que é e onde está esse ‘sol’ de nosso Sol? Várias tentativas foram feitas para discernir um sistema ‘local’ dentro da Via Láctea, em particular por Charlier, que, em 1916, parecia havê-lo estabelecido a 2.000 anos-luz de diâmetro e tendo seu centro a várias centenas de anos-luz mais além, em direção a Argos. Se estudarmos nossas cercanias imediatas na galáxia, encontraremos uma gradação interessante de estrelas, duas das quais são sugestivas desse ponto de vista. A dez anos-luz, encontramos uma estrela em escala semelhante ao nosso Sol e Sírius, umas vinte vezes mais brilhante. Entre quarenta e setenta anos-luz de distância, chegamos a outras cinco estrelas muito maiores, de 100 a 250 vezes mais brilhantes que nosso Sol; entre setenta e duzentos anos-luz, sete ainda maiores, de 250 a 700 vezes mais brilhantes; e, entre trezentos e setecentos anos-luz, encontramos seis imensos gigantes, dezenas de milhares de vezes mais brilhantes. A maior de todas essas, Canopus, que se encontra a seiscentos e vinte e cinco anos-luz atrás do rastro do Sistema Solar, é 100.000 vezes mais radiante que nosso Sol e poderia na verdade ser o ‘sol’ local do sistema de Charlier.

Entretanto, como em muitos desses problemas, somente quando abandonamos a teoria astronômica e retornamos à observação direta do céu e dos corpos celestes encontramos uma influência estelar mais imediata sob a qual o Sistema Solar deve estar sujeito.

Mas o objeto mais brilhante nos céus, depois daqueles pertencentes ao Sistema Solar é naturalmente a dupla estrela Sírius. Compõe-se de um imenso sol radiante, 26 vezes mais brilhante que o nosso e com uma trajetória circular de um período de cinqüenta anos com um satélite branco tão grande quanto Júpiter e 5.000 vezes mais denso que o chumbo. A massa da estrela luminosa, que é de duas vezes e meia a do nosso Sol e a da estrela opaca, que é equivalente a este, e sua influência sobre o Sistema Solar a menos de nove anos-luz afastado excedem de longe a de qualquer corpo extra-solar que possamos conceber. Tanto por distância física quanto por radiação e massa, um sistema como o de Sírius poderia de certa forma preencher a brecha excessiva entre os cosmos do Sistema Solar e da Via Láctea. Na verdade, a distância do Sol a Sírius – um milhão de vezes a distância da Terra ao Sol – cai naturalmente na escala de relações cósmicas mencionada. Ela legou à astronomia do século XIX uma excelente unidade de medida, o siriômetro, infelizmente abandonado nos dias de hoje.

Nenhuma informação astronômica contradiz a possibilidade de que o Sistema Solar circule ao redor de Sírius no curso do circuito deste último ao redor da Via Láctea, como Kant acreditava. Tal trajetória circular seria notada apenas com a alteração da posição de Sírius nos céus, assim como a de outras duas ou três estrelas. Num período de algumas centenas de milhares de anos, tal alteração passaria facilmente despercebida. Temos de fato evidências definidas para mostrar que é esse o caso. Como os antigos egípcios observaram, o movimento aparente de Sírius, medido pelo seu nascimento junto com o Sol, é um pouco menor do que o aparente movimento de todas as outras estrelas, o que reconhecemos na precessão dos equinócios. Considerando-se que a massa geral de estrelas surja vinte minutos mais tarde num dado dia de cada ano, constatamos que Sírius ascende apenas onze minutos depois. Isso corresponde à diferença no movimento aparente entre pontos fora de um círculo e o centro deste quando observado de um ponto em movimento sobre sua circunferência, assim como numa paisagem vista de um carro em movimento os objetos distantes e próximos parecem correr uns atrás dos outros.

Por essa observação, temos uma boa razão para acreditar que nosso Sol circule ao redor de Sírius. E, se considerarmos correta a cifra de 20 km por segundo para o movimento do Sol através do espaço, então essa translação requereria 800.000 anos. Em outras palavras, nosso Sol faria aproximadamente 250 revoluções sobre seu sol maior por cada circuito completo da Via Láctea. Mais adiante veremos que essa cifra de 800.000 anos é equivalente a cerca de um terço do tempo de vida da natureza ou a um mês do tempo de vida da Terra, o que se enquadra muito bem na relação geral entre os cosmos.8

Entretanto, outro fato surpreendente parece confirmar a idéia de um sistema local estelar com Sírius como centro. Se tomarmos as grandes estrelas que nos são familiares dentro de, digamos, quarenta anos-luz do Sol – Sírius, Procyon, Altair, Fomalhaut, Pollux, Vega e outras –, veremos que todas, menos duas, estão dentro dos 15º do mesmo plano.9 Há apenas uma explicação provável para isso: todas as estrelas próximas giram ao redor de um centro comum e essa seção é a eclíptica sobre a qual estão todas as suas órbitas. Supondo que Sírius seja o sol desses sóis, então o nosso Sol – e isto é o curioso – parece ocupar um lugar semelhante àquele ocupado pela Terra no Sistema Solar. Se for assim, então o sistema de Sírius pode ser considerado quase que exatamente um milhão de vezes maior em diâmetro que o Sistema Solar, e este é um milhão de vezes maior em diâmetro que a Terra, sendo esta um milhão de vezes maior em diâmetro que uma simples casa.

Que tipo de influência poderia chegar até nós de Sírius, com sua estranha combinação de uma radiação muito maior que a radiação solar e uma densidade muito mais assombrosa que qualquer outra concebível no interior mais escuro da mais densa lua, não podemos saber. Tais supracéu e infra-inferno são inimagináveis para nós e nem mesmo podemos saber se os raios cósmicos ou qualquer outra radiação supersolar estão associados com eles.

Podemos apenas descrever de um modo geral cada um dos mundos que consideramos banhados nas radiações ou influências de todos os mundos que lhes são superiores, da mesma maneira como nossa própria Terra está banhada simultaneamente pelos raios cósmicos e pelo calor solar. A soma dessas radiações constituirá o ‘meio’ no qual um mundo existe e sua variedade vai introduzir a possibilidade da escolha de resposta entre uma influência e outra.

Olhando de outro ponto de vista, esse ‘meio’ é composto de seções de mundos superiores. Já comparamos nosso Sistema Solar dentro de uma seção da Via Láctea a uma célula dentro de uma seção do corpo humano. A célula está para a seção humana e o Sol para a Via Láctea assim como os pontos estão para os planos. Dessa maneira, podemos dizer como lei que o meio no qual qualquer mundo vive, move-se e tem o seu ser está para ele como um plano para um ponto. A seção transversal do corpo humano é o plano no qual a célula se movimenta, a superfície da Terra é o plano da Natureza no qual o homem se movimenta, a eclíptica do Sistema Solar é o plano no qual a Terra se movimenta e o disco da Via Láctea é o plano no qual o Sol se movimenta.

A relação entre um ponto e uma linha é infinita e a relação entre uma linha e um plano é outra vez infinita. Assim, a relação entre um ponto e um plano é infinita ao quadrado. Isso significa que eles são duplamente incomensuráveis, duas novas dimensões foram acrescentadas. E, quando comparamos cada mundo, não com a seção do mundo superior no qual ele habita, mas com o corpo completo de tal mundo superior, a comparação é entre ponto e sólido ou o infinito ao cubo.

O quadrado ou cubo do infinito pode ser compreendido melhor por nós como a introdução do plano, propósito e possibilidade. Um número infinito de pontos forma uma extensão insignificante, mas um ponto multiplicado pelo infinito ao cubo pode constituir um bloco sólido no qual podemos sentar. Um número infinito de células forma apenas uma massa de protoplasma, mas células multiplicadas pelo infinito ao cubo constituem um corpo humano. Um número infinito de corpos orgânicos não significa nada, a não ser toneladas de polpa e seiva, mas os corpos orgânicos multiplicados pelo infinito ao cubo constituem o mundo harmonioso da natureza. Da mesma forma, ainda que não possamos compreender seu significado, a Via Láctea deve ser composta não de um infinito de sóis, mas de um infinito ao cubo de sóis.

No entanto, o corpo humano, o mundo da Natureza, a Terra, o Sistema Solar e a Via Láctea são ao mesmo tempo completos em si mesmos, cada um contendo um modelo e uma possibilidade do todo. Tais entidades, conectadas pela fugaz tríade de dimensões com entidades semelhantes em maiores e menores escalas, são corretamente chamadas de cosmos.

Duas questões devem surgir para o leitor neste ponto. A primeira é: o que exatamente constitui um cosmos? A segunda é: que bases existem para presumir quais cosmos superiores e inferiores ao homem são capazes de inteligência e consciência?

A palavra kosmos em grego significa ‘ordem’, ‘harmonia’, ‘comportamento correto’, ‘honra’, ‘um todo’, ‘manifestação externa de um todo’ e, finalmente, ‘ordem harmoniosa do todo’, ‘o universo em sua perfeição’. Usada pelos pitagóricos, ela também significou ‘um todo auto-evolutivo ou autotranscendente’. Conforme veremos mais adiante em maiores detalhes, a possibilidade de auto-evolução ou transcendência implica um plano muito especial e uma estrutura que algumas criaturas têm e outras não. Assim, o homem, que possui a possibilidade de aperfeiçoar-se e transcender a si mesmo, pode ser chamado um cosmos, ao passo que um cão, que parece ser um experimento terminado sem qualquer possibilidade adicional, não o pode. Pela mesma razão, uma célula sexual, que pode transcender a si mesma e tornar-se um homem, provavelmente seja um cosmos completo, ao passo que uma célula óssea não o é. Um planeta que pode transcender a si mesmo, tornando-se um sol, é um cosmos completo, enquanto que um asteróide não o é.

O sinal de um verdadeiro cosmos é de fato um tipo particular de projeto, citado no Gênesis na frase ‘Deus criou o homem à sua própria imagem’. Essa ‘imagem divina’, cujas características devemos estudar em detalhe, pode ser encontrada em todos os níveis e é a marca de um cosmos.

Isso, por sua vez, responde nossa segunda questão. Onde quer que encontremos, na natureza ou nos céus, a repetição exata desse projeto, que no caso do homem sabemos estar acompanhada pela possibilidade de inteligência e consciência moral, devemos presumir que ela torne possível inteligência e consciência em outra escala, assim como supomos que a impressão azul de um dínamo torne possível a geração de eletricidade, onde quer que esta vá materializar-se.

Além disso, desde que cosmos maiores dão origem a cosmos menores, devemos também presumir que eles desfrutam de inteligência e consciência num grau maior, assim como presumimos que o homem que faz uma máquina engenhosa é mais engenhoso que a máquina feita por ele.

Um livro é composto de capítulos, capítulos de parágrafos, estes de sentenças, estas de palavras e as palavras de letras. Uma letra e uma palavra têm significado em seu próprio nível, ainda que careçam de um propósito verdadeiro caso estejam fora do conjunto do livro. Assim, no universo, apesar de nossas limitações, esforçamo-nos por apreender o cosmos superior no sentido de alcançar o propósito do inferior.


(4) Isto é, com o dobro da distância, somente um quarto da quantidade de influência é sentida.

(4a) Ver ‘Modern Cosmology’ por George Gamow em Scientific American, março 1954.

(5) Essa suposição que pode ser verificada a olho nu foi sustentada pela detalhada recontagem de estrelas por Hertzspring, Perrine e Shapley entre 1912 e 1918.

(6) Notificado primeiramente por Jansky: ‘A Concise History of Astronomy’, Peter Doig, pgs. 202-3 e 301-2.

(7) Ver Apêndice II, ‘Tabela de Tempos e Cosmos’.

(8) Ver Apêndice II ‘Tabela de Tempos e Cosmos’.

(9) Esta seção através dos céus corta o equador celestial num ângulo de 60o por volta de 7:30 e 19:30 hs em ascensão direta e eleva-se a 55o de declinação nas vizinhanças do Arado.



Fig. 1 Corte transversal da Via Láctea